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É já um lugar-comum justificar a necessidade de cuidar do ambiente e de combater as alterações climáticas com a responsabilidade de proteger as gerações futuras das consequências mais graves do aquecimento global. Porém, falamos quase sempre de modo vago — dos nossos filhos, netos ou bisnetos que estão por nascer, pessoas que não conhecemos e com as quais não temos nenhuma relação especial. Representantes anónimos de uma geração por vir que vão herdar um mundo em piores condições do que aquele em que vivemos. Frequentemente, este argumento fica aquém dos dados concretos. Quão pior do que a nossa vai ser a vida desses netos hipotéticos? Mais ainda: quão pior vai ser a vida das crianças que nascem hoje, comparada com a dos seus avós? |
Até recentemente, era difícil dar uma resposta concreta a estas perguntas. O método científico da climatologia habituou-nos à produção de projeções climáticas a longo prazo e à comparação entre períodos de tempo. Sabemos, por exemplo, que em 2100 a temperatura média do planeta poderá estar cerca de 2ºC acima das temperaturas atuais, que o risco de inundações será mais elevado, que o nível do mar subirá numa determinada medida e que os fenómenos climáticos extremos serão mais frequentes. Mas isto diz-nos pouco sobre quão diferente será a vida concreta dos nossos filhos e netos no que respeita ao clima. |
Numa altura em que os movimentos de crianças e jovens ativistas pelo clima, indiscutivelmente liderados pela sueca Greta Thunberg, têm contribuído decisivamente para colocar as alterações climáticas no centro da agenda política global e para enquadrar o tema como um conflito intergeracional (entre as gerações mais novas, que não têm poder de decisão mas vão sofrer as maiores consequências do aquecimento global, e as mais velhas, que ocupam os lugares de poder mas estarão sujeitas a um conjunto limitado de consequências dessas decisões), o climatologista belga Wim Thiery foi em busca de respostas. |
Pai de três filhos de tenra idade (entre os 2 e os 7 anos), Thiery estuda os fenómenos do clima há mais de uma década. Mas foi ao olhar para os seus próprios filhos que se deu conta de que ninguém antes dele procurara quantificar o impacto das alterações climáticas, não dentro de cinquenta anos, mas na vida concreta daquelas crianças que tinha em casa — que já nasceram e cuja vida já será vivida num mundo em média mais quente do que aquele em que cresceu o próprio Thiery. |
Wim Thiery juntou um grande consórcio de cientistas de vários pontos do globo e lançou-se num estudo inédito, procurando quantificar, para vários cenários de evolução do clima terrestre, quão mais expostos a um conjunto de fenómenos extremos vão estar as pessoas nascidas em cada ano até 2020 em comparação com a geração dos que nasceram em 1960. Os resultados são “alarmantes”, admite o próprio Thiery. De acordo com o estudo, publicado no final de setembro na revista Science, durante a sua vida, uma criança nascida em 2020 vai testemunhar, em média, o dobro dos ciclones tropicais, o dobro dos incêndios, o triplo da escassez agrícola, o triplo das secas, o triplo das inundações em rios e sete vezes mais ondas de calor do que os seus avós nascidos em 1960. |
“Eu já era climatologista antes de ter filhos, mas foi só quando tive o meu primeiro filho que me apercebi verdadeiramente de que eles vão estar vivos quando o clima futuro que eu estudo se tornar uma realidade”, disse ao Observador Wim Thiery numa entrevista gravada à distância poucos dias depois da publicação do estudo. “Ter um filho faz-nos perceber que tudo se torna mais tangível. Eles vão estar vivos nesse momento. Eles vão saber qual dos cenários se terá tornado realidade nessa altura.” |
Na entrevista, que foi publicada esta quarta-feira no Observador e que pode ler aqui, Wim Thiery explica com mais pormenor as conclusões do seu estudo inédito, revela o que o levou a investigar as desigualdades intergeracionais e diz-se confiante de que o documento venha a estar em cima da mesa na COP 26, a grande cimeira do clima das Nações Unidas que se realiza já no próximo mês em Glasgow, no Reino Unido, e na qual os países signatários do Acordo de Paris deverão aumentar a ambição das suas políticas climáticas: “Espero que os políticos recolham toda a informação que nós, cientistas, lhes fornecemos, e que a usem para construir um futuro melhor.” |
Proteger o ambiente e lucrar com isso? Não é impossível |
Com efeito, a COP 26 tem sido apontada por cientistas e ambientalistas como, provavelmente, a última grande oportunidade para que os decisores políticos atuem no sentido de combater as alterações climáticas antes que várias das suas consequências mais desastrosas se tornem irreversíveis. O mais recente relatório do IPCC, publicado oportunamente a três meses do início da cimeira, foi classificado como o último aviso dos cientistas aos políticos: é necessário tomar medidas para que o objetivo de Paris (limitar o aquecimento global até ao fim do século a 1,5ºC em relação ao nível pré-industrial) seja possível de alcançar — antes que seja tarde demais. |
Porém, já há sinais de que a COP 26 vai ficar aquém dos objetivos traçados. Vários altos funcionários do Reino Unido (país anfitrião), das Nações Unidas e dos Estados Unidos assumiram sob anonimato ao jornal The Guardian que não é realista acreditar que a cimeira de Glasgow consiga, de facto, mobilizar as maiores economias do mundo no sentido de cortar para metade as emissões de gases com efeito de estufa até 2030 — o objetivo central para que as metas de Paris não se tornem inalcançáveis. |
O principal entrave ao avanço mais rápido de políticas sustentáveis tem sido, sem surpresas, o dinheiro. Com uma economia global ainda largamente dependente dos combustíveis fósseis, o acelerar da transição energética implica a procura de soluções que sejam sustentáveis quer do ponto de vista ambiental, quer do ponto de vista económico — e isso tem sido um desafio assinalável e obrigado Estados e empresas a ter, muitas vezes, de escolher entre a proteção do ambiente e a sustentabilidade financeira. |
Todavia, há algumas soluções pelas quais alguns setores industriais podem começar a revolução sustentável sem prejuízo financeiro — e em alguns casos até com possibilidade de lucro. |
De acordo com um relatório recentemente publicado pelo think-tank Energy Transitions Commission, sediado em Londres, uma medida poderá revelar-se fundamental para limitar o aquecimento global e ao mesmo tempo ajudar nos lucros empresariais: um corte considerável nas emissões de metano. |
Apesar de a expressão gases com efeito de estufa nos remeter quase de imediato para o dióxido de carbono, a verdade é que este gás representa apenas 74,4% das substâncias emitidas para a atmosfera que retêm a energia solar e aquecem o planeta. Em segundo lugar na lista surge o metano, que representa 17,3% de todas as emissões daquele tipo de gases. Mas, apesar de o metano ser emitido em quantidades quatro vezes menores que o dióxido de carbono, trata-se de um gás com uma capacidade para aquecer o planeta 80 vezes superior ao CO2. Isto significa que um corte significativo nas emissões de metano terá um efeito enorme no combate ao aquecimento global. |
Além disso, esse corte pode obter-se através de métodos que contribuem para a sustentabilidade financeira das empresas. É que o metano é o principal componente do gás natural, e uma grande parte do metano emitido para a atmosfera resulta de fugas causadas por danos em infraestruturas, incluindo plataformas de extração ou gasodutos. Reforçar essas estruturas para diminuir ou eliminar as fugas será bom para o ambiente e para a sustentabilidade das empresas de energia. |
Evidentemente, importa sublinhar que esta recomendação surge num documento do Energy Transitions Commission, um think tank ligado à indústria energética do qual fazem parte vários elementos das principais empresas petrolíferas do planeta — e seria surpreendente se o documento fizesse um apelo explícito ao fim imediato do recurso a combustíveis fósseis. Mas uma coisa é certa: há soluções e tecnologias que podem ser implementadas no curto prazo e que podem ter um impacto positivo no curto prazo. Resta saber que compromissos vão sair de Glasgow no próximo mês. |