Uma publicação, que circula na rede social Facebook, mostra uma médica brasileira a defender que a inclusão de crianças no plano de vacinação contra a Covid-19 é um “assassinato em massa”, sendo que, argumenta, muitas pessoas estão a morrer de “enfartes do miocárdio, AVC, derrames cerebrais, doenças autoimunes e cancro, numa epidemia nunca vista”.

A médica otorrinolaringologista Maria Emília Gadelha Serra surge num vídeo a mostrar um documento em que, diz, a Sociedade Brasileira de Pediatria reforça a necessidade de inclusão de crianças no programa nacional de imunização contra a Covid-19. “A menos que esteja preparado para ir ao velório do seu filho, procure informar-se e jogue isto [o documento emitido pela Sociedade Brasileira de Pediatria] no lixo”, diz a médica, defendendo que os autores da recomendação “merecem ser criminalizados pelo o que estão a fazer”. Mas serão verdadeiras as alegações feitas por esta médica?

Comecemos por explicar o que está em causa. A 25 de julho de 2022, a Sociedade Brasileira de Pediatria publicou, de facto, um documento, que alertava para o aumento de casos do coronavírus com a disseminação da variante Ómicron e das suas sublinhagens no Brasil. No mês anterior, em junho, a faixa etária entre os 12 e os 17 anos foi incluída no alargamento da vacinação de reforço contra a Covid-19.

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No entanto, o alerta feito por Maria Emília Gadelha Serra não é apoiado em factos uma vez que não há quaisquer evidências de que as vacinas contra a Covid-19 provoquem eventos cardíacos ou cerebrovasculares graves, como enfartes do miocárdio ou AVC, ou cancros.

Há cerca de um ano, em agosto de 2022, a Anvisa (a Agência Nacional de Vigilância Sanitária) garantia, em resposta ao portal Comprova (que se dedica à verificação de factos) que “os dados de monitoramento das vacinas apontam que a relação de benefício e risco das vacinas é positiva”, sendo que não se registavam reações graves às vacinas, óbitos, ou relação dos imunizantes com as doenças citadas pela médica.

Já este ano, em abril, e perante a disseminação de notícias falsas sobre as vacinas, o próprio Ministério da Saúde do Brasil esclareceu que os casos de enfarte do miocárdio ou miocardite “têm mais relação com a própria Covid-19, que agrava a situação de quem já tem o problema, do que com a vacina, que ajuda a combater a infeção”. A circulação de notícias falsas prejudicam a ampliação de coberturas vacinais e põem em risco a vida dos que ainda não completaram o esquema vacinal, sublinhava o organismo.

Quanto ao AVC, novos dados apresentados numa reunião de especialistas da FDA (autoridade reguladora do medicamento dos Estados Unidos) não detetaram uma ligação entre as vacinas e os AVC isquémicos em pessoas com mais de 65 anos. Para os especialistas, é improvável que a vacina represente um verdadeiro risco clínico para o AVC.

Relativamente ao cancro, também não há qualquer evidência que relacione as doenças oncológicas com as vacinas contra a Covid-19. A teoria é tão rebuscada, que não existem sequer estudos publicados que avaliem uma possível relação entre as duas variáveis. Já o facto de o número de casos de cancro diagnosticados no Brasil ter aumentado, naquilo a que a médica chama “uma epidemia nunca vista”, tem uma explicação, que não é, aliás, verificada apenas ao Brasil. As dificuldades de acesso aos serviços de saúde durante os anos de 2020 e 2021, sobretudo, aliado a um receio acrescido de contágio, levaram as pessoas a afastarem-se dos hospitais e dos centros de saúde, atrasando os diagnósticos de cancros. Em 2022, com a normalização da atividade de saúde, os casos de doença oncológica que ficaram por detetar durante a pandemia somaram-se aos casos normais, fazendo disparar os novos diagnósticos. Uma consequência da pandemia e não das vacinas.

Maria Emília Gadelha Serra é conhecida pelas suas posições polémicas no que diz respeito à vacina. No final de 2021, classificou as vacinas contra a Covid-19 como “produtos experimentais”, o que lhe valeu uma resposta oficial da Anvisa. Durante a pandemia, defendeu o uso de fármacos sem eficácia contra a Vovid-19, como a ivermectina e a cloroquina.

Ideologicamente próxima do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, a médica candidatou-se a deputada federal pelo PRTB (Partido Renovador Trabalhista Brasileiro, ligado à extrema-direita) em São Paulo. Para a campanha levou propostas como a proibição do passaporte vacinal e a regulação das agências de verificação de factos, que ao longo da pandemia desmentiram diversas das suas afirmações contra as vacinas.

Conclusão

Não existem evidências que comprovem uma ligação entre a vacinação contra a Covid-19 com eventos cardíacos ou cerebrovasculares graves, como enfartes do miocárdio ou AVC, ou cancros.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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