A alienação parental é violência doméstica.

Muitas pessoas imaginam que a alienação parental é iniciada apenas depois da separação ou divórcio do casal conjugal, mas através da nossa experiência observarmos que, muitas vezes, esta situação se inicia ainda durante o casamento, ou mesmo ainda no namoro, sendo reforçada com o divórcio ou a separação.

O objetivo deste artigo é voltar a caracterizar os comportamentos e atitudes normalmente adotados entre marido e mulher, companheiro e companheira, para identificar a alienação parental durante o casamento ou união de fato, com exemplos de testemunhos reais do António, do Paulo e da Ana (autorizados para divulgação com nomes fictícios), recolhidos junto de vários casos que acompanho vitimizados por essa circunstância.

Nas situações de alienação parental durante o casamento, é comum observar atitudes e comportamentos por parte do marido ou mulher (companheiro/a) alienante a que devemos estar muito atentos.

1.Tem comportamentos e atitudes alienadores subtis ou disfarçados

A violência doméstica, através de comportamentos e atitudes alienadoras entra na vida dos casais de forma subtil e gradual, de forma disfarçada. Como referiu o António, surge “com subtileza, mas com uma eficácia assustadora” (sic), ou como Ana disse: “Nada disto é de uma rajada, ele era muito subtil” (sic). São comportamentos que visam confundir as emoções do par e as suas relações afetivas: “No meio da verdade ele metia a mentira e, mais uma vez o drama e a vitimização, eu ficava confusa” (sic). São comportamentos e atitudes alienadoras de que a vítima pode não se aperceber logo, como nos relatou António: “Eu não me apercebia, mas a minha mulher ia-me isolando de tudo e de todos” (sic), ou como referiu Ana: “Ataca cirurgicamente família, amigos e sempre, cada vez mais. Fui ficando isolada” (sic).

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2.Vai criando estratégias para levar a família e/ou amigos a isolarem socialmente o marido ou mulher (companheiro/a) alienado/a 

Durante o relacionamento da vida em casal, o elemento alienador começa a reduzir a liberdade da ‘vítima’, isolando-a socialmente dos familiares, amigos e de todos os outros que se preocupam com o seu bem-estar, reduzindo a visibilidade e liberdade da vítima, como testemunhou o António: “Nunca quer ir a lado nenhum e faz tudo para evitar que vamos, o Reino dela é dentro de casa,  contatos com outras pessoas evita-os ao máximo” (sic). Desta forma, o agressor(a)/alienador/a) procura afastar a vítima/alienado da sua rede social e familiar, tornando-a mais isolada e, desta forma, mais facilmente manipulável e controlável do que uma vítima que tem uma saudável e presente rede de apoio familiar e social. Sobre este tipo de comportamentos, o Paulo referiu-nos que: “Ela isolou-me da minha família porque dizia que os elementos da minha família a desrespeitavam; ela via más intensões e segundos sentidos desrespeitosos em muitas ocasiões, que frequentemente só ela via ou entendia assim. E deste modo foi também criando conflitos diretos com alguns elementos da família. Por isso não queria ir a encontros e eventos de família, nem gostava que eu fosse. Exigindo lealdade da minha parte nesse sentido e eu para não arranjar mais conflitos com ela, eu ia recusando esses contactos e afastando-me dos meus familiares” (sic).

O alienador vai criando desconforto nos outros, nomeadamente, na família, fazendo com que eles próprios se afastem, criando o isolamento da família. O António mencionou que: “Com a família foi criando mal-estar quando presentes…De tal forma que a minha família nem sequer queria vir para não se sentirem a forma como eram tratados” (sic). Ou, como refere Ana: “Ele colocava verdades com mentiras para denegrir as pessoas que me eram próximas. Para ele a mulher do meu irmão, no início, era uma pessoa fantástica. O meu irmão era uma pessoa fantástica. Com o passar do tempo, consoante o perigo que as pessoas lhe podem causar, a ele, ao lidarem comigo, e ficando eles a saber cada vez mais pormenores sobre o meu contexto familiar, eles passam de bestiais a bestas. A minha cunhada já era uma pessoa péssima, ingrata, tóxica, etc. “(sic).

O alienador vai criando na vítima alienada isolamento dos amigos, e assim, sem se aperceber, a própria vítima acaba por se afastar dos outros, quer por vergonha da situação de violência que experiencia ou são mesmo os familiares que se afastam. Como nos partilhou o António: “Com os amigos era fazendo com que eu não estivesse com eles, arranjando formas de eu não ir ter com eles, e quando por vezes iam la a casa ela criava um ambiente tão pesado que eles também acabavam por não querer ir…E assim ela tinha o controle de tudo” (sic); e também a Ana: “Ou que a minha amiga é “parva” e ele “não estava para aquilo”, tratando-a com indiferença, a ela e ao marido. Era muito desconfortável, para não dizer pior. Era ele que muitas vezes insistia em convívios com amigos ou família e depois chateava-se comigo, ou arranjava forma de me stressar de tal forma, com discussões, que já eu não queria festas nem ninguém lá em casa” (sic); ou como nos relatou o Paulo “Ela isolou-me dos amigos desincentivando e negando se a conviver com eles, ou porque não simpatizava com os meus amigos ou porque criava conflitos com eles (raro, mas aconteceu)” (sic).

3.Vai criando estratégias de forma a isolar o marido ou mulher (companheiro/a)
alienado/a na sua própria casa

Outra estratégia de alienação, é manipular a vítima alienada, procurando, por um lado, enclausurá-la em casa e afastá-la do convívio com a família ou amigos e, por outro, afastá-la da relação com o alienador, criando na vítima alienada um sentimento de isolamento dentro da sua própria casa. Como referiu o António, o alienador assume uma atitude de “Chega pra lá, contato físico sempre distante, mesmo na sala…Na cama um afastamento geral sempre chegava a sair da cama e se deitar com o filho e eu depois decidi que era melhor eu sair da cama” (sic), ou como relatou a Ana: “Numa altura foi uma amiga minha lá a casa, para um lanche.  Como ele não podia estar presente e, portanto, sem controle, ele criticou dizendo que não entendia o porquê do lanche e não gostava que ela lá fosse, e chegou a manifestar desconfiança em relação à minha amiga, amiga esta que ele conhecia bem e também era amiga dele” (sic).

4.Vai criando estratégias de forma a diminuir a autoestima e autoconfiança do marido ou mulher (companheiro/a) alienado/a 

Outra forma de alienação, utilizada pelo/a alienador/a durante a vivência do casal em conjunto tem como objetivo diminuir a autoestima da vítima alienada, criando-lhe um sentimento de insegurança. Como contou a Ana: “Comecei a ficar confusa, com baixa autoestima, triste e sempre em pânico dos “stress’s” dele” (sic), ou: “Em conversas sobre temas variados, se eu dizia “A” ele queria entender “B” e colocava bastante ruído na conversa, ao ponto de eu já me confundir, para desacreditar-me, retirar-me razão, eu era a que nada compreendia. Ele dizia que “não falávamos a mesma língua,” mas, segundo ele, porque eu não tinha capacidade para o entender e porque eu queria sempre arranjar conflito” (sic).

Outra estratégia de alienação, é fazer sentir que o outro é incapaz diminuir a autoconfiança da vítima, de que é exemplo o testemunho da Ana: “Eu acreditava nele, acreditava que as queixas dele eram reais. Afinal, a culpa é minha, sou eu que não o entendo, que não sirvo para nada, etc. Eu queria sempre proporcionar-lhe bem-estar, com um sentimento de culpa enorme, e esforçava-me para atenuar “o sofrimento” dele” (sic).

5.Tem comportamentos e atitudes controladoras para com o marido ou mulher (companheiro/a) alienado/a

Outra estratégia de alienação de abuso social, é através de comportamentos controladores, reduzindo a liberdade da vítima com o objetivo de manter o controle e procurando limitar-lhe a liberdade. Como exemplo, o António referiu que: “vou mantendo a relação abdicando de muitas das coisas que gosto de fazer, cada vez me afastando mais dos meus amigos (sic). Usam situações de controlo do dia a dia do outro, alienado, exigindo que não saia sem ele ou sem o informar, como testemunha Ana “Situações tão comuns como deslocar-se de carro para um compromisso simples, ele fazia disso uma batalha de vida, um drama, como se de um ato difícil se tratasse. (sic); ou manipulado sem se aperceber, como referiu o António “com subtileza, mas com uma eficácia assustadora vai conseguindo, tornando-me eu num autêntico zombie que manobra como quer e lhe apetece” (sic), ou como referiu Ana: “Segundo ele eu era livre para estar com amigos, ir a um café, etc., mas tal nunca acontecia. Se eu quisesse combinar alguma coisa ele punha sempre entraves e fazia grandes questionários. Deixava-me sempre desanimada, sem vontade de fazer nada com ninguém” (sic).

6.Tem comportamentos e atitudes dominadores e abusivos para como o marido ou mulher (companheiro/a) alienado/a 

Outra estratégia de alienação é através da adoção de comportamentos dominadores e abusivos, que, ao longo do tempo, se traduzem numa espécie de relação mestre e subordinado, este testemunho da Ana é um exemplo disso: “Passado pouco tempo as discussões começam, em tom acusatório, sendo a culpa sempre minha. Ora porque estava cansado, ora porque estava doente, ora porque não tinha comido” (sic). Por mais que a vítima se esforce, o seu esforço nunca será suficiente: “Nunca ajudava em nada, nem mesmo na educação da nossa filha, mas gostava muito de mandar, sempre. E sempre para interferir e ser o detentor da palavra” (sic).

7.Tem comportamentos e atitudes de desautorizar o marido ou mulher (companheiro/a) alienado/a em frente dos filhos

Interferindo na relação educativa com os filhos, o alienador tentar limitar o tempo que a criança passa com o outro, seja por meio de manipulação de horários ou criando atividades que impossibilitem a convivência, ou também desautorizá-lo em frente dos filhos, com o objetivo de mostrar que o outro é incompetente. Sobre esta dimensão, a Ana mencionou: “Como eu estar a insistir que a menina comesse a sopa, simplesmente, e ele intrometer-se para eu não dar sopa e deixar de “a chatear”(sic).

8.Tem comportamentos e atitudes que visam retirar o marido ou mulher (companheiro/a) alienado/a do acompanhamento do dia a dia dos filhos e reduzir as suas responsabilidades educativas

Outro comportamento corresponde a alienar o outro, retirando-o do dia a dia e das tarefas diárias e responsabilidades educativas com os filhos, como relata o Paulo “Em relação ao H, apesar da insegurança inicial dela nas tarefas parentais, cedo ganhou confiança nas mesmas. Com o aumento dos nossos conflitos conjugais, ela foi me retirando gradualmente de tarefas parentais como dar banho, mudar a roupa, mudar as fraldas, dar biberão ou sopa (e aumentando-me as tarefas domésticas, como limpezas, fazer refeições, arrumar a cozinha ou ir ao supermercado)” (sic).

9.Faz comentários desagradáveis ou depreciativos para desqualificar/denegrir humilhar o marido ou mulher (companheiro/a) alienado/a

Outra estratégia de alienação e de violência emocional e psicológica, consiste em desprezar, menosprezar, criticar, insultar, humilhar ou diminuir a vítima, em privado ou em público, por palavras e/ou comportamentos, como referiu a Ana: “os maus tratos cada vez se tornam piores, o desprezo a humilhação eram a norma, mas, a bem do casamento, do filho e de a ter que proteger e não abandonar (era minha esposa, mãe do meu filho)” (sic). Ana acrescenta que além de ser constantemente diminuída, era levada a crer que os outros também achavam o mesmo: “E ainda argumentava que só ele tinha capacidade para enfrentar e fazer esse tal compromisso. Começava a ser ilógico e eu dizia-lhe isso mesmo – “O que é que se passa? Mas porquê esse stress todo, porque é que estás assim?” –  Virava-se contra mim e até já dava exemplos que os meus amigos e os meus familiares acusavam-me do mesmo que ele” (sic). No mesmo sentido Paulo referiu que: “A mãe do meu filho quando estávamos casados, e quando estávamos a sós, diminuía-me insinuando que eu andava a cativar outras mulheres, que eu era burro, por exemplo, não conseguir mudar comportamentos, e que eu era mentiroso (o que era altamente falso)” (sic).

O alienador/a procura repreender o alienado/a em frente dos outros que respeitam e se importam com o/a companheiro(a). Denigrem e depreciam o outro dizendo-lhe que é um inútil, que faz tudo mal, fazendo-o acreditar que é incapaz. Como nos relatou a Ana: “Em convívios com amigos, família, dava “bocas”, indiretas e, subtilmente, ia-me stressando para o meu comportamento alterar-se. Quanto mais impaciente e irritada eu ficava, mais ele se fazia de vítima e agudizava a situação” (sic); ou ainda: “Ele é que sabia, ele é que era inteligente, ele é que trabalhava, ele é que era bom” (sic). O António referiu que a companheira lhe dizia: “Não consegues fazer nada de jeito” (sic) e referiu que “as frases são sempre as mesmas “não foi isso que eu disse!” ou que o menosprezando-o e aos filhos, a companheira lhes dizia: “vocês são muito sensíveis” relativamente a mim e aos miúdos” (sic).

10.Profere falsas imputações de infidelidade ao marido ou mulher (companheiro/a) alienado/a

Outra estratégia de alienação é proferir falsas acusações de infidelidade em relação o outro, como nos contou o Paulo: “Em termos de infidelidade, fazia sobretudo acusações de que eu andava a cativar outras mulheres, trocando olhares com elas, falando de forma simpática com elas” (sic). Ou, como acrescentou o Paulo: “Ela isolou-me dos amigos (…) ou porque ela tinha desconforto em estar com amigas minhas que tinham tido interesse (amoroso) por mim” (sic).

11.Cria um sentimento de culpa no marido ou mulher (companheiro/a) alienado/a

Um comportamento comum de alienação é também o de criar um sentimento de culpa na vítima alienada, porque as situações da vida do casal não correm bem. A título de exemplo, Ana referiu que: “Passado pouco tempo as discussões começam, sem se perceber muito bem porquê, a culpa era sempre minha. Ora porque estava cansado, ora porque estava doente ora porque não comia, hoje sei tão bem o que ele fazia. Ele dramatizava, exagerava mesmo, situações comuns, alguma coisa que eu lhe pedisse, ou dissesse, no seu dia a dia, sempre a vitimizar se, sempre. A empolar essas mesmas situações. Lembro me que eu acreditava e ficava preocupada com um sentimento de culpa enorme, e esforçava me para atenuar “o sofrimento” dele” (sic).

12.Cria situações que impedem o marido ou mulher (companheiro/a) alienado/a de conseguir sair da relação abusiva alienadora

A violência exercida pelo/a alienador/a, leva a vítima alienada a sentir que quer acabar a relação, a libertar-se deste abuso constante durante o casamento, mas não consegue, porque é novamente manipulada e sem quase compreender mantem-se nesta relação abusiva. Sobre esta situação, a Ana relatou-nos que: “Nas 3 tentativas de eu o deixar, ele ou fingia que se estava a sentir mal, ou que o pai tinha um problema de saúde ou vitimizava-se. Eu voltava e, em pouco tempo, ele colocava-me como a culpada. Eu culpabilizava-me e prometia-lhe que lutaria pela relação, eu mudaria, pois, a culpa era “minha” (sic), ou que: “Quando percebe que abusou e estou a atingir níveis que poderiam levar a rotura, aí vem ela, dando um doce, nunca completo, mas que transmite esperança que tudo melhore, que a anterior pessoa volte e vou deixando o tempo passar, mas, claro, nada se altera e passado pouco tempo volta ao registo habitual” (sic).

Nos seus testemunhos, Ana referiu ainda algumas outras características das pessoas alienadoras e manipuladores: “Este tipo de gente emana um enorme charme emocional para familiares, amigos e para a sociedade. Vestem-se bem, cuidam-se bem. Pessoas viáveis profissionalmente. Gostam de crianças, animais, velhinhos e defendem os oprimidos: Tudo mentira. A mentira faz parte do seu carácter. Desde a enganar-me com mulheres, ou mentir sobre a idade dele. Quanto mais charmosos, atenciosos, vaidosos, mais perto estão de nos apunhalar nas costas” (sic).

Neste doloroso processo as vítimas alienadas começam a desistir, num enorme sofrimento e cansaço, como nos conta Ana: “Começamos a ficar cansadas e confusas e a baixar as defesas. No fim sentimo-nos exaustas, sem força para argumentar. Só não queremos mais discussões, mais pânico, mais medo. Dizemos sim a tudo. Achamos que não valemos nada e vamos chorar para um local escuro, longe de tudo e de todos” (sic).

É fundamental que estejamos atentos a este tipo de comportamentos e atitudes, porque quando as vítimas estão há muito tempo num relacionamento destrutivo, alienador, nem sempre se apercebem da sua situação e torna-se difícil de reconhecer o abuso de que são vítimas.

Se reconhece que é vítima deste tipo de comportamento e atitudes por parte do/a seu/sua companheiro (a), opte por não ignorar a situação e peça ajuda a um amigo, familiar ou a um profissional de saúde mental.  Depois da separação ou divórcio estes comportamentos tendem a agudizar-se, frequentemente acrescentando os filhos como vítimas, que irão também sofrer os comportamentos e atitudes alienadoras.