A geógrafa e climatóloga Ana Monteiro considera que não devemos combater as alterações climáticas, mas sim adaptarmo-nos a elas, e que essa adaptação não passa por medidas abrangentes como a descarbonização, mas agindo à escala de bairro.

“Abomino a expressão ‘combater’ as alterações climáticas. Não vamos combater nada, temos de nos adaptar — é outra postura. Quando digo combater, estou a assumir uma posição de controlo, pelo menos vou lutar para ganhar. Quando eu me adapto, é como num casamento, ou numa amizade (…), vou tornar-me menos vulnerável àquilo que eu acho que me incomoda”, afiança a cientista.

Para a professora catedrática e investigadora do Departamento de Geografia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, “no caso climático, o discurso do combate é perigoso, porque nos dá a impressão de que a ciência e a técnica são capazes. Não são, não é possível”.

Nas suas aulas, Ana Monteiro costuma perguntar aos alunos do primeiro ano se “estão preocupados com os relatórios [que mostram] 1,5 a 2° Celsius de subida” da temperatura do planeta, mas lembra que, “quando a revolução agrícola se dá, na área de Mesopotâmia, a temperatura média global era 5° Celsius superior à atual”. “Porque é que os dados atuais nos preocupam? Porque sinalizam uma vulnerabilidade que, à época, não existia. Ocupamos áreas onde, sem abrigos, não sobrevivemos”, explica.

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A cientista considera “infantil” a promessa de que “quem se porta bem vai ter um prémio”. “Isso não existe no sistema climático”, assevera, acrescentando que, “pelo facto de agir, não modificando tanto a composição química da atmosfera, não enviando tantos excedentes energéticos para a atmosfera”, não há garantias de que quem o faz seja o beneficiário dessa ação.

Por isso, defende cidades adaptadas: “Adaptada não quer dizer que não tenho riscos”. “Quer dizer é que tenho conhecimento desses riscos e impermeabilizei o solo, escolhi modelos construtivos, levo um ritmo de vida e uso formas de me transportar que me tornam menos vulnerável, porque mexer no sistema climático, não há ninguém que mexa”.

Com a pandemia de covid-19, esperava que o paradigma mudasse, com a sociedade a perceber que o bem-estar começa no bairro. “Foi uma das grandes alegrias, no meio da depressão, pensar que vamos aprender que o paradigma de vida é importante. Que quem morava num bairro social ou no centro esteve pior do que quem tinha um jardim à volta. (…) E essa é uma grande frustração hoje, que é ver replicar exatamente o mesmo modelo. Não aprendemos nada. Havemos de aprender um dia”, afirma.