Uma mulher sugeriu num vídeo que a pandemia de Covid-19 é o “golpe do século” por ter testado positivo à infeção pelo novo coronavírus num dia, mas ter testado negativo no dia seguinte. As declarações foram gravadas em vídeo e colocadas em circulação no Facebook, onde têm sido partilhadas milhares de vezes, incluindo na publicação aqui em baixo. Mas há uma explicação científica para os diagnósticos díspares e nenhuma delas faz da pandemia, que já atingiu quase 75 milhões de pessoas e vitimou perto de 1,7 milhões delas, uma farsa.

Uma das publicações que partilhou as informações falsas sobre a pandemia de Covid-19.

No vídeo em questão, a protagonista das imagens mostra o relatório de um teste RT-PCR realizado numa amostra recolhida a 6 de novembro. A análise do laboratório Bioesterel, em França, detetou a presença do novo coronavírus e, por isso, a mulher foi considerada positiva para a presença do SARS-CoV-2 no organismo. Em busca de uma segunda opinião, por estranhar o resultado uma vez que não tinha sintomas de Covid-19, a mulher fez outro teste no dia seguinte no Synlab. Desta vez, testou negativo.

Apresentando-se nas redes sociais como a “prova viva” de que a pandemia de Covid-19 é o “golpe do século”, a mulher sugere insistentemente que os testes de diagnóstico à infeção pelo novo coronavírus são um embuste: “O que significa que em 24 horas fui de positiva para negativa. Aqui está o golpe do século, cá está ele”, sublinha a protagonista do vídeo, que se apresenta como Patrícia Augusto nos vídeos em questão. Em contrapartida, um dos laboratórios aponta-lhe o dedo por “difamação”.

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O facto de ter testado positivo num dia e negativo no outro não prova que a pandemia não existe ou foi fabricada. Segundo as explicações do Bioesterel ao Libération, que verificou as informações do vídeo, os falsos positivos nos testes produzidos naquele laboratório “não são possíveis” porque os testes procuram três genes exclusivos do vírus para chegar a um diagnóstico: se nenhum deles for detetado, o teste é negativo; e se apenas um ou dois forem detetados, o teste é inclusivo. Uma amostra só testa positivo se a análise assinalar a presença dos três genes.

A discrepância entre os resultados dois relatórios pode ter várias explicações. Uma delas, apontada ao Observador por Miguel Castanho, bioquímico e investigador do Instituto de Medicina Molecular, é que um dos testes tenha sido mal efetuado. A amostra usada no primeiro teste pode ter sido contaminada pelas partículas virais presentes noutros materiais com que tenha contado; ou, no segundo teste, a recolha da amostra pode ter sido mal realizada pelo técnico responsável

Mas como há mecanismos para saber se isso aconteceu numa determinada amostra, esta opção já foi colocada de parte pelo Bioesterel: “Do técnico de amostragem ao que manipulou a amostra, não foi observada nenhuma anomalia. Tudo foi realizado por pessoas com treino laboratorial, com experiência a recolher amostras. A amplificação e a hibridação foram realmente realizadas sem problema”.

Outra possibilidade admitida por Laura Brum, diretora médica do Synlab Portugal, é que a 6 de novembro, data do primeiro teste, fosse possível que a carga viral na amostra recolhida naquela mulher fosse alta o suficiente para que o processamento resultasse num diagnóstico positivo, mas que ao fim de 24 horas ela já tivesse descido ao ponto de não ser detetada pelos testes PCR.

Por último, é possível que os testes de diagnóstico realizados nos dois laboratórios procurem por genes diferentes. Se assim for, os genes que o Bioesterel detetou a 6 de novembro não estariam na mira do Synlab, que não terá encontrado os genes que procura identificar nos seus próprios testes de diagnóstico. Esta foi uma opção levantada pela própria Bioesterel numa publicação citada pelo Libération e confirmada por Laurent Kbaier, bióloga do Biogroup.

A explicação defendida pela Bioesterel chegou num comentário publicado pela empresa no Facebook, citada pelo Libération. Além de assegurar a qualidade dos recursos humanos no laboratório, também garante a qualidade dos procedimentos técnicos — e, por isso: “A amplificação e a hibridação foram realmente realizados sem problema. A transferência dos resultados através do nosso computador também foi verificada. Não há, portanto, nenhum motivo razoável para questionar o resultados que lhe demos“, termina.

Laura Brum, do Synlab, também alerta que um teste positivo e um teste negativo com 24 horas de diferença não é estranho, nem indicia necessariamente um erro laboratorial: “Mesmo no mesmo laboratório encontramos doentes com resultados positivos e negativos na fase final da infeção. Existe uma diferença na carga viral que pode justificar os resultados distintos“, justificou ao Observador.

Conclusão

É falso que a pandemia de Covid-19 seja o “golpe do século”. O facto de a mesma pessoa ter testado positivo para a presença do novo coronavírus num dia, mas negativo no dia seguinte pode ter várias explicações plausíveis, como o facto de os dois laboratórios utilizarem métodos de testagem diferentes ou a carga viral ter diminuído naquelas 24 horas. A contaminação da amostra seria uma hipótese para a discrepância dos resultados, mas o laboratório responsável já reviu os procedimentos em torno daquela amostra em particular e verificou que não houve qualquer erro que comprometesse o resultado do teste.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota 1: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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