Uma publicação, que circula em várias redes sociais (entre as quais o Facebook) alega que as vacinas de mRNA provocaram a morte a 17 milhões de pessoas em todo o mundo. “Um estudo conjunto revela que as vacinas mRNA já mataram 17 milhões de pessoas, numa correlação quase inacreditável entre os períodos de campanha de vacinação, e os imediatos ‘picos’ de mortes por todas as causas. Este estudo foi apresentado no mês passado em Bucareste, Roménia, durante a cimeira “International Crisis Summit IV”, pode ler-se.

A publicação em causa é acompanhada de um trecho de uma entrevista a Denis Rancourt, Marine Baudin e Jérémie Mercier durante o evento referido, e que decorreu na Roménia, em novembro de 2023. No vídeo, os investigadores confirmam os resultados do estudo (17 milhões de mortes) e adiantam que foram incluídos no trabalho vários países da América Latina e da região equatorial, o que “permite ter uma amostra representativa do mundo”.

O estudo em causa, elaborado pelo Correlation Research in The Public Interest (uma organização sem fins lucrativos sediada em Otava, no Canadá) e datado de setembro de 2023, analisa a mortalidade por todas as causas e as taxas de vacinação em 17 países do hemisfério sul (entre os quais o Brasil, Argentina, Austrália, África do Sul ou Tailândia) e concluiu que as vacinas contra a Covid-19 causaram a morte de uma em cada 800 pessoas que foram vacinadas.

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Os investigadores escrevem que a taxa de mortalidade por dose de vacina nos 17 países é de “(0,126 ± 0,004)%, o que implicaria 17,0 ± 0,5 milhões de mortes pela vacina contra a Covid-19 em todo o mundo, a partir de 13,5 mil milhões de injeções até 2 de setembro de 2023”. “Isso corresponderia a um evento iatrogénico em massa que matou (0,213 ± 0,006)% da população mundial (1 morte para cada 470 pessoas, em menos de 3 anos) e não evitou de forma mensurável nenhuma morte”, escrevem os autores do estudo.

Serão credíveis os resultados da investigação? A Organização Mundial de Saúde garante que não. Ao Observador, a organização salienta que as alegações “não estão corretas”.

A investigação baseia a conclusão relativa ao número de mortes causados pelas vacinas em números do World Mortality Dataset, Our World in Data e algumas noutras fontes regionais. Os autores sublinham que o excesso de mortalidade coincidiu com o período de vacinação contra a Covid-19 e relacionam as duas variáveis de forma direta, algo que vários especialistas, que já se pronunciaram sobre o estudo, dizem não ser correto fazer.

“Os picos de mortalidade por todas as causas são provavelmente causados pelo aumento do vírus durante certos períodos e não têm nada a ver com campanhas vacinais”, disse, à AFP, Amesh Adalja, investigador do Johns Hopkins Center for Health Security. “O que os autores dessa desinformação estão a fazer é o uso indevido das estatísticas para confundir as pessoas e condenar as vacinas, que realmente salvaram vidas”,  disse o especialista. Para Amesh Adalja, foi a Covid-19 a causadora do excesso de mortalidade e não a vacinação.

“Se alguma coisa as vacinas fizeram, foi provavelmente reduzir a mortalidade ao longo dos últimos dois anos”, disse Richard Watanabe, professor de ciências da população e da saúde pública da Universidade do Sul da Califórnia, também à AFP.

O estudo em causa apresenta uma lacuna importante: os próprios autores admitem que o trabalho não foi revisto pelos pares, isto é, por outros investigadores — uma etapa essencial para conferir qualidade e credibilidade aos trabalhos académicos.

Conclusão

As vacinas de mRNA contra a Covid-19 não provocaram 17 milhões de mortes em todo o mundo. A conclusão, retirada por um estudo canadiano, não está correta, dizem quer a Organização Mundial de Saúde quer vários especialistas. O excesso de mortalidade que se registou durante a pandemia foi, em grande medida, resultado da propagação da Covid-19 e não das vacinas, que de resto — e só no primeiro ano de utilização — salvaram quase 20 milhões de pessoas, segundo um estudo publicado na The Lancet.

Assim, de acordo com o sistema de classificação do Observador, este conteúdo é:

ERRADO

No sistema de classificação do Facebook este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

NOTA: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact checking com o Facebook.

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