Várias publicações que circulam na rede social Facebook alegam que a União Europeia apoia a legalização de “certas formas” de pornografia infantil. “Vamos ficar calados, sem fazer nada, é impossível legalizar a pornografia infantil (sarcasmo)”, pode ler-se numa das publicações, em jeito de comentário a um artigo de um jornal espanhol que vai no mesmo sentido.

No artigo em causa, publicado pela La Gaceta de la Iberosfera (um jornal digital espanhol financiado pela  Fundación Disenso, considerada a plataforma ideológica do partido político Vox, de extrema-direita), pode ler-se que a União Europeia e os Estados Unidos estão a tentar avançar no sentido da descriminalização do que o jornal designa como “certas formas de pornografia infantil”, que incluem material sexualizado que não envolva uma “criança real”, que seja gerado de forma autónoma — através de inteligência artificial — ou criado dentro de uma “relação consensual” e preservado para “uso privado”.

Segundo o artigo, a proposta que alguns países ocidentais fizeram, durante as negociações de um novo tratado sobre crimes cibernéticos na ONU (que se encontram a decorrer) foi no sentido de, nos casos acima referidos, cada país poder decidir abrir um procedimento penal contra os autores dos vídeos, tornando o procedimento penal opcional. Neste momento, existe um consenso, a nível mundial, para que estas situações sejam tratadas como crime de pornografia infantil, na senda dos princípios explanados na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças.

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Uma delegada austríaca, por exemplo, justificou que “crianças maiores de 14 anos têm o direito de desenvolver relações sexuais”, acrescentando que esses menores podem criar e partilhar imagens no contexto de relações sexuais voluntárias e legais, sem que essas imagens tenham que ser criminalizadas. “Crianças dessa idade podem optar por ter um relacionamento sexual com alguém que tenha 19 anos, portanto, um adulto”, disse a delegada, referindo-se às leis nacionais da Áustria.

A mesma delegada sublinhou que “as crianças podem produzir fotos no decorrer do envolvimento sexual e partilhá-las umas com as outras”. “É nossa convicção que as imagens produzidas como parte de uma relação legal e voluntária não devem ser criminalizadas”, defendeu. Uma posição que foi também secundada pelo representante da União Europeia, que referiu que as exceções introduzidas no capítulo 14 do tratado (consultável aqui) são os “requisitos mínimos para evitar a sobrecriminalização de algumas condutas legítimas envolvendo crianças”. O mesmo delegado acrescentou que não haveria “forma de os países da União Europeia subscreverem a convenção” sem a presença das exceções já referidas, uma vez que as práticas em causa são, realçou, consideradas legítimas em alguns países da UE.

Ao Observador, fonte da Comissão Europeia nega a ideia de que o bloco dos 27 defenda a legalização de algumas formas de pornografia infantil. “A Comissão rejeita veementemente quaisquer alegações deste tipo”, diz fonte oficial.

A Comissão sublinha que “o combate à violência contra as crianças, tanto online como offline, é uma prioridade”, lembrando que o tema foi referido pela presidente eleita Ursula Von Der Leyen “nas suas orientações políticas para a próxima Comissão”, que a alemã vai voltar a liderar. Assim, “durante as negociações em Nova Iorque para a Convenção da ONU sobre Crimes Cibernéticos [a postura da Comissão] não foi diferente”, realça o organismo, recordando o compromisso assumido antes por Von Der Leyen de “combater a tendência crescente de comportamento abusivo online com um plano de ação contra o cyberbullying”.

A ideia de que a União Europeia apoia a legalização de “algumas formas” de pornografia infantil é errada. Oque os países da União Europeia (e também os EUA) propuseram na ONU não foi exatamente a legalização de “certas formas de pornografia infantil”, mas sim o fim da criminalização obrigatória de algumas práticas, deixando ao sistema penal de cada país a possibilidade de decidir a abertura de um procedimento criminal.

Conclusão

A União Europeia não propôs a legalização de “certas formas de pornografia infantil”. Fonte da Comissão Europeia rejeita “veementemente” alegações desse tipo e garante que o combate à violência contra as crianças é uma prioridade.

O que a UE propôs foi sim o fim da criminalização obrigatória de algumas práticas, deixando ao sistema penal de cada país a possibilidade de decidir a abertura de um procedimento criminal. Para além disso, nos países da UE as práticas em causa (criação de material sexual fictício envolvendo crianças e a posse para uso privado de material sexual envolvendo crianças no contexto de uma relação consentida — o chamado sexting) são duas práticas legítimas.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: As principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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