Uma publicação replicada várias dezenas de vezes no Facebook relaciona a atual escassez de leite em pó para bebés que está a afetar os Estados Unidos com a ajuda humanitária que foi enviada para a Ucrânia — e onde se incluíam remessas do produto.

Sem qualquer tipo de legenda, o post insinua, através da partilha dos cabeçalhos sublinhados de duas notícias (uma de 7 de março de 2022, a outra de 12 de maio), que a falta de leite em pó que atualmente se faz sentir no país terá sido provocada pelo envio de várias caixas deste produto dos EUA para a Ucrânia.

A verdade é que o problema, reportado inicialmente pela CNN, no dia 11 deste mês, não só não é de agora — a reportagem refere “meses de luta” por parte das lojas em todo o país para reporem os stocks do produto — como não está relacionado com a guerra na Ucrânia.

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Foi em julho do ano passado que os supermercados americanos começaram a ter problemas de abastecimento no que diz respeito ao leite em pó. Depois de nos primeiros seis meses de 2021 a taxa de rutura de stock ter estado entre os 2% e os 8%, a partir do meio do ano esse valor começou a subir, disparando para os 31% entre novembro de 2021 e o início de abril de 2022. Na semana que começou a 24 de abril, explicou o canal de televisão americano, a partir dos dados recolhidos pela plataforma Datasembly, a situação ficou ainda pior, fixando-se agora a taxa de rutura de stock do leite em pó em todo o país nos 40%.

Em seis estados — Iowa, Dakota do Sul, Dakota do Norte, Missouri, Texas e Tennessee —, mais de metade do leite em pó para bebés esgotou completamente nessa semana. No total, são 26 os estados americanos que se debatem com problemas de abastecimento deste bem essencial para milhares de bebés e crianças — “É um pesadelo”, disse ao The New York Times, a partir de Dallas, a mãe de duas bebés que se dispôs a comprar no eBay 10 latas de leite em pó por 400 dólares.

O problema, explicou à CNN Ben Reich, CEO da Datasembly, que monitoriza preços, promoções e disponibilidades de produtos em tempo real em todos os Estados Unidos, começou na pandemia, fruto de falhas nas cadeias de abastecimento. Entretanto, o encerramento de uma das duas fábricas da Abbott Nutrition, a maior produtora de leite em pó nos EUA, responsável por 43% da quota de mercado, veio exacerbar a situação.

Aconteceu em fevereiro, na sequência de uma denúncia, que por sua vez se seguiu à morte de dois bebés, alimentados com os produtos da Abott Nutrition, com uma infeção bacteriana. Investigada pela Food and Drug Administration (FDA, a agência federal que tutela alimentação e medicamentos nos Estados Unidos), a fábrica de Sturgis, no Michigan, foi encerrada de imediato. Uma vez que não foram encontradas quaisquer provas de contaminação, a fábrica deverá reabrir nas próximas duas semanas — mas só dentro de seis a oito semanas é que os stocks deverão ser devidamente repostos, já avisou.

Entretanto, Kathy Cadden, que há 22 anos fundou a Operation Ukraine no Mississípi, tem recebido mensagens de ódio, que a acusam de “trabalhar para o Diabo” e de estar a “matar bebés americanos”. Em declarações ao FactCheck.org, a fundadora da organização não lucrativa garantiu que “não criou o problema” e explicou que, assim que o problema da escassez começou a afetar o país, interrompeu a recolha. A última remessa de leite em pó que enviou para a Ucrânia, recordou, seguiu viagem no passado 7 de maio.

Conclusão

A escassez de leite em pó nos Estados Unidos deve-se a problemas na cadeia de abastecimento, provocados pela pandemia de Covid-19, e ao encerramento em fevereiro, por suspeitas de contaminação, de uma das duas fábricas da Abbott Nutrition, a maior produtora nacional. O facto de uma organização no Mississípi ter enviado várias remessas do produto para a Ucrânia não está relacionado com a falta do produto nas prateleiras dos supermercados americanos — que, aliás, já tinha começado a fazer-se sentir meses antes da invasão daquele país pela Rússia.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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