Uma publicação no grupo de Facebook “Movimento Nacional de Reformados Portugueses” alega que o Estado português, através de decisões tomadas pelo Governo de António Costa, cobrou, em 2022, mais 6 mil milhões do que o previsto em impostos, ao mesmo tempo que impunha uma perda real nas pensões de 4%. Apesar de terem algum fundamento, estas afirmações não correspondem integralmente à verdade.
Dividindo em duas partes. É verdade que, em 2022, o Estado arrecadou mais 6 mil milhões de euros em receita fiscal do que previa? Não.
Quando entregou o Orçamento do Estado para 2022, o Governo tinha uma previsão de receita de 48.591 milhões de euros. Ora, de acordo com a “Síntese da Execução Orçamental de março de 2023” (mês em que foi feita esta alegação), sabe-se que a receita fiscal em 2022 ascendeu a um total de cerca de 52.024 milhões de euros — isto de acordo com a execução provisória.
Assim, e apesar de ter sido o valor nominal mais elevado de sempre, a diferença entre o previsto e o verdadeiramente executado foi de 3.433 milhões de euros, longe dos tais 6 mil milhões de euros. Por outras palavras: o Governo arrecadou mais do que esperava arrecadar, mas não na dimensão que o autor da frase sugere.
A questão dos pensionistas é mais complexa. Em setembro de 2022, para fazer face aos primeiros efeitos da crise inflacionista, o Governo socialista decidiu antecipar parte da atualização das pensões prevista para 2023. Dessa forma, em outubro desse ano, a quase generalidade dos pensionistas recebeu um complemento extraordinário correspondente a metade da sua pensão. Depois, em janeiro, aplicar-se-ia a outra parte do aumento que adviria do mecanismo automático de atualização.
No entanto, o tal complemento extraordinário foi sempre encarado pela oposição como um corte escondido com rabo de fora. Ou como um “truque”, como foi muitas vezes descrito pela generalidade da oposição.
Como o Governo tinha dividido o esforço do aumento das pensões em dois momentos, propôs-se então a atualizar as pensões em cerca de 4% em janeiro deste ano, quando a inflação de 2022 se tinha fixado em cerca de 8%, e sempre com o argumento de que já tinha transferido a outra metade em outubro. Na prática, o Governo não respeitou a fórmula automática prevista na lei, que dita que a atualização regular na base das pensões é feita tendo em conta a inflação.
E isso ia provocar um outro efeito: uma vez que o aumento da base das pensões no arranque de 2023 iria ser inferior ao que está previsto pela lei, em 2024, se nada fosse feito para corrigir esta distorção, então existiria o tal corte de 4% que foi denunciado pelo “Movimento Nacional de Reformados Portugueses” — efeito que se replicaria em anos futuros.
Em abril deste ano, no entanto, o Governo decidiu recuar e corrigir a sua decisão, anunciando um aumento intercalar para todas as pensões de reforma, invalidez, velhice ou sobrevivência no valor de cerca de 3,57%, o que, na prática, veio reverter o dito “corte” de 2022.
O resultado é igual ao que teria sido se a fórmula normal de atualização de pensões não tivesse sido suspensa como foi. Nesse sentido, se a acusação do “Movimento Nacional de Reformados Portugueses” poderia ser válida em março de 2023, assim que o Governo decidiu avançar com o aumento intercalar, o debate ficou sem efeito – aliás, toda a oposição reclamou vitória por ter visto o Executivo socialista a ceder.
Conclusão
As duas alegações — houve um aumento da receita fiscal superior ao previsto e, ao mesmo tempo, um corte no valor real das pensões — tinham, à data em que foram feitas, alguma adesão à realidade. Aliás, refletiam, em grande medida, parte de uma discussão que se ia travando na Assembleia da República. Ainda assim, nem a receita fiscal foi tão expressiva como a publicação sugere, nem o corte nas pensões chegou de facto a acontecer porque o Governo corrigiu a trajetória e evitou que tal acontecesse.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
ENGANADOR
No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:
PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta
NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.