Chegam através dos correios, seladas em sacos transparentes dentro de envelopes amarelos ou bege. Austrália, Reino Unido, Brasil e em todos os 50 estados norte-americanos há relatos da entrega de pacotes com sementes envenenadas enviadas da China. É esta a versão que circula no Facebook desde agosto, com muita gente a acreditar numa teoria da conspiração. “A China comunista está enviando para o Brasil e para o mundo pacotes de sementes estranhas”, escreveu um dos utilizadores daquela rede social quando a história começou a ganhar força. Antes, outro utilizador já tinha afirmado que a “China quer envenenar o mundo” e que “sementes envenenadas” vindos daquele país estavam a ser enviadas para vários locais do mundo. Contudo, não é verdade que as sementes estejam envenenadas e o mais provável é que as encomendas nem sequer tenham saído da China.

A parte verdadeira é que têm sido distribuídos, um pouco por todo o mundo, pacotes cujo remetente é desconhecido. Lá dentro estão sementes não identificadas. Algumas amostras foram recolhidas pelo Departamento da Agricultura dos Estados Unidos da América (USDA) e não foi detetado nenhum tipo de veneno. De acordo com o USDA, as sementes são, sobretudo, “plantas que poderiam ser encontradas em qualquer jardim comum”. Foram identificadas 14 espécies de sementes e ervas, como mostarda, repolho, hortelã, sálvia, lavanda, alecrim, hibisco e rosas. Ainda assim, a entidade pede a quem receba as encomendas que não as abra ou plante, uma vez que as espécies podem ser invasivas ou espalhar doenças.

Foi também essa a indicação do Ministério da Agricultura português no início de setembro. A quem recebesse uma destas encomendas não solicitadas, Maria do Céu Antunes pediu que “as entreguem nas direções regionais de Agricultura e Pescas ou que as enviem para as delegações da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária”.

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“Não abram, não semeiem e não coloquem no lixo” estas sementes, disse a ministra no início de setembro. A justificação era a de que as sementes podiam “estar contaminadas” e “vir a trazer situações graves” como a da pandemia de Covid-19 — que reiterou o alerta, em jeito de prevenção, num momento em que as autoridades norte-americanas já tinham identificado o conteúdo das embalagens, afastando a possibilidade de se tratar de um produto envenenado.

Os envelopes têm caracteres chineses e estão muitas vezes carimbados com as palavras “China Post (correios da China)”, mas a sua proveniência continua por provar. As autoridades chinesas também estão a trabalhar na investigação e pediram para analisar alguns envelopes. Depois de uma verificação com os correios locais, perceberam que as etiquetas “se revelaram falsas, com configurações e verbetes incorretos”, explicou Wang Wenbin, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China, em conferência de imprensa.

Nos Estados Unidos, onde se têm verificado mais casos destas encomendas não solicitadas, a investigação está a ser coordenada pelo USDA, em parceria com os serviços aduaneiros e o Departamento de Segurança Interna. As autoridades acreditam que o que está a acontecer seja aquilo a que chamam “brushing scam”, uma fraude para promover um produto. Um vendedor envia por correio aquilo que pretende divulgar, sem que a pessoa que receba a encomenda tenha feito qualquer compra ou saiba sequer do que se trata. Depois, o mesmo vendedor divulga avaliações dessas pessoas, os supostos clientes, com o intuito de dinamizar e aumentar as vendas.

Ainda assim, e apesar de não ter ficado provado que existisse qualquer semente envenenada em qualquer das embalagens analisadas até este momento, continua a valer o conselho das autoridades de saúde e alimentares: as encomendas não solicitadas devem ser abertas e devem ser encaminhadas para os serviços competentes, para que possam ser verificadas ou encaminhadas em segurança.

Conclusão

É verdade que há quem esteja a receber sementes não identificadas sem ter feito qualquer encomenda. O Departamento da Agricultura dos Estados Unidos da América já descartou a possibilidade de as amostras estarem envenenadas e identificou algumas espécies como sendo coisas banais, como alecrim ou rosas. Os pacotes não têm remetente mas têm carimbos dos correios chineses. As autoridades da China já garantiram que são falsos. Tudo indica que as entregas misteriosas façam parte de uma fraude promocional, que pretende divulgar um produto e atribuir-lhe avaliações positivas, todas elas falsas.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

Errado

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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