Uma das grandes dúvidas que ainda demorou até ser esclarecida durante esta pandemia era se as mulheres grávidas deveriam ser vacinadas contra a Covid-19. Ora, o não esclarecimento fez com que surgissem cada vez mais publicações falsas ou enganadoras sobre o assunto. Por exemplo, a 4 de julho deste ano, um utilizador partilhou uma imagem de uma suposta notícia que diz o seguinte: “Médicos apagaram dados que demonstravam uma taxa de 82% de abortos em mulheres vacinadas.” Trata-se, no entanto, de uma publicação já anteriormente desmentida e, por isso, falsa.
A publicação em questão não partilha qualquer link para que seja possível perceber o que está em causa. Tem apenas o cabeçalho polémico, a data (30 de junho de 2021) e, em baixo, menos visível, uma nota de rodapé com uma atualização: “O artigo foi temporariamente retirado para revisão”. Só esta nota já levanta uma série de dúvidas que nunca são esclarecidas na publicação.
Depois, basta uma pesquisa na internet para se perceber que estamos a lidar com conteúdo falso e que já foi verificado por outros fact-checkers internacionais. O site “Science Feedback” — que faz parte da International Fact-Checking Network da Poynter, tal como o Observador –, por exemplo, dedicou um longo artigo a este conteúdo. Começa por referir que o estudo em causa, do New England Journal of Medicine, quando revisitado, tem resultados contrários aos indicados pela publicação. E que, na altura em que foi feito, muitas mulheres ainda estavam grávidas aquando da sua publicação. Ou seja, os abortos estavam, na verdade, mal representados nesses dados. Importa também dizer que nenhum médico apagou qualquer dado, já que o estudo é público.
Convém também olhar para a informação disponível desse estudo. Foram analisadas 3.958 mulheres que receberam a primeira dose de uma vacina de mrNA (como a Pfizer ou a Moderna) entre 14 de dezembro de 2020 e 28 de fevereiro de 2021. O objetivo era contar quantas gravidezes resultaram em nascimentos de bebés, abortos, anomalias congénitas ou bebés prematuros. No entanto, nesse estudo admite-se que existem limitações, sobretudo no que diz respeito à amostra da população analisada, que não seria representativa da população geral de mulheres grávidas. Ainda assim, naquele período específico, não foram registados quaisquer incidentes fora do comum, tal como alega a publicação original.
Por exemplo, das tais cerca de 3 mil mulheres grávidas, 104 tiveram abortos espontâneos, que ocorreram antes das 20 semanas de gestação. Os autores do estudo concluíram que a taxa de abortos estava em linha com os da população geral: 12,6%. Quanto à taxa de 82%, trata-se de uma interpretação deturpada dos números em questão, porque os cálculos basearam-se nas mulheres grávidas de 20 semanas de gestação, o que, como se sabe, é ainda prematuro para que os bebés acabem por nascer. Não quer dizer que não aconteça, mas é raro. O período habitual para o nascimento são 40 semanas de gestação.
Fact Check. 82% das grávidas sofreram abortos depois de serem vacinadas contra a Covid-19?
Ou seja, o autor exclui, desta forma, 700 mulheres que foram vacinadas no último trimestre de um número total de 827 mulheres com a gravidez completa, o que leva a apenas a considerar 127 mulheres e, por isso, aos tais 82% de abortos. É retirar os números do contexto geral do estudo para apresentar uma versão manipulada da realidade.
Outras publicações semelhantes já foram desmentidas por diferentes órgãos de comunicação social, como a AFP, o Full Fact ou até mesmo a agência Reuters. A verdade é que a vacinação contra a Covid-19 é autorizada pelas autoridades de saúde em vários países, ainda que seja proposto aconselhamento médico. Aliás, ainda este mês, saiu uma norma da Direcção Geral da Saúde que garante que mulheres grávidas, com 16 ou mais anos, podem ser vacinadas a partir das 21 semanas de gestação, após a realização de uma ecografia morfológica.
Conclusão
Não é verdade que médicos tenham apagado um determinado estudo sobre abortos em mulheres vacinadas. Trata-se de uma manipulação grosseira de uma investigação do New England Journal of Medicine que concluiu que a vacinação de uma amostra de mulheres grávidas não trouxe nenhum resultado diferente — e mais grave do que o habitual — do que aquele que se verifica nesta população em geral. Outros fact-checkers já desmentiram esta publicação, considerando-a como falsa.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
ERRADO
No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:
FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.