Tem sido uma teoria recorrente desde que a pandemia de Covid-19 atingiu Portugal e o mundo: o vírus já seria conhecido antes, o que faria da atual situação de alarme uma espécie de conspiração mundial. Para prová-lo, argumenta este post publicado no Facebook — mas também uma série de outras publicações e vídeos anteriores –, bastaria verificar que já existiam patentes de vacinas para o vírus antes de a pandemia ter chegado em força.

Segundo este utilizador, seriam dezenas delas: “Xeque-mate. SARS-CoV-2 registado em 73 patentes antes de 2008”, pode ler-se na publicação. Vídeos anteriores, analisados pela Reuters, argumentavam também que o vírus seria conhecido pelo menos desde 2006, mencionando patentes europeias e americanas de vacinas contra o SARS-CoV.

A confusão estará aqui: é que, no passado, já foram identificados vários coronavírus que provocaram surtos e infeções respiratórias graves em humanos, mas não se tratava do mesmo coronavírus — o SARS-CoV-2 — que provoca a doença Covid-19 e que está agora a ser combatido com vacinas novas.

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Os coronavírus já estavam, por isso, a ser estudados em anos anteriores: entre 2002 e 2003 surgiu a síndrome respiratória aguda grave (esta é a infeção provocada pelo coronavírus SARS-CoV) e em 2012 a síndrome respiratória do Médio Oriente (infeção provocada pelo coronavírus MERS-CoV).

Mas a história desta família de vírus até já vem mais de trás, como explica ao Observador Pedro Madureira, imunologista e investigador na Immunethep, que está a trabalhar para desenvolver uma vacina portuguesa contra a Covid-19.

“Os coronavírus infetam humanos já desde os anos 1960; eram então uma das principais causas de gastroenterites agudas”, recorda. “Em 2002, uma mutação causou pela primeira vez uma pneumonia atípica (uma pneumonia causada por micro-organismos diferentes dos habituais)” — e, logo nessa altura, houve uma primeira patente para combater esse vírus.

“Em 2004, 2005, deixou de aparecer e as pessoas esqueceram-se, mas já havia muita investigação feita e muitas patentes. E em 2013 houve uma nova pandemia, a que chamaram MERS (Middle East Respiratory Syndrome, ou Síndrome Respiratória do Médio Oriente), sobretudo limitada à Península Arábica e ao Médio Oriente — e houve patentes e tentativas de vacinas”.

Por isso, na verdade, explica o investigador, embora o impacto causado por este tipo de coronavírus que deu origem à Covid-19 seja “novo”, a investigação sobre coronavírus tem sido “um contínuo desde 2002”, uma vez que os vírus são “praticamente iguais”.

O que é novo é o SARS-CoV-2, que provoca a Covid-19 e que, tal como os outros vírus “irmãos”, pode causar infeções respiratórias graves. Mas este vírus em concreto só foi identificado pela primeira vez em humanos no final de 2019, na cidade chinesa de Wuhan (província de Hubei). A doença foi batizada pela Organização Mundial da Saúde e resulta da combinação das palavras “corona”, “vírus” e “doença” e do ano “2019”. Já o nome do vírus significa “síndrome respiratória aguda grave — coronavírus 2”.

Neste momento, segundo os números da Organização Mundial da Saúde, existe um total de 108 projetos de vacina em fase de desenvolvimento clínico (um processo que inclui testes em vários grupos de pessoas, cada vez mais alargados, até serem milhares) e 184 em fase pré-clínica, mais inicial. Depois disso, ainda têm de ser aprovadas e passar pela produção e controlo de qualidade.

A primeira vacina considerada segura e autorizada pela Comissão Europeia foi a desenvolvida pela BioNTech e pela Pfizer, a 21 de dezembro de 2020, alguns dias depois de ter sido aprovada nos Estados Unidos. Atualmente, em Portugal são administradas as vacinas da Pfizer, Moderna, AstraZeneca e Janssen.

Conclusão

A publicação que alega que já havia patentes de vacinas contra o SARS-CoV-2, vírus que provoca a Covid-19, é falsa. O que já existia antes, pelo menos desde 2002, era patentes e investigação feitas sobre outros coronavírus, como o SARS-CoV e o MERS-CoV, que embora também causem infeções respiratórias não provocam a mesma doença.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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