Na última quinta-feira, o presidente da Câmara Municipal do Porto disse, na TVI, que a lei o obriga a recolher 7 mil assinaturas se quiser recandidatar-se como independente àquela autarquia — em teoria, seriam as mesmas assinaturas de que precisaria para formar um partido. “Se acham que isto não é uma forma desigual de tratar os grupos de cidadãos eleitores e os partidos, acho que este pequeno exemplo responde a tudo”, rematou Rui Moreira. Mas o “exemplo” não corresponde à verdade.

Na base das declarações de Rui Moreira está a possibilidade de PS e PSD se reunirem para alterar as regras da lei eleitoral. O autarca do Porto — que se tem manifestado contra as alterações à lei consensualizadas entre aqueles dois partidos, em julho do ano passado — considera que, como está em vigor neste momento, a lei prejudica os movimentos de cidadãos independentes. “Para nós constituirmos um partido, precisamos de 7 mil assinaturas. Eu, para me candidatar à Câmara do Porto, preciso de 7 mil assinaturas”, exemplificou na TVI.

[Pode ver aqui as declarações de Rui Moreira à TVI, a partir do minuto 12’30]

A declaração de Rui Moreira suscitou reações — muitas delas no sentido de denunciar o equívoco relativamente ao que a lei eleitoral estabelece para as candidaturas de cidadãos independentes. Vamos, então, olhar para a legislação em vigor para perceber se Rui Moreira tem ou não razão quando diz que um grupo de cidadãos precisa de “7 mil assinaturas” para se candidatar à Câmara Municipal do Porto.

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A lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais começa por referir, no art. 19º (referente às candidaturas de grupos de cidadãos), que “as listas de candidatos aos órgãos das autarquias locais”, como seria o caso de uma candidatura de Rui Moreira ao Porto, “são propostas por um número de cidadãos eleitores correspondente a 3% dos eleitores inscritos no respetivo recenseamento eleitoral”. Isso significaria que os movimentos independentes precisariam de 62 400 assinaturas para poder apresentar uma candidatura aos órgãos locais.

Mas, ressalva o número 2 do mesmo artigo, os universos que resultam da aplicação dessa fórmula são “corrigidos” de forma a que o número de proponentes não seja “inferior a 250 ou superior a 4000” nos municípios com mais de 1000 eleitores. No caso do Porto, onde estão registados cerca de 208 mil eleitores, são necessárias 4 mil assinaturas para formalizar uma candidatura àquela autarquia.

Esse universo pode, aliás, ser confirmado num simulador que a Comissão Nacional de Eleições disponibiliza através deste link. Selecionando a cidade do Porto, o número de proponentes exigido para a formalização de uma candidatura — seja à Câmara Municipal ou à Assembleia Municipal — são as 4 mil assinaturas, sensivelmente metade do número referido por Rui Moreira. Exatamente as mesmas que em Lisboa, como se constata nas duas imagens em baixo.

O caso do Porto:

O caso de Lisboa:

A contestação de Rui Moreira centra-se em vários aspetos da lei eleitoral autárquica, alguns dos quais foram alvo de alteração no verão passado. Mas o número de assinaturas não consta das alterações então feitas: ou seja, as regras, neste ponto, são exatamente as mesmas que estavam em vigor quando o autarca do Porto se candidatou em 2013 e quando voltou a candidatar-se, já em 2017. Portanto, em bom rigor, a declaração de Rui Moreira, tomada à letra, está errada: para uma candidatura isolada à Câmara Municipal do Porto são precisas as assinaturas de 4 mil “proponentes”, como diz a lei.

Mas a questão pode ser mais complexa, se analisada na prática. Aurélio Ferreira, presidente da Associação Nacional de Movimentos Autárquicos Independentes, levanta um ponto que poderia tornar a questão não tão linear: “Ninguém se candidata só à câmara municipal”, explica o também vereador na Câmara Municipal da Marinha Grande, “até porque as subvenções são pagas em função do número de votos obtidos na eleição para a assembleia municipal”. Porto, Oeiras, Aguiar da Beira, Vila do Conde, Estremoz, Portalegre — só para dar alguns casos de autarquias geridas por independentes — são disso exemplo. Porque são municípios em que, nas eleições de há quatro anos, uma candidatura à câmara municipal significou, também, a apresentação de listas à assembleia municipal.

Poderia, portanto, admitir-se o caso de o autarca do Porto estar a duplicar o universo de assinaturas: metade para a Câmara Municipal, outra metade para a Assembleia Municipal. No total: 8 mil assinaturas, se considerarmos que o movimento de cidadãos liderado por Rui Moreira está disponível para avançar com candidaturas àquelas dois órgãos (como tem sido regra).

Mas este argumento é, no mínimo, enganador, porque cria a ideia de que — como acontece para a formação de um partido —, é necessário que 7 mil pessoas se dignem a assinar a tal declaração de candidatura do movimento independente. E não é isso que se passa na prática. Se não, vejamos.

O ponto 4 da já citada lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias refere que “os grupos de cidadãos eleitores que apresentem diferentes proponentes consideram-se distintos para todos os efeitos da presente lei, mesmo que apresentem candidaturas a diferentes autarquias do mesmo concelho”. Mas, logo no ponto 5, pode ler-se que ficam fora da situação anterior “os grupos de cidadãos eleitores que apresentem candidatura simultaneamente aos órgãos câmara municipal e assembleia municipal, desde que integrem os mesmos proponentes”.

O termo “proponentes” que encontramos mencionado na legislação é fundamental para entender este equívoco. Os movimentos que se candidatem à câmara e à assembleia municipal podem, segundo a lei, apresentar-se com os mesmos proponentes (eleitores que subscrevam a candidatura). E bastam 4 mil, no caso do Porto. Uma pessoa assina dois documentos. Um eleitor representa duas assinaturas. No caso da constituição de um partido, um eleitor significa uma assinatura e, aí sim, são necessárias 7500 (e não 7 mil) pessoas dispostas a colaborar com essa obrigação burocrática.

Ao Observador, o porta-voz da Comissão Nacional de Eleições reforça esta ideia, ao esclarecer que, havendo uma “lista única” de um movimento que se apresenta a votos nos dois órgãos de poder local — câmara e assembleia municipal —, “bastará a apresentação de uma lista com os mesmos proponentes” para que a candidatura seja considerada válida. Ou seja, bastará que 4 mil pessoas (proponentes) assinem as declarações de candidaturas para que as listas sejam aceites pelo tribunal (partindo do princípio de que não há irregularidades nessas assinaturas, naturalmente). “O que fica fora da exceção são as assembleias de freguesia”, ressalva João Tiago Machado.

É verdade que o movimento de Rui Moreira se tem apresentado a eleições nas várias freguesias do município, mas essa realidade fica fora da declaração de Rui Moreira, que apenas se referiu a uma corrida “à câmara municipal”. Além disso, considerando as assembleias de freguesia do concelho do Porto, o universo de “assinaturas” seria sempre muito superior às 7 mil referidas pelo autarca. Note-se que, em 2017, o movimento “Porto: o nosso partido” apresentou cerca de 23 mil assinaturas para a corrida à câmara, à assembleia municipal e às várias juntas de freguesia do concelho a que o movimento de candidatou. No total, houve entre 7 a 8 mil proponentes — o que significa que, na maioria dos casos, a mesma pessoa assinou as três declarações (câmara, assembleia municipal e respetiva assembleia de freguesia).

Portanto, e em suma, a lei impõe que sejam recolhidas assinaturas de 4 mil proponentes para que uma lista de um movimento de cidadãos à câmara municipal e à assembleia municipal seja considerada válida.

Por fim, e quanto ao termo de comparação usado pelo autarca do Porto — o número de assinaturas necessário para a constituição de um partido —, a lei dos partidos políticos refere, no art. 15º, que “a inscrição de um partido político tem de ser requerida por, pelo menos, 7500 cidadãos eleitores”. Um valor próximo — ainda que não exatamente o mesmo — daquele que foi apresentado pelo autarca.

Conclusão

Rui Moreira disse que a apresentação de uma lista à câmara de Porto obriga à recolha de 7000 assinaturas, as mesmas que são exigidas para a formalização de um partido. Em termos literais, não é verdade: bastam 4 mil “proponentes”, limite máximo previsto na lei, para que uma candidatura seja validada. Para isso, é preciso que os eleitores subscrevam as duas declarações de candidatura — à câmara e à assembleia municipal.

No caso da formalização do partido, pelo contrário, um eleitor representa uma assinatura e, por isso, são necessárias 7500 pess0as (e não 7 mil) para fazer avançar o processo.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

PARCIALMENTE FALSO: as alegações dos conteúdos são uma mistura de factos precisos e imprecisos ou a principal alegação é enganadora ou está incompleta.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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