É uma das mais recentes publicações que circula nas redes sociais a tentar descredibilizar as vacinas contra a Covid-19. Mas desta vez, o cenário talvez seja mais refinado do que outros anteriores. A última teoria contra a tecnologia mRNA alega que tanto a farmacêutica Pfizer como a Moderna estão alinhadas com uma “elite mundial” que tem o objetivo de rastrear a população através de sistemas de bluetooth implementados no corpo dos vacinados.

De acordo com um vídeo que já foi partilhado dezenas de vezes, o Governo do Japão decretou estado de emergência depois de terem sido detetados nanorrobôs no organismo de quase 100 milhões de pessoas. No mesmo vídeo, diz-se ainda que o executivo nipónico já pediu desculpa publicamente à população do país por conta dos alegados efeitos nefastos das vacinas contra o coronavírus — chegando mesmo a admitir “crimes contra a humanidade”.

Trata-se de um registo com mais de oito minutos que circula na internet, com vários alertas em simultâneo. Inicialmente, é referido um estudo japonês publicado no International Journal of Vaccine Theory Practice and Research provando, alegadamente, que as vacinas da Pfizer e da Moderna contêm partículas semelhantes a vermes, invisíveis a olho nu, que ao nadarem contorcem-se e transformam-se em estruturas complexas que dão origem a coágulos gigantes e outro tipo de corpos que crescem nas artérias das pessoas, causando graves doenças e até mesmo a morte.

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No vídeo partilhado, surgem vários intervenientes que não são identificados. Todos corroboram a ideia de que há “pequenos monstros dentro do corpo das pessoas que tomaram as vacinas” com recurso à técnica mRNA: “Prova disso são as experiências realizadas durante várias semanas em que amostras de vacinas ficaram em frascos permitindo a observação de pequenos discos, correntes, espirais”, alegam, acrescentando que quando estão perto de telemóveis ou computadores sofrem uma mutação permitindo ativar um sistema de localização dentro do corpo humano.

Os referidos nanorrobôs “estão ligados a uma central”, diz um dos críticos que fala no vídeo, deixando a garantia de que há pessoas que funcionam atualmente como cyborgs, criados pela tal “elite” que não toma a vacina mas quer controlar o resto da humanidade, numa alusão a uma nova ordem mundial.

Uma coisa é garantida nos vários registos: quem tomou a vacina proveniente de uma destas duas farmacêuticas, pode ser localizado através de nano aparelhos que emitem sinais de bluetooth. Pode ver-se inclusivamente um grupo de pessoas num cemitério, com um aparelho eletrónico na mão, para supostamente mostrar que quatro dispositivos detetáveis dizem respeito a pessoas já vacinadas mas que morreram entretanto.

Nenhuma das informações do vídeo partilhado é fidedigna ou confirmada por entidades competentes. O estudo mencionado, publicado pelo International Journal of Vaccine Theory Practice and Research, foi desenvolvido por uma ginecologista sul-coreana e por um professor japonês de línguas, não tendo sido verificado ou corroborado por nenhum especialista em imunologia. Além disso, a revista em causa surgiu em 2020, tendo publicado vários artigos numa tentativa de descredibilizar as vacinas contra a Covid-19, negando os seus efeitos. O jornal nunca conseguiu, aliás, alcançar qualquer credibilidade no seio da comunidade científica.

O Observador consultou ainda as fichas técnicas das soluções, quer da Pfizer, quer da Moderna, e nenhuma delas demonstra ter qualquer propriedade que torne possível o cenário alegado nos vídeos partilhados. Há, sim, “nanopartículas de gordura” que servem para transferir o RNA para as células. Adicionalmente, o Observador consultou ainda os dados disponíveis sobre as vacinas administradas em todo o mundo até ao dia 18 de agosto de 2024. Mais de 13,5 mil milhões de doses foram aplicadas, de acordo com o Our World in Data , o que significa que 70,7% da população mundial recebeu, pelo menos, a primeira dose. E mesmo assim não há nenhum estudo científico que sugira qualquer efeito secundário relacionado com as alegações feitas no vídeo partilhado nas redes sociais.

Quanto ao suposto “estado de emergência” decretado pelo Japão na sequência dos “nanorrobôs encontrados” em quase 100 milhões de pessoas, consultando o site oficial do Governo japonês e até mesmo do Ministério da Saúde do país, é possível verificar que não está disponível qualquer alerta à população a pretexto dos efeitos das vacinas contra a Covid-19, pelo contrário, o Executivo do Japão incentiva os cidadãos à vacinação.

Também a embaixada do Japão em Portugal, questionada pelo Observador, confirma “de forma inequívoca que não houve qualquer estado de emergência” decretado no Japão na sequência de supostos efeitos secundários das vacinas para a Covid-19, muito menos foi detetada qualquer relação com nanorobôs: “É obviamente mentira. Essa teoria é completamente falsa e sem qualquer cabimento”, garante a embaixada.

Conclusão

Não é verdade que as vacinas tipo mRNA sejam administradas com o objetivo de gerar nanorrobôs no organismo dos seres humanos, para que estes possam ser localizados através de bluetooth. Também é falso que o Governo do Japão tenha decretado estado de emergência depois de uma suposta descoberta de dispositivos no organismo de milhões de pessoas. A embaixada do Japão em Portugal afirma ao Observador que essa “teoria é completamente falsa e sem qualquer cabimento”. O vídeo partilhado nas redes sociais que sugere este tipo de informações é realizado por pessoas não identificadas e sem qualquer base científica.

Segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:


ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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