“Após um alerta previsto por um sismológo holandês, que acertou os dois terremotos da Turquia e de Marrocos, emitiu agora um alerta para Portugal, Espanha. Diz que antes, haverão [sic] réplicas antes de um grande sismo que atingirá pelo menos em 6.0/7.0 Escala de Richter. Isto acontece porque as placas tectónicas estão por baixo de Portugal Continental.”

Repleto de erros ortográficos e de concordância, o anúncio do pretenso alerta está a ser partilhado nas redes sociais com emojis a indicar urgência — afinal, pode ler-se, será já nos próximos dias, entre 19 e 21 de setembro, que Portugal e Espanha poderão ser acometidos por um violento sismo, seguido de maremoto, como aconteceu em 1755 e 1761. Mas, será mesmo assim?

Vamos por partes: no dia 3 de março deste ano, três dias antes de dois violentos sismos abalarem Turquia e Síria, provocando mais de 52 mil mortos, a maior parte nas zonas sul e centro da Turquia, o holandês Frank Hoogerbeets publicou a fotografia de um mapa no antigo Twitter, atual X, e escreveu que “mais cedo ou mais tarde” iria acontecer um terremoto de magnitude 7.5 algures no centro-sul da Turquia, Jordânia, Síria ou Líbano.

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A “previsão”, explicaria mais tarde, também naquela rede social, resultou da observação prévia que fez do alinhamento dos planetas com o Sol e a Lua e da correlação estabelecida entre os referidos astros celestes e a atividade sísmica na zona. “Os grandes terramotos de 6 de fevereiro ocorreram perto da Lua Cheia, convergindo com a geometria planetária crítica. Alguns cientistas afirmam simplesmente que os planetas e a Lua não provocam terramotos, mas a investigação sobre a tensão das marés sugere o contrário”, defendeu o investigador, num outro post feito já no final de março.

Nessa altura, Hoogerbeets já tinha ultrapassado o milhão de seguidores (agora tem 1,4 milhões). Fundador, CEO e único investigador do SSGEOS, o Solar System Geometry Survey, instituto que “monitoriza a geometria entre corpos celestes relacionada com a atividade sísmica”, o holandês é habitualmente apresentado como sismólogo, apesar de ele próprio se descrever como “investigador” e sismólogo, sim, mas “autodidata”, sem qualquer formação na área da geofísica.

Validado pelos que partilham os seus alertas nas redes sociais, é contestado pelos cientistas da área, que desvalorizam as ocasiões em que tem “acertado” — como voltou a acontecer com o sismo registado no passado dia 14 de setembro a sul de Marraquexe.

“Uma previsão deve indicar o tempo, o lugar e a magnitude. ‘Mais cedo ou mais tarde’ não constitui um momento. Por isso, ele não previu o terramoto”, disse recentemente à Newsweek Roger Musson, geocientista com mais de 35 anos de experiência em sismologia e antigo responsável pelo departamento de Risco Sísmico e Arquivos do Serviço Geológico Britânico.

“Basicamente é o relógio parado que está certo duas vezes por dia”, já tinha respondido meses antes, à americana NPR, Susan Hough, sismóloga do Programa de Riscos Sísmicos do US Geological Survey, o organismo criado pelo Congresso norte-americano em 1879 que, na página de perguntas frequentemente colocadas, não menciona diretamente Frank Hoogerbeets — mas recusa terminantemente o tipo de “previsões” que o holandês faz.

“Nem o USGS nem qualquer outro cientista previram alguma vez um grande terramoto. Não sabemos como fazê-lo, e não esperamos saber como num futuro previsível”, é a resposta à pergunta “é possível prever terramotos?”.  “Os cientistas do USGS apenas podem calcular a probabilidade de ocorrência de um terremoto significativo (indicado no nosso mapa de perigos) numa área específica dentro de um determinado número de anos.”

No passado dia 13 de setembro, Hoogerbeets publicou no X um vídeo de 8 minutos em que analisava o “alinhamento planetário e sísmico” para os dias seguintes.

“Poderá ocorrer algum agrupamento de sismos mais fortes entre 15 e 17 de setembro, aproximadamente, mas poderá não ser muito significativo. Mais crítico será de 19 a 21 de setembro, quando a atividade sísmica pode potencialmente atingir uma magnitude superior a 6 a 7”, pode ler-se na legenda.

“Se estiver perto da costa de Portugal, Espanha ou Marrocos tem de estar ciente do perigo que se encontra na vossa costa. Pode haver uma atividade sísmica realmente grande e se isso acontecer vai produzir um tsunami”, alerta o investigador ainda antes de chegar a meio do vídeo.

O efeito foi imediato, com uma série de alertas — como o que agora verificamos — a serem partilhados nas redes sociais. Tanto que, nesse mesmo dia, Hoogerbeets sentiu necessidade de voltar ao X, para escrever a publicação que seis dias depois mantém em destaque: “Contrariamente a algumas afirmações, eu NÃO disse que haverá um tsunami na próxima semana. A minha explicação tem apenas o objetivo de sensibilizar o público em geral”.

Como o seu próprio desmentido não foi suficiente, esta terça-feira o VOST Portugal fez também uma publicação a ridicularizar as “teorias” dos “adivinhos” que grassam pelas redes. “A probabilidade de acertar numa coisa destas, com esta intensidade, é ínfima. Uma coisa destas não se prevê. Infelizmente, não se prevê, porque, se não, podia-se salvar uma série de vidas. A única coisa que se pode fazer é preparar a resposta”, disse ao Observador Jorge Gomes, coordenador e fundador da Associação de Voluntários em Situações de Emergência. “É mais fácil acertar os números do euromilhões.”

Conclusão

A ciência é unânime: não só não existe forma de prever tremores de Terra, como não é provável que nos próximos anos venha a existir. E o facto de o sismólogo holandês autodidata Frank Hoogerbeets ter conseguido prever vários sismos, acreditam os cientistas, lembrando que “até um relógio parado está certo duas vezes por dia”, não será prova do contrário.

O próprio investigador, que no passado dia 13 de setembro publicou um vídeo a alertar para um grande aumento de atividade sísmica entre os dias 19 e 21, já veio publicamente garantir que isso não configura uma previsão propriamente dita. “Contrariamente a algumas afirmações, eu NÃO disse que haverá um tsunami na próxima semana. A minha explicação tem apenas o objetivo de sensibilizar o público em geral”, fez questão de frisar.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook

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