Tem sido uma das principais armas da campanha de António Costa. Evocando a memória do último executivo do PSD a governar Portugal, o secretário-geral do PS tem procurado colar Rui Rio ao Governo de Pedro Passos Coelho (2011-2015), marcado pela intervenção da troika em Portugal como resposta à intensa crise económica e financeira da época. As políticas de austeridade marcaram irremediavelmente o período da troika e desde 2015 que António Costa tem recorrido ao lema “virar a página da austeridade” como sumário do seu programa político. Seis anos volvidos, numas eleições antecipadas que ocorrem num cenário de degradação da solução governativa que permitiu a Costa ascender ao poder em 2015, o primeiro-ministro tem repetido um argumento central: eleger Rui Rio significa voltar a colocar o PSD no poder e, com isso, regressar às políticas de austeridade do tempo da troika.

António Costa voltou a este ataque no domingo à noite, num comício em Viana do Castelo, durante a passagem da campanha socialista pelo Alto Minho. No discurso, o primeiro-ministro não poupou nas palavras e acusou Rui Rio de querer não só voltar a implementar as políticas do tempo da troika como de querer ir mais longe nesse programa:

Não somos todos iguais. O Dr. Rui Rio, quando foi perguntado sobre o que pensava da governação da austeridade, o que ele disse é que teria feito igual e pior. E, honra lhe seja feita, tem sido coerente.”

Terá mesmo Rui Rio afirmado que faria “igual e pior” no que toca à austeridade do período 2011-2015, como acusou António Costa?

A acusação do líder socialista tem por base um episódio que foi notícia em outubro de 2017. Na altura, vivia-se um período de mudança na vida política portuguesa. António Costa era primeiro-ministro há quase dois anos com o Governo da “geringonça” e as legislativas de 2015 tinham marcado o início do fim de Passos Coelho. Nas eleições autárquicas de 1 de outubro de 2017, numa altura em que o PSD já tinha no horizonte as suas eleições diretas (agendadas para 18 de janeiro de 2018), os social-democratas tiveram um dos piores resultados da história do partido, o que deixou a liderança de Passos Coelho periclitante. Dois dias depois, o presidente do PSD anunciou que não se recandidataria à liderança do partido — abrindo caminho a umas diretas que viriam a ser disputadas entre Rui Rio e Pedro Santana Lopes.

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Foi neste contexto de antecipação de eleições diretas no PSD que ocorreu o episódio agora recordado por António Costa.

No dia 31 de outubro de 2017, tanto Rui Rio como Pedro Santana Lopes estiveram na reunião do grupo parlamentar do PSD, que decorreu em Braga, para falar à porta fechada com os deputados social-democratas sobre as suas ideias para o partido. Nesse encontro com os deputados, Rui Rio procurou afirmar que pretendia que uma governação do PSD fosse marcada por um grande rigor orçamental. Segundo noticiou na altura o Observador, a declaração foi motivada por uma pergunta do deputado Paulo Rios de Oliveira, que questionou Rui Rio sobre se a sua vitória nas diretas representaria uma mudança de rumo no PSD a que o grupo parlamentar teria de se adaptar. Rui Rio respondeu que não pretendia mudar o rumo do partido e apontou para Maria Luís Albuquerque (ministra das Finanças entre 2013 e 2015) como um exemplo do que pretendia manter.

Não, não vou mudar a estratégia do PSD. Faria igual a Maria Luís Albuquerque — ou pior“, afirmou Rui Rio, de acordo com o relato feito em 2017 pelo Observador (o encontro decorreu à porta fechada e as declarações chegaram ao exterior através de fontes presentes na reunião que falaram aos jornalistas).

A formulação escolhida, sobretudo a expressão “ou pior“, causou controvérsia e levantou dúvidas sobre o que Rui Rio pretendia dizer. Em declarações ao Observador, Rui Rio procurou clarificar as suas intenções e recordou que, na qualidade de presidente da câmara do Porto, em 2013, teve divergências com a então ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, relativamente à reabilitação urbana da cidade — mas disse ainda que as divergências não se prenderam com o rigor orçamental. Na reunião com os deputados social-democratas, em que Maria Luís Albuquerque estava na segunda fila, Rui Rio procurou sanar os antigos desentendimentos.

O que eu disse foi que não ia haver mudança de rumo nenhum no que diz respeito ao traço mais marcante da política de Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque, que é o rigor das finanças públicas. Somos do mesmo partido e, no que concerne às finanças públicas, eu disse sempre a mesma coisa“, disse Rui Rio ao Observador. “Notícia seria eu dizer o contrário”, acrescentou, lembrando que durante os seus dez anos como deputado (1991-2001) sempre defendeu o rigor orçamental.

Uma ideia, aliás, com a qual o Governo de António Costa tem concordado, repetindo múltiplas vezes a garantia de “contas certas” nos Orçamentos do Estado dos últimos anos. Com efeito, Costa tem até usado esse argumento em seu favor, salientando que a sua governação comprovou que é possível conciliar as contas certas e o rigor orçamental com uma política de devolução de rendimentos aos portugueses.

Conclusão

Por um lado, é verdade que Rui Rio disse, em 2017, que faria “igual” ou “pior” do que Maria Luís Albuquerque. Porém, ao contrário do que António Costa faz crer, Rui Rio não se referia a qualquer intenção genericamente relacionada com a “governação da austeridade”, mas sim ao “rigor das finanças públicas”, como esclareceu mais tarde ao Observador. Conclui-se, portanto, que António Costa distorceu o conteúdo da afirmação original de Rui Rio com a intenção de o colar à governação de Passos Coelho — uma estratégia que tem sido comum ao longo desta campanha eleitoral.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ENGANADOR

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