Mariana Mortágua, coordenadora do Bloco de Esquerda, no debate com o líder da IL queria demonstrar os impactos negativos que tinham acontecido com a perda do controlo do Estado de algumas empresas que considera estratégicas. E por isso questionava a Rui Rocha se defendia ser “uma grande ideia” a energia estar nas mãos de uma empresa pública chinesa ou ainda se era uma “grande ideia” o que aconteceu na Portugal Telecom.
E o que, na descrição da coordenadora do Bloco, aconteceu na Portugal Telecom? Aquela que diz que era “a empresa mais tecnológica do país” foi, segundo descreveu, “desbaratada entre os interesses de Ricardo Salgado e uma empresa brasileira ou depois para Altice para o CEO da Altice ser acusado de fraude e lapidação do património da PT destruindo uma das melhores empresas portuguesas”.
O grupo Espírito Santo, de Ricardo Salgado, era o principal acionista privado da Portugal Telecom, convivendo, até 2011, com uma golden share (ações com direitos especiais) do Estado. A golden share foi eliminada em 2011, mas a Caixa Geral de Depósitos manteve-se no capital da operadora. A golden share foi utilizada uma única vez, no governo de José Sócrates para vetar a venda da Vivo em 2010 (empresa no Brasil que a PT partilhava com a Telefónica), ainda que mais tarde e nesse mesmo ano a tenha acabado por vender, o que levou a PT a investir, depois, na Oi. Isto foram anos a seguir à OPA da Sonaecom sobre a PT, onde se viu o verdadeiro poder do BES na empresa, tendo conseguido bloquear a operação. Esses anos de 2006/7, da OPA, em que a Caixa Geral de Depósitos acabou por votar contra a OPA. E é uma das operações que esteve sob investigação do Ministério Público, na Operação Marquês, no âmbito da qual José Sócrates vai responder em Portugal. Nesse processo responderão, também, em Tribunal os ex-presidentes da PT, Zeinal Bava e Henrique Granadeiro, assim como Ricardo Salgado.
Vendida a Vivo, e com muito dinheiro já distribuído pelos acionistas da PT na sequência da OPA, a PT avança com uma fusão da sua operadora com a brasileira Oi, que acabou por ser concretizada em 2014 da PT Portugal para a empresa do Brasil. Uns meses antes da queda do BES. A partir daí também a PT se desmembrou. E a operação portuguesa (PT Portugal) acabou vendida pela Oi à Altice em 2015.
Com a gestão da Altice, dominada por Patrik Drahi, e em Portugal tendo como chairman o seu sócio Armando Pereira, a operadora em Portugal prosseguiu novo rumo, tendo nomeado como CEO Alexandre Fonseca em 2017. Alexandre Fonseca foi subindo no grupo Altice, até ser nomeado co-CEO do grupo internacionalmente e deixado o lugar em Portugal de presidente executivo para Ana Figueiredo em 2022. Alexandre Fonseca ficou chairman da Altice Portugal.
Até que chegados a 2023 (em julho) Armando Pereira, Hernâni Vaz Antunes, Jessica Antunes e Álvaro Gil Loureiro foram detidos e constituídos arguidos num processo que investigava os negócios de empresas destes elementos com a Altice. O Ministério Público suspeitava de “viciação do processo decisório do Grupo Altice, em sede de contratação, com práticas lesivas das próprias empresas daquele grupo e da concorrência”, o que poderá constituir crime de corrupção privada na forma ativa e passiva. Assim como “a lesão dos interesses do Estado, em sede fiscal e da verdade tributária”, com a eventual “deslocalização fictícia da domiciliação fiscal de pessoas e de sociedades, com aproveitamento abusivo da taxação reduzida aplicada em sede de IRC na Zona Franca da Madeira”. O que pode configurar crimes de fraude fiscal qualificada. Acrescenta-se que os suspeitos podem ter beneficiado fiscalmente com os alegados esquemas em 100 milhões de euros. Ao rol de suspeitas acrescentavam-se práticas de crimes de branqueamento e falsificação, “com a utilização de estruturas societárias constituídas no estrangeiro”.
Estes são os índices. Depois de interrogados os suspeitos saíram. Armando Pereira chegou a estar em prisão domiciliária e depois mediante prestação de caução de 10 milhões de euros (a mais elevada de sempre) ficou com termo de identidade e residência. Mas recentemente uma decisão do Tribunal da Relação anulou o despacho de Carlos Alexandre, pelo que o caso terá de voltar ao Tribunal Central de Instrução Criminal para que sejam decididas eventuais novas medidas de coação a Armando Pereira. Para a juíza da Relação, “o que aqui consta [no despacho de Carlos Alexandre] — mais que decisivamente insuficiente em termos de satisfazer a mencionada exigência legal — é, de todo, absoluta e rigorosamente nada”. Armando Pereira está indiciado de 11 crimes.
Alexandre Fonseca não tinha até 4 de janeiro sido constituído arguido, segundo noticiou o Eco. Nesse dia, Alexandre Fonseca anunciou a saída em definitivo do grupo Altice.
Ou seja, nenhum CEO da Altice foi acusado de fraude e lapidação do património. As investigações continuam, estando nesta fase apenas o ex-chairman sub suspeita. Alexandre Fonseca está também a ser investigado.
Conclusão
Ou seja o processo denominado Operação Picoas está ainda sob investigação do Ministério Público, não tendo ainda sido produzida acusação ou arquivamento do caso. Armando Pereira está indiciado e é arguido. Daí que a afirmação de Mariana Mortágua esteja errada.
ERRADO