É apontada nas redes sociais uma preocupação com o preço dos bens. Numa das publicações em causa, um utilizador aponta que desceu a inflação, mas “o pior é que o [preço do] azeite e os tomates sobem”. E ainda comenta, dizendo que está em causa uma “interessante falácia”. Neste texto, um utilizador conclui que o pior é que a inflação não desce. Mas será verdade?

Noutra publicação, um utilizador escreve que a pescada está a 12€, o que, alega, também contraria a ideia de que a inflação desceu: “Ainda dizem eles que a inflação baixou. Não é bacalhau, mas já custa quase tanto.” Vamos ainda a outro exemplo. Há também quem aponte que comprou um melão verde por um custo entre os 8 e os 10€, tendo o preço ao quilo sido 1,99€. E, na mesma linha, aponta: “Ainda dizem que a inflação está a baixar.” Nos comentários, é dito que se trata de informação falsa — e é de facto, mas não o preço pago pela fruta.

Podemos desde já dizer que os valores indicados estão corretos e não é essa informação que está incorreta. Numa pesquisa, e olhando para preços do final de dezembro de 2023, o preço da pescada fresca rondava os 10 a 12€, sendo que o mesmo cenário se aplica, de forma geral, às embalagens de pescada congelada. Quanto ao melão verde, referido numa das publicações, o preço ao quilo numa superfície comercial também fica abaixo dos 2€/kg.

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Natália Nunes, Coordenadora do Gabinete de Proteção Financeira da DECO (Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor), dá uma explicação simples. “Apesar de a inflação estar a diminuir, isso não significa que os preços estejam a baixar. O que está a acontecer é que os preços não estão a aumentar tanto como em meses anteriores. Ou seja: a inflação está a baixar, mas os preços não. As pessoas precisam de entender que tudo mudou e não é por a inflação estar a diminuir que vamos passar a ter bens com os preços mais baratos.”

Numa explicação teórica simples, Natália Nunes aponta que a “inflação é calculada através da taxa de variação de preços. Se essa taxa for zero, significa que os preços não mudam”. E dá um exemplo que podemos aplicar: “Se as compras no carrinho do supermercado custam hoje mais 20 euros do que custavam o ano passado e se de repente a taxa de inflação caísse para 0%, essas compras continuavam a ser vendidas pelo mesmo valor.”

O economista João Calado explica que “não há fundamento para colocar em causa a evolução da taxa de inflação com base no preço de alguns produtos num espaço comercial.” Para perceber isto, temos de recordar que taxa é esta. “A taxa de inflação é determinada com base num cabaz de bens e serviços que sejam representativos do consumo das famílias.” Para uma explicação mais aprofundada, o coordenador do Gabinete de Orientação dos Consumidores do ISEG aponta o Índice de Preços no Consumidor (IPC), que se trata de um indicador que “permite medir a evolução, no tempo, dos preços de um conjunto de bens e serviços que são considerados representativos de uma estrutura de consumo, num determinado espaço geográfico.”

E como se chega ao IPC? É calculado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) “com base numa amostra de produtos e serviços adquiridos pelos agregados familiares residentes em Portugal”. João Calado aponta que “a amostra é constituída por cerca de 620 mil preços de cerca de 1.300 produtos e serviços, recolhidos mensalmente por cerca de 140 entrevistadores em cerca de 24 mil estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços. O IPC é calculado com base na média aritmética simples dos preços dos produtos e serviços da amostra, ponderada pelos respetivos pesos relativos no orçamento familiar médio dos agregados familiares residentes em Portugal”.

Além de “outras informações relevantes sobre a inflação em Portugal”, o INE publica todos os meses o IPC. Em novembro, a taxa de variação homóloga do IPC diminuiu para 1,5%, como é possível verificar na última atualização do INE. Além deste valor, é possível ver números mais detalhados divulgados pelo INE.

Natália Nunes explica que “os preços dos bens e serviços estão sujeitos a variações. Alguns preços sobem, outros descem. A inflação ocorre quando se verifica um aumento geral dos preços dos bens e serviços, não apenas de alguns artigos específicos.” 

Apesar de os dados do INE mostrarem que a inflação tem baixado, isso não quer dizer que os preços têm de baixar. “O que está a acontecer”, explica a coordenadora da DECO, “é que os preços não estão a aumentar tanto como em meses anteriores. Ou seja, a inflação está a baixar, mas os preços não.” 

O economista João Calado corrobora: “A taxa de inflação considera um cabaz de bens e serviços e não apenas alguns produtos avulsos”. E, prossegue João Calado, “com uma taxa de inflação positiva mas mais baixa, os preços continuam a subir, mas a um ritmo mais lento. Pode acontecer que alguns preços baixem, mas outros vão continuar a subir, mas a um ritmo menos acelerado. Havendo inflação, quer dizer que o preço médio ponderado do conjunto de bens e serviços considerados representativos do consumo em Portugal aumentou.”

“A inflação consiste na subida generalizada e sustentada dos preços dos bens e serviços consumidos pelas famílias”, explica o economista. “A inflação leva a perda de poder de compra. Isto é, precisamos de mais dinheiro do que antes para comprar os mesmos produtos e serviços. Se o crescimento dos rendimentos não acompanhar o crescimento dos preços, então as famílias podem ter de reduzir o consumo”. João Calado aponta que uma inflação significativa tem também impacto na economia, “porque reduz a previsibilidade necessária às diversas transações e ao estabelecimento de relações contratuais”. Além disso, implica acréscimos de custos, nomeadamente com as frequentes atualizações dos preços. Pode, portanto, afetar significativamente o nível da atividade económica”, conclui.

Então, o que é preciso para os preços baixarem? “No dia a dia, vemos frequentemente situações em que os preços baixam e são muitos os fatores que contribuem para isso (campanhas promocionais, campanhas de época, variações sazonais da procura, alteração da estrutura de custos no lado da oferta, entre outros). O fundamental é que, numa economia como a nossa, o preço resulta do jogo da oferta e procura desses bens e serviços. Por isso, os preços baixam quando o resultado da oferta e procura conduz a um preço de equilíbrio mais reduzido”, explica João Calado, que sublinha que uma descida generalizada dos preços (deflação) não é, necessariamente, um bom sinal. “Pode resultar de um abrandamento da atividade económica. Isto porque num cenário de deflação as empresas tendem a adiar as suas decisões de investimento e as famílias a adiar as suas decisões de consumo (consumindo menos).”

Nesta mesma questão, Natália Nunes, Coordenadora do Gabinete de Proteção Financeira da DECO, explica que a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) mantém as previsões de redução da inflação em Portugal para 3,3% em 2024, apontando uma queda para 2,4% em 2025. O que significa isto? “Quer dizer que não se prevê uma redução dos preços nos próximos tempos. Para percebermos melhor o porquê, Natália Nunes aponta que “a OCDE referiu, no final de novembro, que à medida que os preços da energia e dos alimentos abrandam, assim como a procura de mão-de-obra, a inflação descerá de 5,5% este ano para 3,3% em 2024 e 2,4% em 2025, perto da meta de 2% que o Banco Central Europeu (BCE) quer atingir.”

Concluindo, enquanto a inflação for positiva, que efeitos podem ver nos preços? O economista João Calado explica que “se a inflação se mantiver positiva (embora a valores muito baixos e próximos dos 2%, meta estabelecida pelo BCE) iremos observar uma subida muito suave e gradual dos preços na generalidade dos produtos. Muitos espaços comerciais podem, porventura, manter os preços da generalidade dos bens inalterados por longos períodos. Voltamos, portanto, a um cenário idêntico ao que vigorava antes deste surto inflacionista”.

Natália Nunes explica que os preços tendem a subir. E, com o fim da medida governamental que isentava de IVA vários produtos considerados essenciais, muitos deles vão ficar mais caros: “No início de 2024, 46 produtos que fazem parte do cabaz alimentar que hoje estão com o IVA 0% vão começar a pagar o imposto. Este é um aspeto que nos merece especial preocupação porque sabemos que são as famílias com rendimentos mais baixos que são as mais penalizadas”. E conclui: “No que concerne aos preços, sabemos que além do aumento decorrente do fim do IVA 0% vamos ter outros aumentos. Por exemplo, já foi referido que o preço do pão vai voltar a subir no próximo ano face aos aumentos dos custos de produção. Também em matéria de telecomunicações, haverá atualizações de preços. A eletricidade ficará, também, mais cara.”

Conclusão

É errado apontar que, apesar de a inflação descer, os produtos (como a pescada e o melão) estejam mais caros. A inflação consiste na subida generalizada e sustentada dos preços dos bens e serviços. A taxa de inflação considera um cabaz de bens e serviços e não determinados produtos. Com uma taxa de inflação positiva mas mais baixa, os preços continuam a subir, ainda que de forma mais lenta.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR

No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:

PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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