Uma publicação que circula na rede social Facebook sugere que Noah, o menino de dois anos que esteve desaparecido durante 36 horas em Proença-a-Velha, (concelho de Idanha-a-Nova), “esteve retido” para que a mãe assinasse o consentimento para a intervenção da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ).

As horas em que Noah, de apenas dois anos, terá saído de casa, passado um rio e sobrevivido perdido no mato

A mãe de Noah deu pelo seu desaparecimento na manhã de 16 de junho, perto das 8h00, quando acordou e ele não estava ao seu lado a dormir. Era normal que a criança fosse ter com o pai ali próximo de casa, onde este já estaria desde cedo. Mas, naquela manhã, a criança não estava com o pai nem em lado algum.

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O alerta do desaparecimento da criança chegou à GNR poucos minutos mais tarde e começaram logo as buscas na zona. A Policia Judiciária foi chamada ao local, por se tratar de um desaparecimento. Com Noah estaria a cadela da família, que seria encontrada a cerca de um quilómetro de casa. Nesse local, as autoridades encontrariam um buraco na vedação onde estava pelo de animal — pressupondo-se que a cadela terá tentado seguir o menino, mas que não conseguiu passar naquele acesso.

A cerca de quatro quilómetros de casa foram depois encontrados uma fralda, uma das botas que calçava, os calções e a camisola. No percurso, numa direção contrária à da casa onde vive a família, foram também detetadas pegadas de pés descalços de uma criança. O menino acabaria por ser encontrado a uma distância de quatro quilómetros de casa em linha reta (embora as autoridades acreditem que terá caminhado cerca de 10 quilómetros até ali chegar), numa zona florestal, onde terá permanecido durante parte das 36 horas em que esteve desaparecido.

Assim que foi encontrado, o Conselho de Administração do Hospital de Castelo Branco reuniu de imediato para atuar. O objetivo era encontrar uma forma de receber aquela criança e a sua família e concentrar a informação que devia sair para a comunicação social. O diretor de enfermagem do hospital, Carlos Almeida, explicou à data ao Observador que estavam todos “muito preocupados com esta família”. Primeiro Noah, depois os pais, que também não tinham descansado nada nas últimas 36 horas e tinham estado sujeitos a uma grande pressão.

Noah estava desidratado, “com sinais de arranhões” e foi logo colocado a soro, mas “comeu e bebeu muito bem”. Depois, ele e a mãe dormiram a noite toda. Já pela manhã ligaram ao pai, “que também estava preocupado”. O hospital disponibilizou psicólogos e assistentes sociais para acompanharem o caso, e não se previa que pudesse ser dada alta a Noah antes de completar 72 horas de internamento.

Para ter alta, têm de estar garantidas “condições clínicas de nutrição e de hidratação, que são rapidamente estabelecidas, e que haja estabilidade do ponto de vista emocional da mãe e do pai para a ter devidamente em casa”. É, assim, necessário garantir-se que “quando sai, não tem novamente nenhum perigo”, explicou por seu turno a diretora clínica do Hospital, Eugénia André.

Noah já teve alta. Criança que esteve perdida 36 horas “está clinicamente bem”

Noah acabou por estar mais horas no hospital. Completaria as 72 na noite de domingo, mas sairia na segunda-feira, já de tarde. À data, fonte hospitalar explicou as razões do atraso na alta: as análises continuavam a indicar desidratação.

Segundo a Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, a intervenção das comissões de proteção das crianças e jovens depende sempre do consentimento expresso e prestado por escrito, neste caso, dos pais. É exigido que sejam os dois, pai e mãe, mesmo que separados. Neste caso, a Polícia Judiciária considerou que na origem do desaparecimento e Noah não terá estado qualquer crime. No entanto, cabe ao Ministério Públio olhar para o caso e para as provas para decidir se arquiva ou não o caso.

Ao Observador, a CPCJ de Idanha-a-Nova, esclareceu isso mesmo. “Qualquer intervenção por parte das CPCJ depende de consentimento expresso e prestado por escrito por parte de ambos os pais”, começa por explicar por escrito a presidente, Ivone Rente. “Consentimento esse que pode ser retirado a qualquer momento”, adverte ainda.

A palavra e a relevância do consentimento não são compagináveis com qualquer ideia de coação. É no consentimento que assenta todo o processo de promoção e proteção que visa a proteção da criança e que, para tal, implica a participação efetiva dos pais e a sua colaboração”, explica a responsável.

Por outro lado, não existe um crime de “rapto com coação”. O crime de rapto previsto no Código Penal, pela sua definição, já é um crime que pressupõe “violência, ameaça ou astúcia”, como se lê. Mais. Os processos de promoção e proteção são sempre fiscalizados pelos magistrados do Ministério Público.

Assim, “ainda que seja verdadeiro que a intervenção das CPCJ dependa de consentimento, é completamente falsa a afirmação publicada no Facebook de que os consentimentos sejam prestados sob coação de qualquer ordem. Tal afirmação só pode resultar de um  profundo desconhecimento do sistema de proteção de crianças e jovens em perigo e em particular da relevante intervenção das 311 CPCJ existentes no país”, considerou a CPCJ de Idanha-a-Nova.

Conclusão:

Noah esteve no hospital quase um dia inteiro para lá das 72 horas previstas para observação. E isso deveu-se ao seu estado de desidratação, depois de ter passado 36 horas sozinho no mato, como confirmou fonte oficial do hospital de Castelo Branco. Teve alta quando a equipa médica percebeu que já não estava desidratado.

As autoridades policiais que o procuraram durante um dia um meio abriram um inquérito e recolheram provas, e acreditam não ter havido qualquer indício de crime. No entanto, cabe ao Ministério Público olhar para essas diligências e decidir se arquiva ou não o caso. Paralelamente, poderá ser aberto um processo de promoção e proteção da criança através da CPCJ, que até agora aguarda o desenrolar do processo judicial.

Segundo a lei, para as CPCJ agirem, é necessário o consentimento dos pais. Todos os procedimentos são controlados pelos magistrados do Ministério Público, mas nunca numa lógica de coação, como pressupõe a publicação. Também diferente do que está a ser partilhado, nunca poderia sequer ser apenas mãe a assinar o consentimento, porque a lei obriga ao consentimento do pai e da mãe, mesmo que estejam separados.

Assim, segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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