O texto que circula no Facebook defende várias teorias que não são novidade neste tipo de publicação falsa — diz que desapareceram inexplicavelmente “médicos e jornalistas que alertaram sobre a propagação do vírus”, que a Organização Mundial da Saúde (OMS) alegadamente ajudou a encobrir o que se passava na China ou que o novo coronavírus teve origem num laboratório. O dado novo aqui está no início da extensa publicação e diz que “o ‘paciente zero’ trabalhou no laboratório e entrou na população de Wuhan, onde o surto começou. Mas também esta informação é falsa.
O post diz que se baseia num “novo relatório explosivo do jornalista de investigação Bret Baier e relatórios anteriores do Washington Post”. O pouco cuidado com a pontuação já era suficiente para pôr em causa a veracidade da publicação mas há outros detalhes que demonstram que esta publicação é falsa.
Começando pelo “The Washington Post”: é falso que o jornal norte-americano alguma vez tenha publicado uma reportagem na qual estaria identificado o paciente zero da Covid-19. A informação foi desmentida por um dos editores da publicação, Mael Vallejo, que no Facebook denunciou o texto partilhado em várias redes sociais. “Se já vos chegou a corrente pelo WhatsApp com a fake news, atribuída ao WashPost, de que o paciente zero do coronavírus na China era funcionário de um laboratório, saibam que não é verdade”, escreveu.
O jornal americano diz que nunca noticiou tal coisa. O que publicou foi, tal como também explicou Vallejo, “que num laboratório pouco seguro de Wuhan estavam a fazer experiências com coronavírus, que isso era sabido pelos Estados Unidos e que existe a probabilidade de algo escapar ao controlo aí”.
De facto, a 14 de abril, o “The Washington Post” tinha publicado um artigo de opinião que se focava nesses dados que o governo norte-americano teria na sua posse, bem antes de serem registados os primeiros casos de Covid-19. “Dois anos antes de a pandemia do novo coronavírus se espalhar pelo mundo, oficiais da embaixada norte-americana visitaram várias vezes um laboratório chinês na cidade de Wuhan e enviaram dois avisos oficiais para Washington, que alertavam para a segurança ineficaz no laboratório, que conduzia estudos de risco sobre coronavírus a partir de morcegos”, começa por explicar o texto .
Porém, mais à frente, o artigo acrescenta que “como muitos já o disseram, não há provas de que o vírus que agora assola o mundo foi fabricado; os cientistas concordam que surgiu de animais”.
Contrariamente ao que defende a publicação viral que circula no Facebook, não existem acusações feitas à OMS, não se fala de “esforços de propaganda direcionados aos Estados Unidos e Itália” e muito menos do tal paciente zero.
As teorias que fazem parte do post saíram de uma outra publicação que nada tem a ver com “The Washington Post”. Aliás, o cronista do jornal que assina o artigo em questão chama-se Josh Rogin, e não Bret Baier, aquele que é citado no Facebook.
Baier existe, sim, mas é um pivô da Fox News, que conduz o formato “Special Report with Bret Baier”. A 15 de abril assinou uma peça que afirmava que “o novo coronavírus tinha nascido num laboratório como parte dos esforços da China para competir com os Estados Unidos”.
Foi daqui que saíram vários excertos que fazem parte da publicação viral. “O ‘paciente zero’ trabalhava no laboratório, depois embrenhou-se na população em Wuhan”, “a OMS foi cúmplice desde o início ao ajudar a China no encobrimento”, houve “um banquete para dezenas de milhares de pessoas” depois de as autoridades chinesas saberem que estavam provavelmente perante uma pandemia e “este pode ser o ‘mais caro encobrimento do governo de todos os tempos’”. Tudo isto está, efetivamente, no artigo de Bret Baier, mas das inúmeras fontes citadas não há uma única que esteja identificada nem existem provas que sustentem o que é dito.
Além disso, especialistas de todo o mundo têm desmentido repetidamente a ideia de que o novo coronavírus possa ter nascido num laboratório. Foi o caso, por exemplo, de Edward Holmes, virologista da Universidade de Sidney, Austrália, que afirmou não existirem “evidências de que o SARS-CoV-2, que causa nos humanos a Covid-19, tenha tido origem num laboratório em Wuhan” ou de um grupo de cientistas especializados em saúde pública que assinaram um artigo na revista “The Lancet” dizendo que “cientistas de inúmeros países analisaram genomas do agente causador e os resultados concluem, de forma esmagadora, que a origem está na vida selvagem”.
Conclusão
O “The Washington Post” nunca escreveu que o paciente zero da Covid-19 trabalhava num laboratório de Wuhan. O que o jornal divulgou foi que os Estados Unidos sabiam que havia graves falhas de segurança num laboratório da cidade chinesa muito antes de surgirem os primeiros casos de Covid-19. Bret Baier não é jornalista de investigação no “The Washington Post”, mas sim pivô do canal de televisão americano Fox News. Foi esse canal que fez uma peça com as teorias que surgem na publicação viral que circula no Facebook. Porém, nenhuma das ideias expostas é sustentada com provas e das fontes citadas nenhuma é identificada. Contrariamente ao que sugere o texto, os especialistas continuam a garantir que não há nada que indique que a pandemia atual tenha começado num laboratório.
Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:
No sistema de classificação do Facebook, este conteúdo é:
FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.
Nota 1: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.
Nota 2: O Observador faz parte da Aliança CoronaVirusFacts / DatosCoronaVirus, um grupo que junta mais de 100 fact-checkers que combatem a desinformação relacionada com a pandemia da COVID-19. Leia mais sobre esta aliança aqui.