Soubemos todos, esta semana, que as médias de entrada nas universidades subiram novamente. E subiram a um nível desproporcionado (pode-se usar o sistema de exames como desculpa e não andará, parcialmente, longe da verdade). Não basta já ser bom aluno. É preciso ser excelente aluno para uma boa maioria de cursos onde, diria, não são necessários génios mas, antes, pessoas capazes, com drive, com motivação, que gostem do que fazem, que tenham características alinhadas com o pretendido pelo mercado e no sentido de se tornarem profissionais válidos e valores seguros em termos futuros. Mas serão os bons alunos das médias, verdadeiramente bons alunos, sentido lato?

Estas médias de entrada colocam em causa uma série de princípios que, minha opinião, devem estar presentes na admissão de um aluno a uma universidade (vejam-se algumas das universidades mais internacionais e mais cotadas e seus processos de recrutamento). E elevam igualmente as expectativas dos alunos que, depois de entrarem, se esgadanham em manter médias acima do normal. E quando assim é, o sistema de avaliação começa a colapsar. Nem todos são excelentes e impõe-se uma certa normalidade. Se as notas forem todas excelentes começa a deixar de se perceber muita coisa. Nomeadamente quem é quem.

Atenção que discordo em absoluto do fim dos exames nacionais para passarem a ser as universidades, só as universidades, a estabelecer os seus critérios de entrada. Mas discordo também, em absoluto, que as universidades não possam adicionar à média e aos exames nacionais, para com ela fazer também média, outros critérios de admissão.

Senão vejamos:

  1. O critério de admissão média não cria qualquer diversidade nos entrantes. Antes pelo contrário. Tende a homogeneizá-los. Ao homogeneizar candidatos, transforma os entrantes em apenas médias. Ora, um candidato é muito mais que uma boa média. E, ao ler as médias de determinados cursos, fico com a exata sensação do que se vai passar depois (e do que não se vai passar): médias altas, candidatos homogéneos, híper centrados em si próprios e em scores e pouco abertos à partilha, até de ideias, à construção em grupo e em grupos constituídos por pessoas diferentes. Tenho, pois, as maiores reservas a se usar apenas a média como critério de seleção, que sirva para caracterizar um candidato de forma plena, em particular admitindo que se pretende diversidade que, desta forma, não será conseguida;
  2. O critério de admissão média não cria, adicionalmente, alinhamento com algumas das competências que serão mais exigidas nos próximos anos e, fazendo jus ao que vem veiculado no World Economic Forum: desconhece-se a propensão à coordenação de outros, à gestão de pessoas, à criatividade e eventualmente às tão necessárias questões relacionais. Pergunto ainda, porque o mercado exige cada vez mais líderes, como conseguem as médias, apenas, perscrutar alguns dos perfis potenciais de liderança?
  3. O critério de admissão média não transmite, finalmente, nenhuma informação sobre a vida do candidato quanto a outras atividades que não letivas: onde fica o desporto, onde ficam os hobbies e interesses, onde fica a componente empreendedora, onde fica a componente desenvolvimento pessoal e ajuda e apoio a terceiros? Onde ficam as artes, a filosofia, a história e as línguas? Onde se avalia a desenvoltura do candidato, por exemplo num palco, ou perante uma plateia, perante um desafio de grupo, perante uma competição de grupos, perante uma prova de orientação, perante um desafio que não o de um teste de papel e lápis?

E se isto assim é, não estaria na altura de, juntando aos exames nacionais, que me parecem críticos que existam, criar outro tipo de crivo à entrada que passasse por provas de grupo, por entrevistas, por conversas com pares e professores, por desenvolvimento de temas e sobretudo por provas orais? Foco-me em duas dinâmicas que deveriam mesmo existir porque são simples de implementar e fáceis de desenvolver pelas universidades: entrevistas e provas orais. Entrevistas, porque muito se percebe do potencial do candidato, e orais, porque muito se antevê sobre o perfil do candidato. Parece-me que, sem pelo menos estas duas, a avaliação é redutora.

Provas adicionais são cada vez mais críticas para conseguir aferir o que nos traz um candidato. Uma média é uma média. E pode bem dissipar-se e/ou apenas criar uma tirania de médias que se propaga para o futuro. Para além de criar perceções erradas, i.e., de que a média é um poder (é o poder) – que não é. O sistema, se quiser evoluir, terá de incorporar outras dimensões e variáveis para poder avaliar candidatos. Porque os melhores, em notas, podem não ser necessariamente os melhores e os mais completos. E podemos, em paralelo, estar a deixar de fora e em determinadas áreas, pessoas mais completas e, de futuro, profissionais de mão cheia.

Disclaimer: longe de mim negar o mérito a quem entrou. Nada disso. Os meus parabéns a todos quantos entraram com médias, digamos, estratosféricas. Antes chamar a atenção para o facto de uma média não definir um candidato. E estará sempre longe de o fazer, porque claramente redutora.

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