O Bloco de Esquerda trouxe para o debate sobre o estado de emergência da última quarta-feira a questão da diminuição da testagem, por milhão de habitantes, recordando também promessas anteriores da ministra sobre testagem massiva em setores que nunca pararam, como o da construção civil. Disse o deputado Moisés Ferreira que “Portugal posiciona-se, neste momento, como um dos países da União Europeia que menos testa na população“. Na resposta, a ministra da Saúde levantou uma folha com um gráfico e pediu seriedade aos deputados. “Como podem os outros confiar em nós quando dizemos mentiras?“, questionou a ministra na resposta aos bloquistas. A resposta é complexa.

Ministra da Saúde durante debate sobre estado de emergência, com gráfico sobre testagem

Mas afinal, quem tem razão? Portugal é ou não dos países que neste momento menos testa a sua população? Para a acusação, o Bloco de Esquerda baseou-se numa notícia do jornal Público que citava dados do último relatório semanal do ECDC. O deputado bloquista Moisés Ferreira disse no hemiciclo que “Portugal posiciona-se neste momento como um dos países da união europeia que menos testa na população”. Ainda a ministra terminava a resposta e já o deputado bloquista Moisés Ferreira publicava no Twitter a fonte da informação que tinha acabado de afirmar no hemiciclo, mas ocultando um detalhe importante: a data.

É que a notícia do Público é de 8 de abril, tinha uma semana quando foi citada no debate na Assembleia da República. De facto, Moisés Ferreira citava o último relatório do ECDC quando Portugal se posicionava em 22.º (de 29) países na Europa em relação à taxa de testagem da população, mas esses dados espelhavam os testes realizados entre 29 de março de 4 de abril bem longe do “este momento” que o deputado afirmou.

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Na resposta, a ministra apresentou um gráfico com os dados disponíveis no website worldometers (que abaixo reproduzimos). Os dados referem-se ao dia 13 de abril (tal como mostra a imagem, foram recolhidos às 00h00 horas de dia 14), o dia anterior ao debate no hemiciclo, mas reportam-se ao total de testes realizados em Portugal, desde o início da pandemia. Ou seja, desde o início da pandemia Portugal já realizou 9.563.681 testes, o que dava a 13 de abril uma média de 940.077 testes por cada milhão de habitantes.

O facto de o website worldometers não ser uma fonte oficial de dados também não abona a favor da ministra que, a um relatório semanal oficial do ECDC respondeu com uma fonte não oficial que acumula os dados desde o início da pandemia.

De facto, segundo os dados do worldometers a 13 de abril Portugal era o 11.º país na Europa, de uma lista de 29 países da Europa (e o 10º da União Europeia entre estes 29 países), com 940.077 testes por cada milhão de habitantes. O mesmo é dizer que, por cada mil habitantes Portugal tinha testado até dia 13 de abril 940 pessoas o que não compara com a média apresentada pelo Bloco de Esquerda e que reportava apenas aos testes realizados entre 29 de março de 4 abril.

Como já visto, os dados do ECDC têm reporte semanal — sendo publicados à quinta-feira. Na exposição, Moisés Ferreira podia ter deixado claro que se referia aos dados da última publicação oficial, não criando a falsa sensação que apresentava dados dos últimos dias já que os dados tinham um atraso de 10 dias. Aliás, no relatório publicado pelo ECDC já esta quinta-feira (que Moisés não conhecia nem podia conhecer porque ainda não tinha sido publicado), Portugal passa da 22.ª posição no ranking de taxa de testes (em relação à população nacional) para o 11.º lugar (em 29 países).

Conclusão

A apresentação dos dados feita pelo Bloco de Esquerda não foi suficientemente clara para que não criasse equívocos. Moisés Ferreira apresentou dados com mais de 10 dias como se fossem atuais, sem esclarecer que citava o mais recente relatório do ECDC sobre a testagem na Europa. Consciente de que os relatórios são publicados semanalmente à quinta-feira, Moisés Ferreira podia ter-se defendido deixando claro que citava informações que podiam já não estar atualizados. Ainda assim, a ministra da Saúde também não tem razão quando acusa o Bloco de Esquerda de ter mentido e ajuda a criar confusão sobre os números. O BE cita no hemiciclo o último relatório semanal disponível de uma fonte oficial (embora desatualizado) e a ministra responde com um gráfico com valores acumulados desde o início da pandemia. Considerando, ainda assim que os dados apresentados pela ministra estavam mais atualizados (já que incluiam o dia anterior), o facto de utilizar uma fonte não oficial e os valores acumulados para rebater os argumentos do BE torna a resposta da ministra também enganadoar. De facto, na semana a que o relatório se reporta Portugal era um dos países que menos testava (situação entretanto invertida), mas essa não era a situação que se vivia “no momento” — como afirmou Moisés Ferreira — e o relatório divulgado esta quinta-feira vem confirmar.

Assim, segundo a classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR

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