Estamos à beira de mais um ano e já o horizonte para 2024 se afigura como potencialmente tempestuoso. Existe, aliás, uma muito considerável probabilidade de que venhamos a ser chamados de novo a intervir e ajudar aqueles que se encontram em condições socialmente mais frágeis.

Como economista, foi com preocupação que registei as declarações recentes do Governador do Banco de Portugal, dando conta de que “Os próximos meses serão de aperto financeiro, com os efeitos da política monetária a fazerem-se sentir em pleno”. E não pude deixar de associar – a esse aviso – a informação também divulgada pela conceituada Pordata no Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza: Quase dois milhões de Portugueses são pobres e, como afirmou então o senhor Presidente da República, “Essa é uma realidade com a qual não nos podemos conformar”.

O aperto financeiro mencionado pelo Governador Mário Centeno virá assim juntar-se ao aumento do custo de vida provocado pela subida dos preços da habitação, dos alimentos e dos combustíveis, entre outros fatores.

Infelizmente, basta caminharmos na rua para vermos os resultados mais visíveis dessa pobreza no número de pessoas em situação de sem abrigo, que aumenta nas grandes cidades. Esses serão os exemplos de uma mais radical marginalização social, mas muitos outros casos há – invisíveis e ignorados – de pessoas obrigadas a excluir da sua vida inclusivamente bens alimentares essenciais, por falta de meios ao seu dispor. Esta é questão de emergência social a resolver.

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A somar a esta situação interna, a nível internacional assistimos a um cenário dominado pela continuação da guerra na Ucrânia e o surgimento recente de outra, declarada por Israel em retaliação aos atos bárbaros e terroristas do Hamas. Tudo isto, como sabemos, se reflete na Economia e, portanto, nas nossas vidas.

Há poucos dias, um artigo da ‘Project Syndicate’ salientava que os líderes políticos devem concentrar-se em mitigar o risco de uma maior fragmentação e evitar um rápido mergulho na desordem internacional, reforçando a arquitetura multilateral existente. Mas, para isso, terão que revigorar iniciativas de reforma em instituições-chave, começando pelo Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial.

Como avisava o autor do artigo, se o atual quadro internacional fracassar, não será substituído por um novo sistema ancorado pela China, mas por mais desordem global. E um resultado desses prejudicar-nos-ia a todos no curto prazo.

Dito tudo isto, não devemos esquecer as lições da História e muito menos olharmos para o presente como se fossemos impotentes para modificar as circunstâncias que nos rodeiam. Basta recuarmos 50 anos, até 1973, para recordarmos como sobrevivemos a um planeta agitado pela guerra do Vietname, a constante ameaça de uma hecatombe nuclear como resultado da Guerra Fria, a nossa guerra em Angola, Guiné e Moçambique, atentados bombistas por terroristas no coração da Europa, pelo Baader Meinhof na Alemanha, o IRA na Irlanda do Norte a ETA aqui ao lado em Espanha.

Infelizmente, fruto do pior lado da natureza humana, esses tipos de acontecimentos sempre existiram e existirão, alguns deles inevitáveis, outros evitáveis e, outros ainda, sanáveis. Sobretudo as que forem calamidades subjacentes às decisões e tarefas humanas, por ação, omissão ou até, por objetivação das mesmas quando lesivas dos Direitos Humanos, da castração das liberdades, da subjugação dos povos ou da sua exploração, da intencional inquinação do Direito ou da sua eliminação, do incentivo das guerras, da economia ao serviço da usura e do empobrecimento coletivo.

Dito isto, impõe-se regressar à necessidade imperativa de reunirmos positivamente as nossas energias e o nosso trabalho no sentido da esperança e lembrarmos que nem a perseguição pelos regimes totalitários, nem a pandemia da Covid 19 que nos obrigaram ao confinamento, nada disso foi mais forte do que a solidariedade e do que a esperança, partilhadas.

As instituições decisoras no mundo e nos países são organizações de homens e mulheres, compelidos na sua maioria a conviver e a estabelecer entendimentos para a prossecução de bens mais elevados, quiçá da própria sobrevivência da humanidade ou mesmo do mundo.

São tempos desafiantes, estes. E as encruzilhadas em que nos encontramos demonstram um avassalador acréscimo de guetos e becos sem saída, em grande parte devido ao facto de os governantes, decisores e muitos outros servidores, se colocarem perante as ocorrências como meros intervenientes dos interesses imediatos, da busca pela satisfação dos egoísmos misóginos e xenófobos e da inevitável ascendência dos autoritarismos impositivos, sem cuidar das visões alheias e das vontades do próximo, do outro, do diferente e diverso.

Urge dirigirmos a nossa atenção e disponibilidade para aqueles que sofrem, para o desvalido carente, o excluído temerariamente, o preso esquecido, o idoso abandonado, o doente maltratado, o órfão institucionalizado e todos os degradados no nosso mundo, onde parece não caber a tolerância, a bondade, a fraternidade e a caridade, muito para além das estúpidas guerras que tudo destroem e dos milhões de refugiados que vagueiam por esses desertos sem fim.

Temos de continuar atentos e intervenientes junto de quem precisa de nós. Mantermo-nos cientes de que – cada um de nós – precisa de estar acompanhado e sentir afeto, numa mesma prática e numa mesma partilha. Num caminho assente na ética da reciprocidade. No cumprimento da regra de ouro que nos diz: “Cada um deve tratar os outros como gostaria que ele próprio fosse tratado”.

Precisamos de inquietar-nos cívica e moralmente para combater a apatia e os travões que resultam dos preconceitos e limitam ideias e vontades.

Afinal, aquilo que nos será pedido, em 2024, é que façamos das nossas qualidades e dos nossos valores uma força. Força essa capaz não apenas de nos erguer, mas também de erguer os outros que precisam do nosso braço.