Circula nas redes sociais um conjunto de publicações que alegam que a Igreja Católica começou a “batizar” e a “distribuir a comunhão” a animais de estimação.

Nas várias publicações consultadas pelo Observador surgem múltiplas fotografias: uma mostra o Papa Francisco aparentemente a dar a comunhão a um cão, várias mostram padres a aspergir água benta sobre cães, e uma outra mostra o Papa Francisco na Praça de São Pedro, no Vaticano, rodeado por várias pessoas com os seus cães.

As várias publicações que o Observador consultou — que parecem ter origem em contas de utilizadores nigerianos — têm legendas diferentes, mas parecidas, incluindo expressões como “batismo e comunhão animal”, “cães a serem batizados e a receber a sagrada comunhão dos ‘santos padres'”, “o que está a acontecer ao catolicismo?”, entre outras.

Trata-se, no entanto, de uma publicação falsa.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Em primeiro lugar, olhemos para as imagens que surgem nesta publicação.

A primeira, talvez a mais polémica, é a que mostra o Papa Francisco, alegadamente, a dar a comunhão a um cão. A verdade é que, se tivesse mesmo acontecido, certamente o leitor teria ouvido falar do escândalo. Além de que o cão, que surge no canto inferior esquerdo da imagem, foi ali manifestamente colocado através de uma montagem muito pouco profissional. Ainda assim, mesmo que restem dúvidas, não é difícil encontrar a origem desta imagem.

Trata-se de uma fotografia tirada no dia 6 de maio de 2019, na Bulgária, durante a visita do Papa Francisco àquele país, pelo fotojornalista Andreas Solaro, da AFP. No lugar do cão está, na verdade, uma criança a comungar. É possível encontrar a versão original da imagem, disponível para venda na plataforma editorial Getty Images, com a legenda original, que explica claramente que se trata do momento em que o Papa Francisco dá a primeira comunhão a uma criança.

A outra fotografia em que surge o Papa Francisco mostra-o na Praça de São Pedro a cumprimentar algumas pessoas vestidas de azul com vários cães à sua volta. Será que o Papa se preparava para os batizar ou para lhes distribuir a comunhão?

Não. Basta consultar, por exemplo, esta notícia de junho de 2016, que dá conta do encontro do Papa Francisco, nesse dia, com um grupo de elementos de uma escola italiana que se dedica a treinar cães para auxiliar em buscas e resgates marítimos. A legenda da fotografia diz que o Papa Francisco estava a “cumprimentar membros de uma escola para cães de busca e salvamento marítimo no final da sua audiência geral semanal na Praça de São Pedro”.

Outra imagem mostra um cão a ser aspergido com água benta — e procura dar a ideia de que se trata do batismo de um animal. Não é verdade. Originalmente, a fotografia terá sido tirada em Espanha, por ocasião da festa de Santo Antão (17 de janeiro) de 2013, como se pode ver neste artigo com uma fotogaleria. O próprio site do Vaticano explica que Santo Antão (ou Santo António Abade) é conhecido por ser o padroeiro dos animais domésticos — razão pela qual na sua festa anual é comum fazer-se a bênção dos animais de estimação, um rito que é bastante popular em algumas paróquias de Espanha e que nada tem a ver com o batismo. Uma pesquisa no Google por “bênção de animais no dia de Santo Antão” ou por termos equivalentes levará o leitor a encontrar milhares de fotografias semelhantes à que consta da publicação.

A última fotografia, que mostra um cenário idêntico — um sacerdote a abençoar um cão ao colo de uma mulher —, também tem origem numa tradição semelhante, mas em França. A fotografia surge nesta notícia no portal francês Actu.fr, que anuncia o regresso da bênção dos animais domésticos em Honfleur, na Normandia. Novamente, trata-se de uma bênção (como tantas que são comuns na Igreja Católica a casas, carros e até capacetes de mota), não de um batismo.

Por fim, basta consultar o Catecismo da Igreja Católica para confirmar que, efetivamente, a Igreja não batiza animais. O parágrafo 1246 do Catecismo é explícito: “Todo o ser humano ainda não batizado — e só ele — é capaz de receber o Batismo.”

Na internet é possível encontrar múltiplas referências a “batismos de animais” que, na verdade, aparentam ser apenas cerimónias de bênção dos animais domésticos por ocasião de festas de santos ligados aos animais — incluindo Santo Antão, mas também, por exemplo, São Francisco de Assis. Nos Estados Unidos, a diocese católica de Orlando até publicou um artigo no seu site a explicar porque é que os animais não são batizados — mas sim benzidos, como acontece com objetos.

Conclusão

A publicação em causa é falsa. A Igreja Católica não decidiu começar a batizar ou a distribuir a comunhão aos animais. Basta consultar o Catecismo da Igreja Católica para compreender que só os seres humanos recebem os sacramentos. As quatro fotografias usadas na publicação também não comprovam um alegado batismo ou comunhão de animais: uma foi adulterada digitalmente para colocar um cão no lugar de uma pessoa; outra mostra simplesmente o Papa junto a cães de busca e salvamento; outras duas retratam uma tradição de bênção dos animais domésticos que é bastante antiga na Igreja, mas que não se confunde com o batismo.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

IFCN Badge