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Taxar bebidas açucaradas melhora mesmo a saúde?

O Governo resolveu taxar refrigerantes em nome da saúde dos portugueses, porque se faz assim noutros países. Fomos ler estudos e ver as experiências internacionais para ver se é mesmo assim.

A frase

Estamos a falar de impostos que vão afetar uma gama de produtos muito pequena e não são propriamente produtos agroalimentares. São produtos da área das bebidas e que têm a ver com razões de saúde e que têm sido adotados em muitos países.

— Manuel Caldeira Cabral, ministro da Economia, 16 outubro 2016

Praticamente certo

Foi com esta frase que Manuel Caldeira Cabral justificou a nova taxa que incidirá sobre refrigerantes e outras bebidas sem álcool mas com açúcar, já depois da entrega da proposta de Orçamento do Estado para 2017. O ministro disse que os impostos sobre refrigerantes “têm a ver com razões de saúde e que têm sido adotados em muitos países”. Será mesmo assim?

A tese

A partir do próximo ano, os refrigerantes e as bebidas sem álcool (com uma taxa de álcool entre 0,5% e 1,2% vol.), com açúcar ou outros edulcorantes adicionados, vão ficar mais caros.

Às bebidas que tiverem até 80 gramas de açúcar por litro será aplicada uma taxa de 8,22 euros por hectolitro. No caso das bebidas que tenham 80 ou mais gramas de açúcar por litro (como é o caso, por exemplo, da Coca-Cola) o aumento corresponderá a 16,46 euros por hectolitro. O mesmo é dizer que o imposto variará, consoante a quantidade de açúcar que o produto tenha, entre os oito e os 16 cêntimos por litro, antes do IVA.

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Os efeitos desta medida no preço podem não ser percecionados logo em janeiro. É que os comerciantes que, à data da entrada em vigor da lei, tenham bebidas em stock terão a possibilidade de as vender sem a cobrança do novo imposto por um período de quatro meses, precisando apenas de o comunicar à Autoridade Tributária.

€0,16

Dezasseis cêntimos é o máximo que esta taxa sobre refrigerantes fará encarecer um litro de bebida. E isto no caso das que contêm mais açúcares ou outros edulcorantes. Os refrigerantes com menos de 80 mg de açúcar por hectolitro terão um acréscimo de oito cêntimos por litro.

A proposta do Governo contempla exceções à aplicação desta nova taxa. Ficam excecionadas as bebidas à base de leite, soja ou arroz; os sumos e néctares de frutos e de algas ou de produtos hortícolas e bebidas de cereais, amêndoa, caju e avelã. E ainda bebidas consideradas alimentos para as necessidades dietéticas especiais ou suplementos dietéticos.

Também as bebidas não alcoólicas utilizadas em processos de fabrico ou que sejam matéria-prima de outros produtos, bem como bebidas não alcoólicas usadas para controlo de qualidade e testes de sabor não sofrerão qualquer agravamento do preço de venda ao público.

Entretanto, Amândio Santos, presidente da Portugal Foods, a associação que representa o setor agroalimentar português, já veio dizer que o imposto penaliza as empresas que já têm “uma consciencialização em adaptar os produtos aos níveis de açúcar e sal adequados às preocupações da saúde”.

O Governo justifica a criação da “fat tax” — que é mais uma “sweet tax” — com motivos de saúde e lembra que está a seguir um caminho já iniciado noutros países. E os 80 milhões que a medida irá render para os cofres do Estado, segundo a projeção do Governo inscrita na proposta de Orçamento do Estado para 2017, serão consignados “à sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde”. Falta agora saber como reagirão os portugueses, em termos de consumo de refrigerantes.

Esta “sweet tax” é, ainda assim, uma versão ligeira daquela que chegou a ser falada e pensada, e até por governos anteriores. A ideia era taxar um leque de produtos nocivos à saúde, castigando os alimentos com mais açúcar, mas também com excesso de sal e gordura. Mas um dos argumentos para esta versão mais dura cair terá sido o facto de se ir penalizar as famílias de rendimentos mais baixos que, no fundo, são as que mais consomem fast food, por ser mais barata.

Os Factos

Esta taxa, como a que o Governo se prepara para introduzir sobre os refrigerantes e outras bebidas não alcoólicas com açúcar adicionado, será mesmo eficaz na redução do consumo deste tipo de produtos, melhorando a saúde dos portugueses?

A informação que existe neste momento sugere uma relação entre o consumo excessivo de açúcares simples e o excesso de peso, associado ao aparecimento e desenvolvimento de doenças crónicas como a obesidade e a diabetes. E também se sabe que os hábitos alimentares inadequados são o principal fator de risco para o total de anos de vida saudável perdidos pela população portuguesa.

Sabia que...

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Metade da recomendação internacional de consumir até ao limite máximo de 200 kcal por dia proveniente de açúcares simples pode ser ultrapassada com o consumo de apenas uma dose de 330 ml de alguns destes refrigerantes à venda?

Portuguesa e não só. Aliás, a preocupação com o excesso de consumo de sal e açúcar existe um pouco por todo o mundo e as organizações de saúde mundiais estão atentas ao problema. Já em abril, em entrevista ao Observador, o Comissário europeu da Saúde e Segurança Alimentar, Vytenis Andriukaitis, propunha taxar os produtos com excesso de açúcar e, em particular, os refrigerantes.

E também Douglas Bettcher, diretor do Departamento de Doenças Não Transmissíveis da OMS, já disse e repetiu várias vezes que “o consumo de açúcares livres, incluindo produtos como bebidas açucaradas, é o principal fator do aumento global do número de pessoas com obesidade e diabetes”:

Se os governos criarem impostos sobre esses produtos, eles poderão reduzir o sofrimento e salvar vidas”, acrescenta o especialista da OMS, referindo que uma taxa destas pode ajudar a “cortar custos em cuidados de saúde e aumentar as receitas para investir nos serviços de saúde”.

Há dias, a Organização Mundial de Saúde (OMS) voltou a publicar um estudo em que se debruçou sobre este tema e concluiu que “a evidência mostra que uma taxa de 20% sobre bebidas açucaradas pode levar a uma redução do consumo na ordem dos 20%, prevenindo a obesidade e a diabetes”.

Fazendo as contas, a taxa criada pelo Governo português se aplicada a uma bebida comprada num hipermercado (com preço de venda ao público mais baixo do que num café ou restaurante) pode encarecer o produto em cerca de 20%. Está, assim, em linha com o valor apontado pela OMS. Obviamente que quanto mais alto for o preço de venda ao público, menor será o aumento, uma vez que a taxa criada não é percentual, mas sim um valor absoluto, com dois escalões, consoante a quantidade de açúcar e edulcorantes presentes na bebida.

Este tema é recorrente na literatura de saúde e consiste numa preocupação latente por parte das autoridades de saúde. Em 2015, os peritos da OMS escreviam existir uma “evidência clara”: aumentar a tributação em alimentos nocivos à saúde, como os refrigerantes, diminuía o seu consumo e, por sua vez, reduzia a obesidade, a diabetes tipo 2 e as cáries, na medida em que as pessoas direcionavam o seu apetite para comidas mais saudáveis.

Aliás, num estudo publicado em 2015, a OMS referia mesmo que as taxas sobre refrigerantes, juntamente com subsídios para baixar preços de frutas e vegetais, “parece ser mais eficaz na indução de mudanças de promoção da saúde no consumo”.

Mas alertava também para a imprevisibilidade da reação dos consumidores quando se aplica uma taxa deste tipo sobre alguns produtos, nomeadamente sobre produtos com excesso de gordura. Segundo os especialistas, alguns estudos vinham mostrando que “tributar um nutriente, como a gordura saturada, pode ser compensado pela substituição de outros nutrientes como o sal também com consequências potencialmente negativas para a saúde”.

O grupo de peritos da DGS, que se debruçou sobre a questão da redução do consumo de açúcar, e que elaborou um documento de trabalho que serviu de apoio à tomada de decisão do Governo português, destacou que a relação entre impostos e saúde podia não ser tão fácil de aferir: “Apesar de haver alguma evidência de que as medidas fiscais já implementadas por alguns países têm contribuído para a diminuição da compra dos produtos taxados, a efetividade destas medidas não tem sido avaliada de forma sistemática“.

Alertam os mesmos especialistas da DGS que é preciso acompanhar a introdução destas medidas e a sua efetividade percebendo, desde logo, se “a diminuição da compra/consumo dos alimentos taxados não é substituída e compensada pela compra/consumo de outros alimentos igualmente pouco saudáveis”.

Pedro Graça, diretor do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável, disse ao Observador que só faz sentido aplicar este tipo de imposto se houver, ao mesmo tempo, medidas de educação direcionadas à população. Sendo que uma não vive sem a outra. E o especialista acrescentou ainda estar “convencido” que esta taxa só “é expectável que venha a reduzir consumo” se corresponder a um aumento de entre 10% a 20% do valor do produto.

Com ou sem políticas de educação associadas, as taxas sobre produtos nocivos têm sido aplicadas em vários países ou têm estado pelo menos a ser estudadas. No México foi implementado um imposto sobre as bebidas não alcoólicas com adição de açúcar que conduziu a um aumento dos preços na ordem dos 10%; na Hungria surgiu um imposto sobre os produtos embalados com altos açúcares, sal ou níveis de cafeína. Mas também as Filipinas, a África do Sul, o Reino Unido e a Irlanda do Norte já anunciaram intenções de implementar impostos sobre bebidas açucaradas.

Mas nem todos os países introduzem estas taxas com o objetivo de alterar padrões de consumo, atira a OMS. “Muitos países aplicam impostos e subsídios aos alimentos e em muitos pontos diferentes na cadeia de abastecimento alimentar sem ser necessariamente com o objetivo de alterar os hábitos de compra dos consumidores ou melhorar os resultados em saúde.”

O principal objetivo, em alguns países, é aumentar a receita e muitos governos não criam taxas suficientemente elevadas de modo a provocar alterações de comportamento alimentar”, diz a OMS.

A verdade é que muitos têm tido como efeito a redução do consumo. Segundo um documento da OCDE, na Hungria, os preços aumentaram 29% em 2011, por conta da nova taxa, e as vendas desses produtos caíram 27%. Já na Dinamarca, por exemplo, a taxa sobre os produtos com gordura conduziram a uma quebra no consumo na ordem dos 10 a 15% nos primeiros nove meses. E no México, no primeiro ano de aplicação da taxa, em 2014, o consumo daqueles produtos terá caído em torno de 6%.

Vale a pena lembrar os números que sustentam estas políticas um pouco por todo o mundo, e que são assustadores. Em 2014, mais de um em cada três adultos com mais de 18 anos tinha excesso de peso e a prevalência de obesidade mais do que duplicou entre 1980 e 2014, atingindo cerca de 600 milhões de pessoas. Neste último ano, 11% dos homens e 15% das mulheres sofriam de obesidade. Sendo que o excesso de peso e obesidade é um problema que afeta 42 milhões de crianças com menos de cinco anos.

Já a incidência da diabetes, diretamente responsável pela morte de 1,5 milhões de mortes em 2012, também aumentou. Em 1980 havia 108 milhões de diabéticos no mundo, que passaram a 422 milhões em 2014.

Em Portugal, segundo o Inquérito Nacional de Saúde, em 2014, mais de metade da população portuguesa (52,8%) com 18 ou mais anos tinha excesso de peso. E, em 2013, de acordo com o Childhood Obesity Surveillance Initiative, 31,6% das crianças portuguesas com idades compreendidas entre os 6 e os 8 anos apresentavam excesso de peso (incluindo a obesidade). Segundo a DGS, os portugueses consomem o dobro da quantidade de sal e de açúcar que deveriam consumir. E a disponibilidade de refrigerantes em 2012 foi de 203,6 ml por habitante, por dia, quase o dobro do que em 1990, segundo o estudo “Redução do consumo de açúcar em Portugal: Evidência que justifica ação”, da DGS.

A conclusão

Praticamente certo. Os estudos de organizações internacionais e as experiências realizadas noutros países parecem sustentar as intenções do Governo, assim como as declarações do ministro da Economia, Caldeira Cabral. Ou seja, o aumento do preço dos refrigerantes resultante da aplicação da taxa (que será variável consoante o preço de venda ao público do produto) poderá ser suficiente para contribuir para uma baixa do consumo, tendo em conta os estudos que existem. Só não é possível saber se, no futuro, isso terá consequências na saúde dos portugueses. Desde logo porque não se consegue antecipar se o consumo de refrigerantes vai mesmo cair e, mesmo que caia, não se consegue perceber, para já, se isso terá efeitos diretos na saúde, porque deixar de consumir refrigerantes não implica mudar outros hábitos nocivos de alimentação. Por isso, uma das recomendações é criar, em simultâneo, incentivos ao consumo de produtos saudáveis e apostar na educação. A intenção do Governo com a introdução desta “sweet tax” até pode estar relacionada com motivos de saúde, resta saber se o efeito será esse ou se a taxa servirá apenas para arrecadar um dinheiro extra para o Serviço Nacional de Saúde.

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