A tese

Entre todas as limitações e contradições apontadas ao Orçamento do Estado para 2017, o Bloco de Esquerda tem celebrado esta proposta por representar, entre outras conquistas, o maior aumento de pensões da última década.

Para sustentar esta tese, os bloquistas acenam sobretudo com dois argumentos: em primeiro lugar, a alteração introduzida pelo atual Governo à lei da atualização das pensões. Com esta alteração, a atualização das pensões ao valor da inflação prevista (0,8%) vai chegar até ao segundo escalão (duas vezes o Indexante de Apoio Social). Isto é, todas as pensões até aos 840 euros deverão ser atualizadas em 0,8%.

O que é que acontecia antes desta alteração? A atualização das pensões ao valor da inflação abrangia apenas as pensões até 628 euros (1,5 vezes o Indexante de Apoio Social). A partir desse valor, as restantes pensões iam sendo atualizadas abaixo do valor da inflação. Na prática, o Governo alargou o universo de pensões atualizadas em função da inflação.

As restantes pensões não são esquecidas. As superiores a 838 euros também sofrem uma atualização: até ao valor de 2.515 euros, o aumento é de 0,3% [taxa de inflação menos 0,5, como está inscrito na lei]. De fora ficam as pensões mais altas.

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Em segundo lugar, o Executivo socialista vai ainda avançar, em agosto, com um aumento extraordinário até dez euros para todas as pensões entre os 275 euros e os 628 euros. De fora deste aumento extraordinário ficam as pensões inferiores a 275 euros, sob o argumento de que estas pensões já foram atualizadas entre 2012 e 2015. Entretanto, o ministro da Segurança Social, José António Vieira da Silva, já veio admitir que este aumento pode chegar a 250 mil pensões mínimas que não foram atualizadas nesse período.

Somados estes dois instrumentos (atualização legal das pensões e aumento extraordinário), tal representa o maior aumento de pensões desta década, vem reiterando o Bloco de Esquerda.

Os factos

O período de recessão económica que se abateu sobre o país teve uma influência decisiva na atualização das pensões. Basta recordar que entre 2010 e 2015 todas as pensões estiveram congeladas, com exceção das pensões mínimas das mínimas (pensões sociais, rurais e o primeiro escalão das pensões mínimas do regime geral).

Em 2016, o Governo já tinha descongelado as pensões, sendo que as pensões até aos 630 euros tinham sido atualizadas em função da inflação (0,4%). A atualização prevista pelo Governo socialista para 2017 representa, sem grandes dúvidas, um aumento expressivo face ao que aconteceu entre 2010 e 2015.

No entanto, vários especialistas ouvidos pelo Observador, da esquerda à direita, alertam para a leitura minimalista dos dados e para o facto de a afirmação do Bloco de Esquerda ser, antes de tudo mais, um statement político, demasiado ambíguo para ser analisado com minúcia e que deixa de fora vários fatores.

Recuemos a 2008, ao período pré-crise e o último ano em que os dados da inflação e do crescimento económico — critérios fundamentais para o cálculo da atualização das pensões –, melhor se conjugaram. No Orçamento para esse ano, estava prevista uma atualização de 2,40% (em função da inflação) para todas as pensões até aos 611,12 euros; 1,90% para pensões entre os 611,12 e os 2444,46 euros; e 1,65% para pensões acima dos 2.444,46 euros.

Como mostram os dados, não só o valor da atualização foi superior (logo, mais expressivo para a carteira dos pensionistas) como se foi estendendo a mais escalões.

Por isso, para avaliar a afirmação de Catarina Martins, é preciso afinar o critério: de facto, a alteração introduzida à lei fez com que mais pensões estejam protegidas contra a evolução dos preços, esforço que é conjugado com o aumento extraordinário até dez euros para um número considerável de pensões.

A conclusão

Entre todas as dificuldades que existem para definir o alcance das palavras de Catarina Martins, a frase da coordenadora do Bloco de Esquerda é suportada por dois factos inegáveis: o universo de pensões protegidas pelo aumento da inflação é o maior desde a adoção da lei de 2006 que introduziu a atual fórmula de cálculo para a atualização de pensões; e o aumento extraordinário até dez euros contribuiu para um aumento estrutural de pensões sem precedentes na história mais recente.

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