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Para que servem as convenções? |
As convenções dos partidos nos Estados Unidos servem para fazer uma festa a poucos meses das eleições presidenciais, que neste ano estão agendadas para 3 de novembro. Mas, por vezes, uma convenção pode tornar-se numa carga de trabalhos. E, em particular para as convenções deste ano, em plena pandemia, é uma carga de trabalhos tornar isto tudo numa festa. |
Vamos por pontos. |
As convenções podem ser uma festa porque quando se abrem as portas dos pavilhões para receber os delegados de todo o país daquele partido já é claro quem vai ser o candidato escolhido para concorrer às eleições. Desta forma, as convenções servem para se tornarem em festivais de discursos, espetáculos e artifícios. Uma produção à Hollywood. |
Às vezes, literalmente. Afinal, um desses momentos foi protagonizado pelo ator e realizador Clint Eastwood. Na Convenção do Partido Republicano de 2012, Eastwood apareceu no palco com uma cadeira vazia, fingindo que nela estava sentado Barack Obama. “Oiça, senhor Presidente…”, começou o realizador, num monólogo memorável. Mas também houve outros. De uma longa lista, podemos destacar o discurso de aceitação de Geraldine Ferraro, a primeira mulher que concorreu (e daí não passou) a vice-Presidente, na Convenção do Partido Democrata de 1984; o discurso de Barack Obama na Convenção do Partido Democrata de 2004, em que ficou a certeza de que uma dia voltaríamos a ouvir falar dele; ou o invulgar mas momentaneamente eficaz discurso de Sarah Palin na Convenção do Partido Republicano de 2008. Definiu-se como uma “simples mãe de hóquei”, desporto praticado pelos filhos, e depois perguntou: “Sabem qual é diferença entre uma mãe do hóquei e um pitbull? O batom”. |
Depois há as convenções que são uma carga de trabalhos. É o que acontece quando as eleições primárias não têm um vencedor claro — deixando o primeiro classificado à mercê dos adversários, que podem escolher um deles ou uma terceira figura para, com a soma de todos os seus delegados, puxarem o tapete a quem julgava pisar chão firme. Nessas convenções, o ambiente é instantaneamente hostil. Lá se vai a festa. |
Um exemplo clássico é a Convenção do Partido Republicano de 1976. O então Presidente Gerald Ford ganhou as primárias, com 1.127 delegados, a apenas três da maioria. Atrás, tinha um challenger: um tal de Ronald Reagan, com 1.043. Por pouco a festa não resultou em pancadaria. O incidente mais famoso da Convenção surgiu quando o vice-Presidente, Nelson Rockefeller, partiu ao meio um cartaz pró-Reagan. Enfurecido, um delegado do Utah pró-Reagan perseguiu Rockefeller até à mesa da delegação de Nova Iorque. Ali chegado, pegou no telefone que fazia a ligação ao escritório de Ford e arrancou-o pelo fio. Os seguranças evitaram problemas maiores, mas o mal já estava feito. No final, Ford venceu a nomeação, mas de pouco lhe valeu — afinal, meses mais tarde, perdeu as eleições contra o democrata Jimmy Carter. |
Em 2016, as convenções também não foram propriamente de festa. Entre democratas, a revolta dos apoiantes de Bernie Sanders contra Hillary Clinton ficou evidente, com manifestações dentro e fora do recinto da Convenção. Sanders tentou serená-los num evento próprio, alertando que o importante era “derrotar Donald Trump e eleger Hillary Clinton”. Resultado? Também ele foi apupado. Mas não tanto como o senador Ted Cruz foi na Convenção do Partido Republicano, quando sugeriu aos delegados que votassem contra Trump. A matemática, porém, não estava do seu lado — e o pavilhão também não, como qualquer pessoa dotada de audição perceberia. |
Finalmente, este ano, as convenções são festas que dão uma carga de trabalhos. Por causa da pandemia da Covid-19, ambos os partidos foram obrigados a mudar em grande parte o funcionamento das suas convenções. |
A mudança mais radical foi no Partido Democrata, que tinha tudo preparado para fazer a convenção em Milwaukee, no Wisconsin, mas que decidiu fazer tudo de forma virtual. À exceção dos oradores daquele estado, todos os restantes falaram a partir do seu canto. Joe Biden nem chegou a sair de Wilmington, no Delaware, onde vive. |
Do lado republicano também houve mudanças, mas não tão amplas. Mantém-se a decisão de fazer a convenção presencialmente em Charlotte, na Carolina do Norte — mas com menos delegados do que inicialmente previsto. Também Donald Trump não estará presente e fará o discurso de aceitação na Casa Branca. Para os que forem a Charlotte, há regras apertadas: além do uso obrigatório de máscara, cada um terá consigo um dispositivo bluetooth que ajudará a registar todos os contactos. Uma carga de trabalhos, portanto. |
O que aconteceu esta semana |
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- Convenção do Partido Democrata
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Obrigados a distanciarem-se uns dos outros por causa da pandemia, os democratas fizeram uma convenção totalmente à distância, com cada orador a discursar a partir do seu canto do país. No final de contas, ficam como discursos mais fortes os de Michelle e Barack Obama, além de vários republicanos que, desiludidos com Donald Trump, deram agora o seu apoio a Joe Biden. E, claro, o próprio candidato democrata, que no seu discurso prometeu levar os EUA até à luz que diz ver ao fundo do túnel. “Vou ser um aliado da luz e não da escuridão”, prometeu. |
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Enquanto os democratas falavam ao país de todo o lado, Donald Trump foi ao país (quase) todo falar ele mesmo. Ciente de que a agenda mediática estaria focada na Convenção do Partido Democrata, o Presidente tentou contrariar essa tendência com um roteiro de locais-chave onde discursou: Minneapolis, no Minnesota, onde George Floyd foi morto e começaram as manifestações e os motins contra a violência policial; Arizona, estado fronteiriço com o México, onde falou de imigração e do muro (que lhe trouxe uma má notícia esta semana, como veremos mais abaixo); Iowa, estado rural onde as sondagens começam a dar-lhe motivos de preocupação; além de Scranton, na Pensilvânia. |
Esta última paragem passou despercebida a poucos: além de a Pensilvânia ser um estado decisivo nas eleições, Scranton é onde Joe Biden nasceu. Quanto a isso, atirou logo ao ar que Biden pouco tempo viveu ali (a família mudou-se quando ele tinha 11 anos): “Ele vai dizer-nos que nasceu em Scranton, mas ele saiu para aí há 70 anos. Esta coisa de Scranton… ele saiu e abandonou a Pensilvânia!”. E noutro discurso também naquele estado disse: “Se querem imaginar a vida sob a presidência de Biden, imaginem as ruínas fumegantes de Minneapolis, a violenta ilegalidade de Portland e as calçadas ensanguentadas de Chicago em todas as cidades da América”. |
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- Steve Bannon, antigo diretor de campanha de Trump, detido por fraude
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Esta foi a má notícia para Donald Trump: o seu antigo diretor de campanha, Steve Bannon, foi detido por alegada fraude e desvio de dinheiro de uma angariação de fundos para financiar a construção do muito que resta no muro entre os EUA e o México. Ao todo, a campanha “We Build the Wall” juntou 25 milhões de dólares (21,1 milhões de euros) — dos quais Steve Bannon terá usado 1 milhão (840 mil euros) para pagar despesas pessoais. Steve Bannon acabou por ser libertado após pagar uma fiança de 5 milhões de dólares e à saída da esquadra disse: “Este completo fiasco é para travar as pessoas que querem que o muro seja construído”. Já Donald Trump procurou desviar-se do seu antigo assessor. “Não contacto com ele há muito tempo, não sei nada sobre esse projeto”, disse. |
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- Kellyanne Conway, conselheira de Trump, demite-se em crise familiar
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Esta segunda-feira, uma das principais conselheiras de Donald Trump, Kellyanne Conway, anunciou que vai deixar as suas funções no final deste mês. A decisão surge depois de a filha mais velha da conselheira de Trump, que tem apenas 15 anos, ter feito uma série de tweets contra o Presidente e contra a própria mãe. “Estou devastada por a minha mãe ir mesmo falar à convenção republicana. Tipo, devastada para lá de tudo”, escreveu a menor. Alguns posts também foram dirigidos contra o pai e marido de Kellyanne, George Conway, que é uma das principais figuras do Lincoln Project, grupo político que reúne republicanos contra Donald Trump e a favor de Joe Biden. Também ele se demitiu daquelas funções. A demissão de Kellyanne Conway acontecerá no final do mês, por isso é possível que ainda venha a discursar na convenção republicana, esta quarta-feira. A partir daí, será como diz no seu comunicado: “Menos drama, mais mamã”. |