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Para que serve a transição presidencial? |
É possível que tudo tenha acontecido enquanto Bill Clinton escrevia aquela carta para George W. Bush. Com a data de 20 de janeiro de 2001 bem visível no topo, o homem que governara desde 1993 escrevia na sua caligrafia estranhamente inclinada para a esquerda as habituais palavras de encorajamento. “O fardo que agora carrega aos ombros é enorme, mas muitas vezes exagerado. A felicidade pura de fazer algo em que se acredita é indizível”, escreveu Bill Clinton, antes de se despedir. Era uma carta importante, depois das eleições mais renhidas da História dos EUA: George Bush venceu graças a uma margem de 537 votos na Flórida e o seu adversário, Al Gore, apenas concedeu a 13 de dezembro. |
Enquanto Bill Clinton escrevia aquelas simpáticas palavras, a sua equipa dedicava-se a deixar vários presentes às pessoas que iriam trabalhar lado a lado com George W. Bush — e, por “presentes”, entenda-se, atos de vandalismo, partidas e piadas, algumas de gosto questionável, que viriam a sair bem caras. Quando assumiu funções, a equipa de George W. Bush encontrou todo o tipo de armadilhas — mais propriamente no edifício Eisenhower Executive Office, onde trabalham as equipas do Presidente e também o vice-Presidente. |
Para começar: a letra W, que remete para Walker, nome do meio do Presidente que então iniciava funções, foi arrancada de cerca de 62 teclados da Casa Branca. Igualmente arrancados foram maçanetas, duas delas históricas, tal como um brasão presidencial que desapareceu. Nas casas de banho havia pinturas na parede onde se lia “Jail to the thief” (“Prisão para o ladrão”). No lixo foram colocados 6 mil dossiers novinhos em folha, que ainda puderam ser reutilizados. O mesmo já não se poderá dizer de 15 linhas telefónicas, que foram cortadas. Estes foram os estragos imediatamente percetíveis, mas houve quem na equipa de Bill Clinton tivesse colocado nas impressoras fotografias pornográficas entre as resmas de folhas brancas por utilizar. Semanas depois da tomada de posse, ainda havia quem visse os seus importantes documentos a serem impressos por cima de imagens obscenas. |
No final de contas, entre material desaparecido e danificado, a substituição ou a reparação do que ainda tinha remédio, as brincadeiras da transição de Bill Clinton para George W. Bush custaram entre 13 a 14 mil dólares, de acordo com os cálculos do General Accounting Office (atual Government Accountability Office, órgão responsável por auditar e investigar as atividades dos vários ramos do governo norte-americano). Desse dinheiro, 4.850 dólares foram gastos para restaurar os 62 teclados de onde desaparecera a letra W, 2.050 dólares foram para reparar 26 telemóveis e foram empregues ainda 1.150 dólares em limpezas. |
Não foi um caso irrelevante: deu polémica a vários níveis, troca de acusações de lado a lado, incluindo da administração de Bill Clinton, que se queixara de que, já quando herdara a administração das mãos do pai de George W. Bush, também foi alvo de várias partidas. |
Não se conhece o conteúdo dessas partidas de George H. W. Bush a Clinton, nem a dimensão dos seus estragos, se é que os houve de todo. Mas recentemente muito se tem falado da carta que George H. W. Bush deixou a Bill Clinton. Quando este chegou à Casa Branca na tarde de 20 de janeiro de 1993 para o seu primeiro dia em funções, encontrou uma carta à mão pelo homem que horas antes lhe cedeu a presidência dos EUA: George H. W. Bush. “Quando entrei ainda agora neste escritório, fui acometido pelo mesmo sentimento de admiração e respeito que senti há quatro anos”, lia-se. “Sei que também sentirá isso.” |
O momento em que aquelas cartas são lidas é a fase final do processo de transição, um período apertado que vai do dia das eleições (agendado para a primeira terça-feira de novembro dos anos bissextos) e que termina com a tomada de posse (marcada para 20 de janeiro do ano seguinte). |
Antes dessa fase final, e num cenário ideal, as equipas designadas para a transição de poder (que são nomeadas pelo candidato vencedor e pelo Presidente cessante ainda antes das eleições) passam a trabalhar lado a lado para passar pastas. A estas reuniões juntam-se ainda os escolhidos do Presidente eleito para funções — desde os mais cimeiros, como Secretário de Estado ou Secretário do Tesouro, até às posições mais de base da Casa Branca. Não são poucas: até ao dia da sua tomada de posse, espera-se que o novo Presidente e a sua equipa designem mais de 4.000 pessoas para os cargos. |
É precisamente nessa situação que se encontra a equipa de Joe Biden neste momento, com a agravante de o atual Presidente, Donald Trump, ainda não ter reconhecido a sua derrota nas eleições de 3 de novembro. Ainda assim, na passada terça-feira, o atual inquilino da Casa Branca aceitou dar início ao processo de transição, mesmo sem dar por concluída a questão da contagem dos votos. |
Esta é, desde 2000, a transição mais conturbada — e também a que é iniciada mais em cima da data da tomada de posse. Sobre os perigos disso, foi publicado a 10 de novembro no Washington Post um texto de opinião escrito a quatro mãos com um título impactante: “Os custos potencialmente letais de uma transição adiada”. Os autores sabem do que falam: John Podesta, o último chefe de gabinete de Bill Clinton; e Andy Card, o primeiro chefe de gabinete de George W. Bush. Isso mesmo: o chefe da equipa que deixou os escritórios anexos à Casa Branca no caos e o chefe da equipa que os herdou assim mesmo. |
Naquele texto, ambos explicam que o resultado de uma transição adiada (a de George W. Bush foi apenas 37 dias, quase metade dos 73 dias que inicialmente se previam, caso as eleições tivessem sido conclusivas logo no dia seguinte) pode ser literalmente fatal — e, como exemplo disso, referem os atentados do 11 de setembro de 2001. A conclusão não é dos autores, mas do relatório para o 11 de Setembro de 2001 elaborado pela Comissão Nacional para os Ataques Terroristas nos EUA. Ali lia-se que o sucessivo adiamento da transição “prejudicou a nova administração nas tarefas de identificar, recrutar e conseguir as confirmações senatoriais para cargos essenciais”, incluindo no campo da segurança nacional. |
Isso foi em 2000. Em 2020, os perigos são outros. “Com a pandemia da Covid-19 a continuar a fazer estragos, os custos de um atraso são muito mais altos hoje do que alguma vez foram na História dos EUA”, sublinham os dois autores. “Especificamente, uma transição adiada e a ausência de cooperação entre a administração cessante e a que está prestes a assumir funções pode prejudicar a recuperação económica, atrasar a distribuição da vacina e, Deus nos livre, colocar vidas americanas em risco.” |
Por isso, num texto que era acima de tudo uma mensagem para Donald Trump, a frase final era previsível: “O processo de transição deve começar agora”. E, entretanto, já começou, apesar de todas as interrogações em torno do processo atual. Por via das dúvidas, será boa ideia a equipa de Joe Biden ver se está tudo bem com os teclados e, se tiver tempo, chamar um estagiário para verificar uma a uma as folhas nas impressoras. |
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O passado de Joe Biden e Kamala Harris |
O ano de 1972 viria a ser dos mais marcantes da vida de Joe Biden, então com 29 anos. Primeiro pela positiva, depois pela negativa. |
A 7 de novembro, foi eleito pela primeira vez para o Senado, tornando-se assim num dos mais jovens de sempre a conseguir chegar a um cargo daquela importância. Mais tarde, a 18 de dezembro, a sua vida teve um choque inigualável: a mulher, Neilia, e a filha, Naomi, morreram num acidente de carro, onde também ficaram feridos os outros dois filhos do casal, Hunter e Beau. |
“Seis semanas após ser eleito, todo o meu mundo mudou para sempre. Enquanto estava em Washington, recebi um telefonema. A minha mulher e os meus três filhos estavam a fazer compras de Natal, um camião atingiu-os e matou a minha mulher e a minha filha e não havia certezas se os meus filhos sobreviveriam”, contou em 2012, falando então de uma história recorrente nos seus discursos. |
À altura, Joe Biden tomou a decisão de, ainda assim, assumir o cargo para que fora eleito. Rejeitou, porém, a hipótese de a tomada de posse, agendada para 3 de janeiro de 1973, ser no Senado — isto porque não queria sair do lado do filho Beau, ainda internado. No final de contas, o seu pedido foi respeitado e o secretário do Senado, Francis R. Valeo, foi até ao hospital. |
“Ele fez um discurso onde dizia que não tinha a certeza de se viria a candidatar-se outra vez, que talvez viesse a ser um senador de um só mandato e que nem tinha a certeza de que viria a terminar o mandato. Tudo dependeria do impacto que isso teria nos filhos dele”, disse Francis R. Valeo, numa entrevista em 1996, num projeto de história oral do Senado. “Mas, na altura, fiquei logo com a sensação de que ele já estava a pensar em concorrer às próximas eleições”, referiu. Certo é que Biden viria mesmo a concorrer outras cinco vezes — sempre com sucesso —, até que em 2008 foi eleito vice-Presidente. E, em 2020, como já se sabe, viria a ser eleito Presidente dos EUA. |
Rosa Rebimbas, senadora republicana. “Aquilo que os media dizem não são os resultados em si” |
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Aos 44 anos, a luso-americana Rosa Rebimbas é uma das republicanas mais destacadas no estado do Connecticut. Depois de dez anos consecutivos a ser eleita para representar o 70.º distrito daquele estado na Câmara dos Representantes estaduais (nestas eleições foi reeleita com 59,9% dos votos), Rebimbas chega agora ao cargo de vice-líder da bancada republicana naquele plenário. Falámos ao telefone este domingo, numa entrevista totalmente em inglês. No final, já com o gravador desligado, Rosa Rebimbas insurgiu-se na língua de Camões: “Não me deu oportunidade de falar português!”. A queixa sai-lhe com um sotaque algures entre o Mondego e Douro, que logo se apressa a situar geograficamente. “O meu pai é da Murtosa e a minha mãe é de Estarreja, não sei se está a ver bem…”, diz. Estamos, claro. |
Acredita que o Presidente Donald Trump tem razão na sua insistência para disputar aquilo que já sabemos dos resultados destas eleições nos tribunais?
Ele está completamente dentro do seu direito ao prosseguir com qualquer ação judicial. E discordaria do que disse sobre o que nós já sabemos sobre estas eleições. O Presidente Trump está a tentar restaurar a integridade do nosso sistema eleitoral. |
Diria que não aceitar aquilo que é público dos resultados das eleições não pode prejudicar o sistema eleitoral em si?
Antes de tudo, nós não conhecemos os resultados. Ainda não há uma confirmação oficial dos resultados. Por isso, aquilo que os media dizem não são os resultados em si. |
Onde é que vê o Partido Republicano depois disto? Acredita que se pode falar de um Partido Republicano depois de Trump ou acha que ele vai deixar uma marca durante muito tempo?
Sempre houve um Partido Republicano: antes de Trump, durante Trump e haverá um Partido Republicano depois de Trump. Tenho orgulho no facto de termos números históricos de pessoas que vêm de minorias e de mulheres a serem eleitas a nível federal nestas eleições. Por isso estou muito entusiasmada com o futuro do Partido Republicano, porque vejo essencialmente duas coisas. Primeiro, as pessoas agora insurgem-se e candidatam-se a eleições para fazerem a diferença nas suas comunidades. Segundo, nos EUA o Partido Democrata está a ir tanto para a extrema-esquerda que muitas pessoas estão a mudar para o Partido Republicano. |
Entrou para a política antes de Donald Trump e agora ainda continua em funções, como senadora estadual no Connecticut eleita pelo Partido Republicano. Há diferenças no seu pensamento político entre o período pré-Trump e já depois da eleição para Presidente em 2016?
Não há mudança nenhuma em mim. Sempre fui frontal e sempre me apoiei nos factos. Não mudei nem planeio mudar. |
Sente-se mais próxima do Partido Republicano de Mitt Romney em 2012 ou do Partido Republicano de Donald Trump?
Não me sinto mais próxima de nenhuma maneira específica a Trump por oposição a outro Presidente republicano. Mas diria que também não me sinto mais próxima de outros presidentes. Em cada indivíduo há atributos positivos e outros nos quais podem melhorar. O que eu tento fazer é lutar pelo melhor dos cidadãos que represento. É por isso que luto. Mas em cada indivíduo há qualidade e defeitos. E será assim, quer Trump seja confirmado como Presidente ou Biden seja confirmado como Presidente. |
Há dias, um coletivo de juízes da Pensilvânia não aceitou analisar a queixa de fraude eleitoral de Donald Trump dizendo que a campanha não apresentou provas nenhumas. Como é que analisa isto?
Diria às pessoas para continuarem a ler e a olharem para os factos, em vez de olharem para o que os media escrevem. Há várias queixas colocadas não só pelo Presidente Trump, mas também por várias pessoas, e tem havido decisões de juízes que levantam suspeitas sobre as eleições em vários círculos eleitorais. Por isso, dizer que a opinião de um juiz reflete o resto do país é falso. É enganador. |
Onde é que acha que a opinião da comunidade portuguesa se insere em relação a Donald Trump?
Não creio que a comunidade portuguesa se insira toda numa categoria. Dou-lhe um exemplo pessoal: sou eleita há 10 anos numa área que é forte e predominantemente democrata, onde vivem portugueses e a minha família está registada na sua maioria no Partido Democrata. Os portugueses votam nas pessoas certas e em quem acreditam que vai representá-los melhor. Há portugueses que alinham fortemente ao lado de Trump, porque apoiam a sua ideologia pró-família, de trabalho árduo e de oportunidades através do trabalho. E há pessoas na nossa comunidade que talvez levaram a mal esta presidência e por isso decidiram votar em Biden. Por isso, não creio que possamos pôr a comunidade portuguesa numa categoria, mas estou confiante de que vão votar na pessoa que melhor os representa. |
O que aconteceu esta semana |
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- Trump aceita transição, mas recusa derrota e acusa FBI de conspiração
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O Presidente Donald Trump deu luz verde ao processo de transição para Joe Biden, mas ao mesmo tempo continuou a rejeitar conceder derrota ao democrata e insistiu tanto nos processos em tribunal para impugnar os resultados como nas acusações de fraude. |
Este domingo, numa entrevista à Fox News, a primeira desde as eleições, Trump sugeriu que tanto o FBI como o Departamento de Justiça estão envolvidos numa conspiração para impedir a sua reeleição. “Isto é uma fraude tremenda e como é que o FBI e o Departamento de Justiça… Não sei, se calhar estão envolvidos”, disse. Na mesma entrevista, disse que não irá mudar de ideias “nem daqui a seis meses”, mas admitiu a hipótese de não conseguir levar as suas queixas até ao Supremo Tribunal. |
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- Recontagem no Wisconsin dá ainda mais votos a Biden e Arizona confirma derrota de Trump
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A recontagem de votos que a equipa de Donald Trump pediu nos condados de Milwaukee e Dane no estado do Wisconsin, e pela qual pagou cerca de 3 milhões de dólares em custos administrativos, acabou por revelar resultados ainda mais desfavoráveis para o Presidente: ficou com uma desvantagem de mais 132 votos no condado de Milwaukee e com menos 45 votos de avanço para Joe Biden no condado de Dane. |
Esta segunda-feira, Trump sofreu novo revés no Arizona, depois de a vitória de Biden naquele estado ter sido oficialmente certificada. Foi também confirmada a eleição do ex-astronauta Mark Kelly como senador do Arizona pelo Partido Democrata. |
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- Joe Biden anuncia equipa de comunicação totalmente composta por mulheres
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O Presidente eleito dos EUA escolheu uma equipa de comunicação totalmente composta por mulheres. A próxima porta-voz da Casa Branca será Jen Psaki (na fotografia), que já tinha passado pela administração de Barack Obama como diretora de comunicações e que foi também porta-voz do Departamento de Estado entre 2013 e 2015. “Estas comunicadoras qualificadas e experientes trazem uma diversidade de perspetivas para o seu trabalho e um compromisso comum de reconstruir o nosso país”, disse Joe Biden, em comunicado. |
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- Joe Biden faz microfraturas no pé direito após queda
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O Presidente eleito dos EUA escorregou e caiu no sábado enquanto brincava com um dos seus cães. No dia seguinte foi visto em duas clínicas ortopédicas, tendo a segunda detatado microfraturas no seu pé direito. De acordo com o que foi comunicado pelo seu médico, Joe Biden terá de utilizar uma bota ortopédica durante “várias semanas”. |