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As sondagens são fiáveis ou é preciso olhá-las com cuidado? |
Se alguma vez for editado um dicionário ilustrado de provérbios portugueses, não seria nada má ideia ilustrar a entrada do “quem ri por último ri melhor” com a fotografia de Harry Truman a segurar a capa do jornal que o dava por derrotado. “Dewey derrota Truman”, lia-se na capa do Chigago Daily Tribune que foi para as bancas a 3 de novembro de 1948, segurada ali por Harry Truman, que afinal de contas foi vitorioso — e por isso ria-se como nunca. |
Não era para menos. Afinal de contas, todas as sondagens davam-no como derrotado — de tal maneira que até deixaram de consultar a opinião do eleitorado muito antes das eleições, julgando que a escolha estava arrumada para o lado do republicano Thomas E. Dewey. |
Elmo Roper, um dos pioneiros das sondagens políticas nos EUA, nem se deu ao trabalho de divulgar resultados a partir do início de setembro (ou seja, sensivelmente dois meses antes da votação), por achar já nessa altura que a vitória era certa para Dewey. Outro pioneiro, George Gallup, admirador do republicano, continuou a fazer sondagens até ao fim, mas concluiu sempre que seria Dewey a ganhar — e com uma “maioria substancial de votos”. A mesma conclusão também não escapou ao produtor de sondagens Archibald Crossley, que afirmou que Dewey tinha a “eleição garantida”. |
Mas não foi só nas empresas de sondagens que se cometeu este erro. Nos jornais, os dons de adivinhação também não foram muito melhores. Além da histórica (porque muito errada) capa do Chicago Daily Tribune (hoje em dia Chicago Tribune), o The Journal of Commerce publicou uma manchete que não só dava uma notícia factualmente errada como transparecia a sua parcialidade quanto ao tema: “A vitória de Dewey está a ser vista como mandato para abrir uma nova era de harmonia entre o governo e as empresas e de confiança do público”. |
Este não é o único falhanço histórico de sondagens em eleições presidenciais nos EUA — antes pelo contrário. |
O primeiro falhanço surgiu em 1936, depois de cinco sucessos de seguida: 1916, 1920, 1924, 1928 e 1932. Em cada uma dessas eleições a revista Literary Digest acertou no vencedor, com base num método pouco ortodoxo de sondagem de opinião pública: os leitores que estivessem interessados em participar teriam de cortar uma página específica da revista e assinalar nela em quem iam votar. Funcionou por cinco vezes até que, em 1936, o falhanço foi grande. A sondagem da Literary Digest apontava para uma vitória confortável do republicano Alf Landon. O vencedor acabou por ser o incumbente Franklin D. Roosevelt — com vitórias em 48 dos 50 estados e uma vantagem de 24,3 pontos sobre o seu adversário. |
Em 1980, a corrida entre Jimmy Carter e Ronald Reagan era dada como uma das mais renhidas de sempre, quando, no final de contas, o republicano ganhou 44 estados e ficou à frente por 9,7 pontos. |
E depois houve 2016 — toda outra conversa, à qual já chegaremos. |
O que se passou há quatro anos e em todas as sondagens que estão para trás está bem contado no livro “Lost in a Gallup: Polling Failure in U.S. Presidential Elections”, de W. Joseph Campbell. Por aquelas páginas, este especialista em media e professor na American University defende aquilo que me disse a mim numa entrevista por telefone a 15 de outubro: a de que não são só as sondagens que falham, mas também os media quando olham para as elas e veem nelas o que procuram e não que elas dizem. |
Na semana passada, antes de viajar para os Estados Unidos — onde agora me encontro para acompanhar os últimos dias da campanha eleitoral —, falei com W. Joseph Campbell e outros especialistas em sondagens. Todas as perguntas que lhes fiz eram, no fundo, variações de uma só: vale a pena confiarmos? |
Para ter a resposta completa, aconselho a leitura do artigo que resultou dessas conversas. Mas, para efeitos desta newsletter, deixo aqui um resumo: podemos confiar nas sondagens, mas não podemos achar que elas são infalíveis. Caso contrário, ainda fazemos as figuras de Dewey em 1948 ou de Clinton em 2016, que passou de estar de malas prontas para voltar à Casa Branca para regressar à sua casa no estado de Nova Iorque, onde hoje em dia se dedica a longas caminhadas no bosque. |
Até porque as sondagens têm muito por onde falhar — e em 2016 foi isso que aconteceu em vários casos. É aqui que olhamos, então, para o que se passou há quatro anos. |
Pode dar-se o caso de os apoiantes de um determinado partido estarem menos dispostos a participar em sondagens, levando assim a uma subvalorização desse eleitorado — algo que terá acontecido com o eleitorado de Trump. É possível também que um determinado grupo demográfico vote menos do que o esperado (como foram as minorias e os eleitores urbanos) e outros mais do que o costume (como aconteceu com os eleitores brancos e das zonas rurais. Acontece também que muitas sondagens locais são feitas com pouco dinheiro — e os jornais que as pagam acabam por escolher as versões mais baratas, onde só são feitas chamadas para telefones fixos, em detrimento das mais caras, que utilizam métodos mais sofisticados. |
Depois, há também os erros de interpretação — e aqui é a altura em que os media costumam pecar mais. Quem perdeu a paciência para isso foi Nate Silver, fundador do site FiveThirtyEight, projeto jornalístico que se dedica, entre outras coisas, à análise de sondagens políticas. Em 2012, Silver e o seu site ganharam fama ao acertarem no resultado de cada um dos estados nas presidenciais desse ano. Em 2016, porém, falharam ao dar 71,4% de probabilidade de vitória a Hillary Clinton e 28,6% a Donald Trump. |
Nate Silver, porém, rejeita as críticas de quem acha que aquela é uma falha em toda a linha — e aí aponta o dedo aos media. “Não tenho qualquer tipo de empatia com os jornalistas que não entendem o que são probabilidades”, disse num seminário em 2017. “É inaceitável quando vemos tantas afirmações desinformadas por parte de jornalistas.” |
No fundo, o que Nate Silver quer dizer é que quando se diz que algo tem 28,6% de probabilidades de acontecer, é porque pode mesmo acontecer em praticamente 3 de 10 cenários — e que muitos jornalistas, por conveniência ou erro de interpretação, terão ignorado essa possibilidade. |
Uma boa maneira de traduzir o valor de 28,6% será, por exemplo, aplicá-lo à realidade da pandemia da Covid-19. Imagine que a sua banda preferida vai dar um concerto. Agora, imagine que à entrada lhe dizem que tem 28,6% de ficar apanhar o novo coronavírus. O que faria? Fiava-se nos 71,4% de probabilidade de sair dali com a música nos ouvidos e sem doença? Ou assumia o risco dos 28,6% de apanhar Covid-19? |
Fosse como fosse, nunca poderia ter grandes certezas. Embora seja sempre melhor ter informação do que não tê-la, só quando os factos acontecem é que podemos verdadeiramente conhecê-los. Tal como nas sondagens, portanto. E, já que abrimos com um provérbio, acabamos agora com outro: até ao lavar dos cestos é vindima. Ou, como o Henrique Burnay disse sabiamente num episódio recente do podcast Café América: “Until the wash of the cestos is vindimes”. Ora nem mais. |
O que aconteceu esta semana |
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- Obama entrou na campanha para dar uma mão a Biden e atacar Trump
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O ex-Presidente dos EUA Barack Obama deu dois comícios em dois estados-chave destas eleições, numa tentativa de, a menos de duas semanas das eleições, apoiar Joe Biden, que foi seu vice-Presidente em ambos os mandatos. |
No primeiro comício, em Filadélfia, no estado da Pensilvânia, Barack Obama falou jocosamente da conta de Donald Trump na China — que o The New York Times diz ainda estar aberta, mas que o Presidente garante que fechou em 2015. “Conseguem imaginar o que é que diriam de mim se eu tivesse uma conta na China?”, disse. “Iam chamar-me o Barry de Pequim!” |
Num segundo evento, em Miami, no estado da Flórida, Obama falou num comício drive-in, onde só estiveram voluntários e membros da campanha democrata, num total de 228 carros. “Se ajudarem a reconquistar a Flórida, é o fim disto tudo”, disse Barack Obama, atestando a importância daquele estado nestas eleições. |
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- Trump e Biden enfrentaram-se no último debate
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Donald Trump e Joe Biden estiveram frente a frente em Nashville, no Tennessee, para o segundo e último debate desta campanha. Ainda antes do debate, a organização fez saber que, enquanto um candidato estivesse a falar nos seus dois minutos iniciais de cada tema, o microfone do adversário seria desligado. No final de contas, sobrou um debate muito mais sereno do que o primeiro, mas onde, ainda assim, ficaram claras as enormes diferenças entre as visões que cada um dos candidatos defende para os EUA. |
Apesar do tom mais cordial, Trump foi particularmente incisivo ao acusar Biden de ter recebido “muito dinheiro” por um negócio que o seu filho Hunter fez com uma empresa privada chinesa. O democrata negou tudo, dizendo que “nunca” recebeu “nenhum tostão do estrangeiro”. E, em troca, levantou o tema da conta bancária do Presidente na China, com este a defender-se dizendo: “A conta é de 2013, assim é que é, foi aberta em 2013 e fechada em 2015, creio”. |
À parte das polémicas que rodeiam cada um, o debate teve ainda como temas quentes as alterações climáticas, com Donald Trump a insistir junto de Joe Biden se ia terminar os subsídios às empresas petrolíferas (ao que o democrata respondeu afirmativamente) e acusou o democrata de querer banir o controverso método hidráulico de extração de petróleo e gás natural chamado fracking — algo que Biden rejeitou. Por seu turno, Joe Biden disse que, ao contrário de quando o Presidente diz que os EUA estão a “aprender a viver com a Covid”, o país está antes a “aprender a morrer”. Sobre as tensões raciais, ironizou com as comparações que Trump faz com Abraham Lincoln (que aboliu a escravatura) e disse que o atual Presidente é “um dos mais racistas da História Moderna”. |
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- Republicanos no Senado vão confirmar Amy Coney Barrett no Senado, apesar de boicote democrata
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Amy Coney Barrett tem o caminho totalmente aberto para ser confirmada como juíza do Supremo Tribunal esta segunda-feira às 19h30 de Washington D.C. (23h30 de Lisboa). Com uma maioria republicana de 53 senadores, os 51 votos necessários para ter maioria naquela câmara estão agora garantidos, já que apenas uma senadora republicana, Susan Collins (Maine), vai votar contra. |
A votação contará ainda com o boicote dos democratas, que, perante aquela maioria (que chegou a ser posta em causa numa altura em que vários senadores republicanos estavam infetados com Covid-19 ou em quarentena), não conseguem evitar a nomeação desta juíza conservadora. O líder dos democratas no Senado, Chuck Schumer, disse que este era “o processo mais ilegítimo” que alguma vez tinha visto. |
Caso se confirme a nomeação de Amy Coney Barrett, o Supremo Tribunal passará a contar com seis juízes tendencialmente conservadores e três juízes que costumam expressar opiniões mais liberais. Uma das primeiras decisões que Coney Barrett poderá ser chamada a tomar será no caso de as eleições de 3 de novembro serem impugnadas por um dos candidatos, como Donald Trump tem sugerido que pode fazer, caso perca. Durante as audições na comissão de assuntos judiciários do Senado, a juíza sublinhou que não seria um “peão” do atual Presidente. |