Uma publicação efetuada no Facebook afirma que a Organização Mundial de Saúde (OMS) distribuiu 50 milhões de vacinas contra a varíola misturadas com sida em africanos — sugerindo que isso explicava o impacto da pandemia em África. A informação é remetida para um artigo de 11 de maio de 1987 que surge na primeira página do The Times com o título: “A vacina contra a varíola ‘ativou o vírus da sida’.

A notícia em causa, que pode ser lida na íntegra numa compilação da HIV Ireland — uma organização de apoio a pessoas com sida na Irlanda — é verdadeira e refere-se a um estudo cujo autor afirmava que haveria “evidências científicas a sugerir que a imunização com a vacina contra a varíola Vaccinia causou a infeção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV)”.

A publicação em análise reporta para uma página do The Times.

Mas dois dias depois de esse artigo ter sido publicado, o The Times fez notícia também com a reação do então diretor do programa da sida na OMS. Jonathan Mann considerou que o estudo “junta-se a muitas outras ideias não comprovadas e especulativas sobre a origem da sida“, citou a AFP. E assegurou que “nem o vírus da varíola e nem o vírus (atenuado e contido) no imunizante contra a varíola foram associados ao surgimento de outra doença”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Em declarações à AFP, Michaela Muller-Trutwin, chefe da Unidade de VIH, Inflamação e Persistência do Instituto Pasteur, confirmou que a vacinação pode em alguns casos despertar um vírus que esteja latente no organismo. Mas isso poderia acontecer com qualquer vacina ou com qualquer vírus: “Se a vacina pode despertar um vírus latente, qualquer outra infeção o faz.

Mesmo que isso tenha acontecido pontualmente, não significa que a pandemia de sida tenha sido causada pela vacina que veio a erradicar a varíola — até porque, segundo o investigador em virologia e imunologia norte-americano Robert Gallo, o vírus que estivesse a incubar seria ativado “mais tarde ou mais cedo”. À AFP, explicou que “quando [a varíola] desapareceu, havia um buraco e de repente apareceu outro vírus”. Michaela Muller-Trutwin diz mesmo que “milhões de pessoas foram vacinadas em todo o mundo” contra a varíola e “mesmo assim não havia uma grande epidemia de sida em todos os países”.

Robert Gallo foi citado no artigo que é mencionado na publicação em causa. No texto, é citado a dizer que a teoria de que a vacina contra a varíola poderá ter causado a pandemia de sida é “interessante e importante”: “Não posso dizer que realmente aconteceu, mas venho a dizer há alguns anos que usar uma vacina viva como a usada para varíola pode ativar uma infeção latente como o VIH”.

Agora, em entrevista à AFP, garante que as afirmações foram descontextualizadas. A seu ver, “não há evidências de que qualquer vacina tenha estimulado o VIH“. Mas em 1987, “as hipóteses não eram tanto sobre o papel da vacinação, mas sobre a varíola como parte de um conjunto de doenças predominantes”: “Temos que entender que existem vários vírus ao mesmo tempo. Se mudar alguma coisa nesse equilíbrio, causará mudanças”.

Conclusão

Não é verdade que a OMS tenha admitido nos anos 80 que administrou vacinas contra a varíola misturadas com a sida a residentes em África, um dos continentes mais afetados pela pandemia de sida. Logo à época, as próprias autoridades de saúde descredibilizaram o estudo, apontando vários problemas de fundamentação científica e reiterando que nunca tinha sido encontrada uma ligação entre a varíola e a sida. O mesmo continua a ser verdade agora.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

IFCN Badge