O texto é longo e conta a história de Ramsés II (ou Ramessés II), o faraó que reinou de 1279 a.C. a 1213 a.C.. Dos seus feitos aos restos mortais, que andaram de túmulo em túmulo, a curiosidade que tornou esta história viral está num episódio de 1976, altura em que a múmia foi enviada para França para ser restaurada, precisando de um passaporte para a deslocação. Há detalhes verdadeiros no post, mas a existência do suposto documento é falsa e percebe-se logo pelas frases contraditórias. A dada altura, o texto diz que “a lei francesa não permite que qualquer pessoa entre no país vivo ou morto sem um passaporte”, dando a entender que a burocracia estaria do lado de França. Noutro ponto, lê-se que “o Egito exigia que qualquer um que deixasse o país, vivo ou morto, tivesse os documentos apropriados”.

Começando pela imagem do passaporte, ela é uma montagem. A base é um passaporte biométrico que, além da foto, contém um código de barras que reúne diversos dados. Em Portugal, começou a ser emitido em 2007 e, no Egito, circula desde 2008, como se pode confirmar no site oficial do Conselho da União Europeia. Logo, este modelo nem sequer existia em 1976. Nessa altura, ainda havia campos preenchidos à mão, como se confirma no site de um colecionador.

Além disso, por baixo do código de barras é possível ler “heritagedaily.com”, um blogue sobre arqueologia e paleontologia. Foi lá que, em março de 2020, foi publicado um artigo sobre a viagem de Ramsés II até Paris. É ilustrado com a foto do passaporte e, por baixo da mesma, está explicado que ela é “uma criação de um artista, a imagem é representativa”. Apesar de ficar claro aqui que o documento é uma montagem, o texto defende que existia realmente um passaporte mas que ele não está disponível. No entanto, não há nenhum dado que corrobore estas afirmações.

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A múmia de Ramsés II foi, efetivamente, recebida em França a 24 de setembro de 1976, para ser restaurada depois de terem sido detetados fungos que ameaçavam uma rápida deterioração. A chegada ao aeroporto de Bourget, perto de Paris, foi noticiada no jornal televisivo da estação Antenne 2 e até nos EUA, através de uma publicação no “The New York Times”. Nenhum destes meios falou de um passaporte e esse suposto detalhe também não foi referido num documentário de 2010 chamado “Ramsés II, a grande viagem”.

Contactada pela agência noticiosa AFP, Elisabeth David, responsável pelos estudos documentais no departamento de antiguidades egípcias no Museu do Louvre, em Paris, descartou a hipótese da existência do tal documento, mas apresentou uma explicação para a confusão. Num relatório de 1985 do Museu Nacional de História Natural, a arqueóloga Christiane Desroches-Noblecourt falava de um “passaporte” — referido assim, entre aspas — que teria sido necessário para a saída da múmia do Egito. “Claro que o governo francês não pede a um rei morto que apresente um passaporte, este termo sugere mais a extrema complexidade da operação”, defendeu Elisabeth David.

O mesmo foi confirmado por Mathiey Touzeil-Divina, professor de Direito e autor de um artigo sobre “os direitos de um defunto”. “Não existe nenhum passaporte obrigatório na legislação francesa para pessoas humanas mortas. […] Em caso de transferência, as múmias encaixam-se no quadro legislativo dos bens. O termo ‘passaporte’ é, por isso, falso. Mas é verdade que, às vezes, algumas antiguidades precisam de uma autorização para serem transferidas de um estado”, disse à AFP.

Com mais de três mil anos, a múmia de Ramsés II está atualmente no Museu Egípcio do Cairo, para onde voltou depois de ser devidamente restaurada em França.

Conclusão

Múmia de Ramsés II viajou do Egito para França nos anos 70 para ser restaurada mas a imagem de um passaporte que teria sido obrigatório é uma montagem, nem sequer corresponde aos documentos de identificação que circulavam nessa altura. De acordo com os especialistas, é provável que tenha sido necessária uma autorização para a transferência entre países mas nada mais do que isso.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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