Não, a Polícia de Segurança Pública (PSP) não está a enviar intimações por email a pessoas suspeitas de consumirem pornografia infantil para pagarem uma “multa criminal”, nem para responderem ao remetente “a fim de evitar que este assunto se espalhe e tome outro rumo desagradável”. E foram as próprias autoridades de segurança que o esclareceram numa publicação realizada a 30 de março.

As imagens dos emails falsos estão a circular no Facebook. Numa delas, a mensagem diz que o destinatário é “objeto de uma reclamação” por “pornografia infantil, exibicionismo, pornografia cibernética” — e possivelmente outros crimes, a julgar pelas reticências que surgem depois.

O documento revela depois que o endereço IP do computador é “observado e retido por nossos serviços de acordo com a lei europeia de proteção de dados pessoais”. E aponta o “artigo 246765” (que não existe na legislação da União Europeia, como prova uma simples pesquisa na plataforma EUR-Lex) como o responsável pela suposta monitorização.

Depois, ameaça: “Para evitar quaisquer buscas em sua casa e local de conexão à internet, você tem a opção de pagar a multa criminal“. O remetente procura ainda justificar o envio desta documentação em formato digital:

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Por questões de confidencialidade, estamos lhe enviando esta reclamação por email, portanto você está convidado a responder ao endereço abaixo para um procedimento legal sem consequências”.

O tempo de resposta prestado ao destinatário é “imediato” e o caso é classificado como “privado e urgente”.

Ora, a 30 de março, a PSP publicou uma captura de ecrã deste mesmo email no Facebook e avisou que ele era falso. “Informamos que a mensagem em causa é falsa e completamente alheia à PSP, devendo por isso ser eliminada de imediato”, alertou a polícia:

Se receber um email desta natureza, tenha especial atenção à proveniência. Aconselhamos ainda a não abrir ou descarregar qualquer link e/ou ficheiro anexo que acompanhe a mensagem, sob pena de poder danificar o seu sistema operativo e divulgar os seus dados pessoais”.

O endereço para onde os autores do email falso (que se apresentam como “justice Interpol) tentam encaminhar o recetor é o mesmo que surge numa outra mensagem, também ela falsa, que pede uma resposta imediata sob pena de o caso ser enviado ao Ministério Público e se tornar público.

O documento, atribuído à Interpol, mas enviado por uma conta que se apresenta com o nome da polícia espanhola (“Policía Nacional”) acusa o recetor de estar envolvido em “pornografia infantil, pedofilia, exibição e pornografia cibernética”.

Você cometeu a infração depois de ser alvo na internet (site de publicidade), ver vídeos de pornografia infantil, fotos/vídeos nus de menores foram registados pelo nosso cyber-gendername e constituem provas das suas ofensas”, diz o email.

Mais uma vez, este documento repete que a informação está a ser enviada por email “por questões de confidencialidade” e pede uma resposta num prazo de 72 horas.

O email parece estar assinado por Ahmed Nasser Al-Raisi, presidente da Interpol, e sugere que o general enviou a convocatória a pedido de Luís Manuel Peça Farinha, aqui apresentado como “diretor-geral da Polícia Nacional, da Polícia de Segurança Pública”. Ameaça-se também que, no caso de o recetor da mensagem não seguir as instruções, as informações serão encaminhadas para Francisca Eugénia da Silva Dias Van Dunem, apontada aqui como líder do Ministério Público.

Estes dados são bandeiras vermelhas que denunciam que o email em causa é falso. Luís Farinha nunca foi o líder da Polícia Nacional e já não ocupa o cargo na PSP: foi, de facto, diretor nacional da PSP entre 2013 e 2020, mas passou o testemunho ao seu número dois, Manuel Magina da Silva, há dois anos. E Francisca Van Dunem nunca comandou o Ministério Público: depois de uma carreira como procuradora, foi a ministra da Justiça entre 2015 e 2022, tendo assumido a liderança do Ministério da Administração Interna entre dezembro de 2021 e março de 2022, após a demissão de Eduardo Cabrita.

As leis mencionadas no email também estão erradas. O documento diz que “a citação por agente da polícia judiciária está prevista no artigo 390-1 do Código de Processo Penal” e que isso “vale a citação perante o tribunal e é decidido pelo Ministério Público”.

No mesmo email, acrescenta-se que essa mesma lei, supostamente de março de 2007, “aumenta as penas quando as propostas, agressões sexuais ou estupros podem ter sido cometidos através da internet”. Mas isso não é verdade. O que o ponto 1 do artigo 390º do Código de Processo Penal, sobre “reenvio para outra forma de processo”, realmente diz é que “o tribunal só remete os autos ao Ministério Público para tramitação sob outra forma processual” em três situações:

  • Se “se verificar a inadmissibilidade legal do processo sumário”;
  • Caso “não tenham podido, por razões devidamente justificadas, realizar-se, no prazo máximo previsto no artigo 387.º, as diligências de prova necessárias à descoberta da verdade”;
  • Se “o procedimento se revelar de excecional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime”.

O email também aponta os artigos 372º do Código Penal numa referência aos supostos crimes cometidos, e num texto que não existe na lei portuguesa, quando na verdade esse artigo é sobre “recebimento ou oferta indevidos de vantagem”. Em Portugal, é o artigo 176º do Código Penal que legisla sobre o crime de “pornografia de menores”.

É também esta a lei que prevê uma pena de um a cinco anos de prisão (mas não uma multa de 80 mil euros) para quem comete o crime de pornografia de menores — não o artigo 227º ou o 23º do Código Penal, como sugere o email. Aliás, o texto atribuído a esses artigos também não está associado a qualquer lei portuguesa.

Conclusão

Nem a PSP nem a Interpol estão a enviar intimações por email para suspeitos de participar em crimes de pornografia de menores. Os emails são falsos, tal como a própria polícia alertou nas redes sociais, e devem ser eliminados se os receber. Há bandeiras vermelhas em ambos os documentos analisados pelo Observador, como as leis incorretamente citadas e os erros nas entidades mencionadas.

Assim, segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de factchecking com o Facebook.

IFCN Badge