As ligações ferroviárias em alta velocidade em Portugal (Lisboa-Porto, Lisboa-Madrid ou Porto-Vigo) estão a ser discutidas há tanto tempo em Portugal – mais de duas décadas – que é fácil confundir as posições que os dois principais partidos, o PS e o PSD, têm vindo a tomar sobre o tema. Foram ou são a favor? Defendem a solução A, B ou C? Ou as três?

As divisões entre os dois partidos que costumam formar governo são tantas que este domingo, quando o ministro das Infraestruturas defendeu – numa entrevista ao La Voz de Galiciaque a linha de alta velocidade entre o Porto e Vigo era uma “prioridade absoluta” para o país, a correspondente do jornal galego teve dúvidas. A ligação em alta velocidade entre o Porto e Vigo será realidade em 2030?

Respondeu Pedro Nuno Santos: “Entendo a sua pergunta porque os diferentes governos [em Portugal] há 20 anos que andam a falar do tema e até agora ficou tudo no ar. Só lhe vou dizer que, para nós, é uma prioridade absoluta ligar Lisboa e Porto em alta velocidade, e o Porto com Vigo. Apostamos nisso no plano de investimentos do governo português de 43.000 milhões de euros”, disse o ministro, referindo-se ao Plano Nacional de Investimentos 2030, apresentado a 22 de outubro.

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Mas a desconfiança do La Voz de Galicia persiste: Mas o que há de diferente desta vez? É aqui que Pedro Nuno Santos refere “um compromisso” da atual direção do PSD – o principal partido da oposição – quanto à continuidade das duas linhas de alta velocidade.

Temos o compromisso da atual direção do PSD, ao contrário do que ocorreu no passado, de que se eles vierem a ser governo vão prosseguir com estes dois projetos de alta velocidade Lisboa-Porto-Vigo”, disse o ministro ao jornal galego, salientando, de passagem, que em torno desta matéria “há um consenso de grande parte da sociedade portuguesa e dos principais partidos, o que está no governo, o PS, e o principal partido da oposição, o PSD, de Rui Rio”.

Pedro Nuno Santos. “Temos compromisso da atual direção do PSD de avançar com linhas Lisboa-Porto-Vigo”

Mas será mesmo assim? Há um compromisso da atual direção do PSD de – caso venha a ser governo – avançar com a alta velocidade Lisboa-Porto-Vigo inscrita no novo Plano Nacional de Investimentos? A entrevista de Pedro Nuno Santos foi noticiada pelo Observador e, logo na mesma tarde, após a publicação da peça, o gabinete do ministro procurou esclarecer as suas palavras.

Fonte oficial do ministério das Infraestruturas e Habitação disse ao Observador que a frase de Pedro Nuno Santos ao jornal galego não significava que o governo tivesse recebido uma garantia direta da direção do PSD neste sentido. Apenas se baseava na posição tornada pública pelo PSD sobre a alta velocidade que consta do programa de recuperação económica para a década (o nome oficial é Programa Estratégico e dos Fundos Europeus PSD-Portugal 2020-2030), apresentada no Porto no dia 5 de outubro.

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Só que o documento dos sociais-democratas nunca fala da ligação (em alta velocidade ou outra) entre o Porto e Vigo. E sobre a ligação entre Lisboa e Porto refere apenas esta frase:

Linha Ferroviária Lisboa Porto: reduzir percurso para 2 horas (inclui 4 Troços: Troço Cacia-Gaia; Troço Soure – Coimbra -Mealhada; Troço Vale de Santarém – Entroncamento; Troço Alverca-Azambuja)”.

Mais uma vez: as palavras “alta velocidade” não constam da visão que o PSD propõe para a próxima década.

Confrontada esta segunda-feira com esta ausência de referências à ligação Porto-Vigo no plano do PSD para a década, a mesma fonte oficial do ministério das Infraestruturas acrescentou mais um documento à justificação. Afinal, Pedro Nuno Santos estava a referir-se também ao compromisso assumido pelos sociais-democratas em agosto de 2019, quando votaram favoravelmente a antiga versão do Programa Nacional de Investimentos 2030. Mas, mais uma vez, esse documento não diz aquilo que Pedro Nuno Santos agora refere.

A antiga versão do PNI refere-se a uma “melhoria da ligação ferroviária entre Porto e Vigo (de forma a que o destino permita uma ligação à conectividade de Alta Velocidade)“. Ou seja, a referência à alta velocidade é a partir do ponto de destino, Vigo, não na ligação entre a cidade portuguesa e a principal cidade galega.

Há mais um dado a referir. Apesar de este tema da alta velocidade não constar das atuais posições oficiais do PSD (para a década ou do próprio programa eleitoral dos sociais-democratas em 2019), o presidente do PSD, Rui Rio, defendeu esta ligação quando era presidente da Câmara do Porto. E nem foi uma só vez.

Mas recordemos esta, de 2006. Rui Rio defendeu – na qualidade também de presidente da Junta Metropolitana do Porto – que a construção do TGV (na verdade é uma marca comercial, mas na prática é um comboio de alta velocidade) entre Porto e Vigo, seria a única forma de rentabilizar o aeroporto Francisco Sá Carneiro. Esta infraestrutura, disse Rio, “precisa agora de ser dinamizada, através da atração dos passageiros da Galiza, o que não será possível sem a ligação TGV Porto/Vigo”. “É fundamental garantir a ligação por TGV para a Galiza, para que não haja este hiato ferroviário entre o Porto e Vigo”, sublinhou. Portanto, Rui Rio até tem um histórico de defesa desta linha, mas a posição oficial do PSD sobre esta matéria não é exatamente o que Pedro Nuno Santos disse ao La Voz de Galicia.

Conclusão

O “compromisso da atual direção do PSD” quanto à alta velocidade – referida por Pedro Nuno Santos ao jornal galego – não existe nem de viva voz, como admitiu o ministério, nem consta dos documentos invocados pelo gabinete de Pedro Nuno Santos para justificar o eventual “passo em falso” na entrevista. Existe uma posição antiga de Rui Rio sobre a ligação Porto-Vigo em TGV que pode ter levado o ministro a assumir que o presidente do PSD não pararia o projeto das duas linhas caso os sociais-democratas viessem a substituir o PS no Governo. Por isso, a declaração de Pedro Nuno Santos recebe a classificação de “enganador”.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR

NOTA: este artigo foi produzido no âmbito de uma parceria de fact-checking entre o Observador e a TVI.

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