A 25 de janeiro, quando o surto do novo coronavírus já tinha sido identificado, o diretor de investimentos da Hayman Capital Management, uma empresa de gestão norte-americana, publicou dois artigos da transmissora canadiana CBC no Twitter. A publicação tornou-se viral e, às 18h deste sábado, 8 de fevereiro, já tinha sido repartilhado 12,6 mil vezes.

Kyle Bass explicou que os artigos eram sobre “uma equipa de espionagem chinesa, marido e mulher” que “foi recentemente removida de uma instalação de doenças infecciosas de nível 4 no Canadá por enviar agentes patogénicos para as instalações de Wuhan”. E que o homem era “especialista em investigação sobre o coronavírus”, sugerindo que este caso podia estar relacionado com o atual surto de coronavírus. Mas não está.

Vamos por partes. Eis a primeira: um dos artigos a que Kyle Bass se refere, publicado em julho do ano passado, conta que Xiangguo Qiu e o marido, Keding Cheng, assim como uma turma de alunos chineses, foram retirados do Laboratório Nacional de Microbiologia — uma instalação de nível 4 em Winnipeg, Canadá — e impedidos de regressar ao edifício por causa de uma possível “violação de política”.

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Xiangguo Qiu tinha feito cinco viagens à China entre 2017 e 2018 para ações de formação em vários laboratórios de alta segurança, incluindo o Laboratório Nacional de Biosegurança de Wuhan, onde teria de comparecer duas vezes por ano durante dois anos e em períodos de duas semanas — algo que está descrito no segundo artigo da CBC. Questionadas sobre se essas viagens representavam algum perigo para a saúde pública, as autoridades responderam que não e que a retirada dos cientistas não passava de uma “matéria administrativa”.

Ora, tal como o economista afirmou no tweet viral, grande parte da carreira de investigação de Keding Cheng era dedicada a alguns tipos de vírus da família do coronavírus, como o SARS-CoV, que provoca a Síndrome Respiratória Aguda Grave; e a outros agentes patogénicos como o HIV, que é o vírus da sida, a bactéria Escherichia coli e a Doença de Creutzfeldt-Jakob, que é uma doença neurodegenerativa.

No entanto, Tammy Jarbeau, fonte oficial do laboratório canadiano, já garantiu à Agence France-Presse (AFP) que “tudo não passa de desinformação”. De resto, embora a investigação sobre os dois cientistas ainda esteja a decorrer, nenhum comunicado oficial das autoridades sugere que Xiangguo Qiu e Keding Cheng sejam “espiões” ou que o atual surto de coronavírus tenha alguma relação com as atividades do casal, como o economista Kyle Bass sugeriu no Twitter.

Agora, a segunda parte. A origem destas teorias também está relacionada com uma outra investigação dos órgãos do comunicação social canadianos publicada um mês depois de este caso vir à tona, conta a AFP. A CBC descobriu que, em março do ano passado, várias amostras do vírus do ébola (transmitido por mosquitos) e de nipah (transmitido por morcegos) tinham sido enviadas legalmente para a China para investigação num voo da Air Canada.

Embora as autoridades nunca tenham explicado se o caso do casal de cientistas afastado do laboratório está de alguma forma relacionado com o envio destas amostras para a China, garantem que nenhuma dessas situações tem algo a ver com o surto que eclodiu em Wuhan. De resto, o tweet de Kyle Bass está errado logo pelo facto de as amostras não terem sido enviadas para Wuhan, mas sim para a capital chinesa, Pequim.

Conclusão

Não é verdade que o coronavírus tenha chegado à China vindo do Canadá pelas mãos de um casal de espiões. O boato baseia-se em duas investigações que têm por na base o mesmo laboratório nacional canadiano, mas que não têm qualquer relação com o novo vírus que está a circular pelo mundo. Foram distorcidas para alimentar a teoria.

Assim, de acordo com a classificação do Observador, este conteúdo é:


ERRADO

Assim, de acordo com a classificação do Facebook, este conteúdo é:

FALSO: as principais alegações do conteúdo são factualmente imprecisas. Geralmente, esta opção corresponde às classificações “falso” ou “maioritariamente falso” nos sites de verificadores de factos.

Nota: este conteúdo foi selecionado pelo Observador no âmbito de uma parceria de fact-checking com o Facebook.

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