É um orçamento de contas certas. A frase repetida por João Leão, ministro das Finanças, e o primeiro-ministro António Costa, serve para passar a mensagem. A despesa é maior, essencialmente por via do investimento puxado pela “bazuca” europeia, e há um desagravamento fiscal, mas o Estado volta à rota de descida do défice já a pensar que em 2023 as regras orçamentais europeias regressam, o que determina um défice de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) no máximo.

Assim, em 2022 o Governo ainda aproveita a folga europeia para prever um défice de 3,2%, uma meta que já tinha estabelecido no programa de estabilidade que apresentou em abril, ainda que no exercício orçamental apresentado esta segunda-feira o crescimento projetado atinja 5,5%. Em cima de uma revisão em baixa do défice para este ano, face a esse mesmo programa de estabilidade.

 Governo otimista. Conselho de Finanças Públicas acha plausível

Para 2021, o Governo volta à meta de ficar nos 4,3% menos 0,2 pontos que o apresentado em abril. E o crescimento para 2021 é agora apontado para os 4,8%. Um cenário que o Conselho de Finanças Públicas admite como plausível, ainda que alerte para os riscos de execução nomeadamente face a fatores como a subida da inflação — o Governo aponta para uma inflação de 0,9% para 2022, quando neste momento se assiste a vários fatores a pressionar os preços. O organismo liderado por Nazaré Costa Cabral chama ainda a atenção para as projeções do Governo serem das mais otimistas — ainda esta terça-feira o FMI (Fundo Monetário Internacional) reviu as projeções para a economia nacional apontando para uma subida do PIB de 5,1% em 2022. Segundo o FMI, Portugal vai crescer mais também este ano  (4,4% face a 3,9%). Mas há “um ambiente de enorme incerteza que não foi sequer discutido”, realçou na rádio Observador o economista António Nogueira Leite.

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O crescimento de 5,5% em 2022 permitirá à economia regressar aos níveis pré-pandemia, segundo o Governo. E é desta subida do PIB que depende a execução deste orçamento que recebe um empurrão relevante do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência).

Assim o défice ficará em 2022 num valor de 7,13 mil milhões de euros, face aos mais de 9 mil milhões de insuficiência orçamental de 2021. Reduz défice e também dívida que em percentagem do PIB cai para um valor de cerca de 122,8%.

O peso do passado recente na dívida

Mas o passado ainda pesa neste orçamento — segundo João Leão, a pandemia custou um acréscimo de 40 mil milhões de euros na dívida pública —  o que se reflete neste rácio de endividamento, mas também no peso das receitas e despesas para o Estado.

O peso da despesa em percentagem do PIB ficará em 2022 46,7%, ainda assim acima dos 42,5% de 2019. As receitas estão igualmente acima dos níveis pré-pandémicos — 43,6% em 2022 face aos 42,6% em 2019.

Em 2022 o Governo espera que as receitas subam 7 mil milhões de euros face a 2019, e de 3,7 mil milhões face a 2020, para 98,6 mil milhões em 2022. Um crescimento percentual face a 2021 de 4%, maior que a subida de 1,7% da despesa total. Esta totalizará 105,7 mil milhões de euros. Mas a subida de menos de 2% tem implícita uma poupança com juros que o Governo ainda espera ter em 2022, acreditando que vai poupar cerca de 300 milhões. Isto apesar de se antecipar que o BCE possa aliviar os estímulos à economia, com possíveis implicações nas taxas de juro. João Leão, ministro das Finanças, defendeu-se dizendo que “a informação que temos permite contemplar uma redução com as despesas de juros”, mas falou em prudência. “O entendimento é que as pressões inflacionistas são temporárias e não deve alterar a política monetária do BCE”, declarou na conferência de apresentação do Orçamento João Leão.

Inflação — numa altura de alta dos preços de eletricidade e dos combustíveis — e taxas de juro são apenas algumas incertezas para o cenário macroeconómico.

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A contribuir ainda para a fixação da subida da despesa está a queda nos gastos com subsídios esperando-se que haja menos emergência devido à Covid.

Mais despesa (com função pública) e menos receita (IRS)

Do lado das despesas há um aumento nos custos com pessoal — pela atualização dos salários da função pública, mas também pelas progressões por exemplo está contabilizado em 780 milhões — mas o seu peso no PIB até desce de 11,8% para 11,4%.

Este é apenas um dos exemplos de medidas introduzidas no Orçamento do Estado para 2022 com efeito no défice. Nas principais medidas de política orçamental o Governo estima um impacto negativo de cerca de mil milhões de euros, com o qual pretende induzir o estímulo à economia. Com especial impacto do pacote IRS cuja a medida mais emblemática é o desdobramento dos escalões que “custa” cerca de 200 milhões de euros.

Quadro das principais medidas de política orçamental em que se estima um impacto negativo de mil milhões.

Este é também um Orçamento com forte impacto do PRR e , nomeadamente ao nível do investimento público (que subirá 29%) que leva também a um reforço nas despesas. João Leão garante, no entanto, que este gasto ligado ao PRR “não degrada as contas públicas” porque tem contrapartida nas receitas.

O ministro das Finanças fez mesmo questão de realçar, na conferência de imprensa para explicar o Orçamento, que este “dá um impulso macroeconómico mais forte de sempre”. E daí que apesar da melhoria de 0,2 pontos percentuais no saldo estrutural — cujo défice diminui para 2,5%, conforme consta nos elementos informativos  —, o que poderia indicar um orçamento contracionista, o ministro vê um orçamento virado para o crescimento e que “olha para o futuro”.