Uma publicação partilhada no Facebook sugere que a Pfizer adicionou um novo ingrediente à vacina contra a Covid-19 para travar ataques cardíacos em crianças. A informação é falsa e já foi desmentida por vários especialistas. O produto em causa foi adicionado à composição da vacina, sim, mas não com esse objetivo.

Esta tese tem sido divulgada por vários utilizadores das redes sociais ao longo das últimas semanas. Em causa está a trometamina. Trata-se de um agente que pode ser utilizado para tratar a acidose metabólica; ou seja, a condição segundo a qual o corpo produz demasiado ácido ou quando os rins não estão a remover ácido suficiente do corpo.

Como já foi referido, é verdade que a trometamina foi adicionada à vacina da Pfizer. A Food and Drug Administration (FDA) autorizou a administração da vacina da Pfizer a crianças entre os cinco e os 11 anos no final de outubro. Na declaração de autorização, divulgada a 29 de outubro de 2021, o regulador norte-americano confirma que o suplemento foi entretanto adicionado à vacina da Pfizer e lembra que este é utilizado “numa variedade de outras vacinas aprovadas pela FDA, incluindo produtos usados em crianças”. “A FDA conclui que tal não representa perigo”, resume o regulador no comunicado.

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Mas esta alteração à composição da vacina nada tem a ver com a prevenção de ataques cardíacos em crianças (ou adultos). O uso da trometamina na vacina da Pfizer tem como objetivo prolongar o tempo de armazenamento do fármaco. A informação é explicada pela própria Pfizer: “Tal permite ao mRNA evitar a degradação por um período de tempo maior antes da administração”, explica a porta-voz da farmacêutica, Jerica Pitts, citada pela Associated Press. Ou seja, a vacina pode assim ser armazenada num frigorífico comum. Também a Food and Drug Administration corrobora esta informação, na declaração de autorização.

A vacina contra a Covid-19 da Moderna contém igualmente trometamina, confirma a FDA. A Moderna explica que a trometamina faz parte da lista de ingredientes “que trabalham em conjunto para ajudar as moléculas da vacina a manterem-se estáveis enquanto o fármaco é produzido, refrigerado, transportado e armazenado até estar pronto para ser administrado a um utente”. O mesmo acontece noutras vacinas, como a da varicela ou ébola, e noutros medicamentos.

Acresce que a trometamina foi adicionada às vacinas da Pfizer administradas tanto a adultos, como a crianças. “Esta nova fórmula também está autorizada para utentes com 12 ou mais anos”, adianta a porta-voz da FDA, Abigail Capobiano, à Associated Press.

Analisemos agora mais de perto a publicação em causa. É datada do dia 14 de novembro e cita uma notícia do órgão de comunicação social Press California e a publicação de um outro utilizar do Facebook, de 13 de novembro. Na publicação, lê-se: “Alguém no seu juízo perfeito pode achar isto normal? A farmacêutica a utilizar ingredientes adicionais nas picas para supostamente estabilizar o risco de ataques cardíacos súbitos em crianças? Ou seja, estão a assumir com todas as letras que a pica é perigosa e mesmo assim querem impô-la à força? ACORDEM DE VEZ SEUS INÚTEIS!”. O título da notícia, em inglês, aponta no mesmo sentido: “Pfizer adiciona ingrediente utilizado para estabilizar vítimas de ataques cardíacos em vacina para crianças”. A notícia é acompanhada de uma imagem de uma criança a chorar enquanto recebe uma vacina. O autor em questão limita-se a partilhar o conteúdo, sem qualquer comentário.

No printscreen da notícia, pode ainda ler-se que a informação foi “enterrada na página 14 da papelada da Pfizer”. Nada aponta para que a integração da trometamina tenha sido ocultada pela farmacêutica. Acresce que o termo “papelada” referido pela notícia é vago e não permite uma análise concreta. Contudo, a mais recente informação sobre a vacina da Pfizer/BioNtech divulgada pela farmacêutica (datada de 19 de novembro de 2021) refere a presença da trometamina, na página 4. Está, de resto, igualmente clara e visível na lista de ingredientes da vacina da farmacêutica norte-americana, divulgada pela Food and Drug Administration e pelo Centro de Controlo e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos. No entanto, em nenhum sítio é referido que o suplemento tenha como objetivo travar ataques cardíacos em crianças ou adultos.

Como já foi referido, a publicação alvo de análise neste fact check não é caso único. A informação tem sido partilhada por vários utilizadores das redes sociais em todo o mundo. Como tal, já foi alvo de outras verificações de factos noutros órgãos de comunicação social.

O cardiologista Isuru Ranasinghe, do Prince Charles Hospital, em Brisbane, explica em declarações à AAP FactCheck que nada indica que a presença da trometamina reduza o risco de ataque cardíaco — seja em crianças ou adultos. “Não conheço ninguém que alguma vez tenha utilizado o produto com esse propósito”, resume. Joseph Glajch, especialista na indústria farmacêutica, adianta à Associated Press que “nenhum dos 3.000 pacientes” que participaram nos ensaios clínicos com esta composição da vacina apresentaram “efeitos secundários graves”, confirmando por isso a segurança da medida.

Mas por que razão este ingrediente não fez parte da composição da vacina da Pfzier contra a Covid-19 desde o início, e só foi adicionado agora? Em declarações à AFP, um outro porta-voz da Pfizer, Kit Longley, é claro: “No início da pandemia, o nosso único objetivo era ter uma vacina segura e eficaz o mais depressa possível. Ao longo do último ano, conforme as vacinas foram ficando cada vez mais disponíveis, melhorar a estabilidade das vacinas tornou-se uma das principais prioridades dos produtores”.

Os Estados Unidos já avançaram, de facto, para a vacinação de crianças. Esta semana, a Casa Branca anunciou que quase três milhões de crianças entre os cinco e os 11 anos já tomaram a primeira dose. No caso europeu, a Agência Europeia do Medicamento (EMA) começou a avaliar a administração da vacina da Pfizer/BioNTech em crianças dos cinco aos 11 anos a 18 de outubro e poderá anunciar as conclusões esta quarta-feira, noticiou esta semana a Agência Reuters.

Conclusão

Falso. A trometamina, composto utilizado para tratar a acidose metabólica, não foi adicionada à vacina da Pfizer/BioNtech com o objetivo de travar ataques cardíacos em crianças. O suplemento foi acrescentado à composição da vacina, sim, mas para facilitar e prolongar o período de armazenamento, visto que estabiliza as moléculas do fármaco. A trometamina é um produto comum e pode ser encontrada noutras vacinas contra a Covid-19, como a da Moderna, e em vacinas contra outras doenças, como a varicela ou ébola.

A informação é confirmada pela Pfizer e pela Food and Drug Administration, que tornaram pública a inclusão da trometamina na vacina e concluem que o suplemento não representa perigo para a saúde humana.

Segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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