O dia vai longo, entramos em mais uma reunião na qual se discute um assunto crucial. A nossa visão para este projecto é clara, mas enfrentamos visões e estratégias diferentes. O pouco tempo que temos escasseia por entre os pontos de vista. Cresce a frustração, o descontentamento, possivelmente a ira face a uma pessoa ou a uma escolha. Só queríamos que nos compreendessem. Temos a certeza do que falamos, mas teimam em não nos ouvir, teimam em não optar por nos seguir.

A esta crescente sensação de injustiça, junta-se um também prosaico egocentrismo que não nos permite sair de nós próprios, que nos impede de ver o outro lado, que nos impede de compreender o outro. Solidifica-se uma crença em nós próprios, fértil em orgulho e vaidade que nos isola. Afinal de contas, “eu tenho razão, apesar de ninguém o ver”. Cai-se no nosso pior inimigo: a soberba.

À medida que nos envolvemos, negociando com a soberba, profundas feridas rompem no nosso íntimo. Aceitamos que temos um papel superior. Que somos a solução, sendo todos os outros meros adereços no caminho que percorremos. Vemo-nos como o protagonista do mundo, pensando apenas nos nossos problemas, falando apenas de nós, esquecendo as pessoas à nossa frente. Viciamo-nos no deleite de concentrar tudo em função do eu. Quando caímos ou quando falhamos, rapidamente concluímos que se trata de “um azar”, de “uma injustiça” ou da “falta de compreensão por parte dos outros”, acusando-os de egoísmo e suplicando-lhes por altruísmo. Afundamo-nos num auto centrismo que nos afasta dos outros ( “não preciso de ninguém”), da formação ( “já sei o suficiente”) e da realidade sobre nós próprios ( “sou o melhor”). A tudo isto chamamos de soberba: o vício da arrogância e da falsa ideia de superioridade. O vício, que caso compreendido, de muitos erros e gravosas situações, teria prevenido empresas, famílias e até países e impérios. Afinal, como teriam evitado a falência tantas empresas, caso os CEOs ouvissem os conselhos dados por experientes membros de conselhos de administração? Como teriam sido evitados conflitos profissionais (ou pessoais) se o orgulho fosse substituído por uma racional e justa conversa? Quantas guerras teriam sido evitadas, entre nações e facções, caso cada lado tivesse vontade de ouvir e conversar com o outro? Quantos exemplos, também nas nossas vidas, são consequência de orgulho, de vaidade e da soberba?

A defesa que melhor combate este vício designa-se por humildade. A humildade é parte integrante da virtude da temperança. A temperança é a virtude que nos permite ter medida: no que pensamos, no que fazemos e no que dizemos. Ao usarmos a razão para moderar as paixões, tendemos para a virtude da temperança. Por outro lado, ao não recorrer a esta virtude cardeal, deixando as paixões sem medida, sem controlo, perdemo-nos nos diversos vícios que daí advêm.

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A pessoa humana, no caso da destemperança, tenderá a procurar aquilo que lhe convém com base em dois critérios: (a) pondo o “eu” em primeiro lugar e (b) dando ênfase ao imediatismo. Ambas são características que a conduzem a um egoísmo profundo, coincidente com o orgulho, vaidade e soberba por onde se iniciou este artigo. É por isto fundamental que se temperem as paixões. Um prato insosso ou salgado é pouco apetecível, precisamente porque o sal ou a sua falta lhe retiraram a essência. O sal, para nós, pessoas, é a virtude da humildade.

É pela virtude da humildade que somos capazes de sair de nós próprios, dos nossos problemas e dilemas, ouvindo assim, com verdade, a perspectiva dos outros (têm também especial importância as virtudes da paciência, da magnanimidade e da alegria).

A virtude da humildade permite que olhemos mais para fora do que para dentro. Permite-nos que cresçamos em compaixão pelos outros: tanto quando fazem bem como quando fazem mal. Permite-nos também aceitar as nossas limitações e ajuda-nos a compreender que não somos protagonistas, mas parte integrante de relações: com a nossa família, com amigos, com a nossa empresa, até com desconhecidos. É precisamente esta a finalidade da virtude da humildade: a relação, com os outros e connosco.

A questão que se coloca, assumindo como verdadeira a exposição até agora descrita, será apenas uma: como podemos crescer em humildade?

Em primeiro lugar, é importante que falemos mais do bem feito por outros, do que do bem feito por nós, e mais do mal feito por nós, do que do mal feito por outros. Não existe melhor ferramenta para lutar contra o egoísmo. Claro que podemos, com verdade, referir algo que fizemos que trouxe resultados positivos, mas tal situação não se deve converter em prática habitual que nos inflame o ego ou que nos coloque, novamente, como personagem principal. Interessa também que se dê aos outros o que lhes é devido (virtude da justiça): dando-lhes, por exemplo, o devido reconhecimento no momento em que o mereçam.

Em segundo lugar, a serventia com alegria. Muitas vezes, ser-nos-á pedido que façamos tarefas mais difíceis ou menos atractivas. Nessas alturas, tal como nas restantes, na mente do humilde, estará uma grande vontade de servir com um sorriso condizente com esta vontade. A alegria contagia e multiplica-se e todos temos um papel nessa área. Claro que também é natural que nem sempre o seja possível. E neste caso, especialmente quando se trata dos outros, é necessário que tenhamos compreensão e que ofereçamos apoio e espaço. As pessoas carregam os seus problemas e nós podemos fazer a diferença com um espírito contributivo.

Em terceiro lugar, e talvez o mais relevante adjuvante para aquele que quer crescer em humildade: saber admitir erros, pedir desculpa e alterar a conduta. Voltando ao exemplo inicial, o de uma certa reunião em que temos a certeza de que estamos certos. Não serão raros os casos em que essa certeza desaparecerá vertiginosamente quando percebermos que algo nos está a escapar. Toda a confiança insuflada por uma certeza orgulhosa e vaidosa, se esfumará numa certa vergonha miúda. Nesses casos, teremos pelo menos, duas hipóteses: seguir o caminho do orgulho e das desculpas, já mencionado, ou admitir o erro, pedir desculpa, caso faça sentido nessa particular situação, e alterar a conduta para não repetir o erro, mas sobretudo, para crescer em humildade. Cresce-se, de facto, bastante em humildade, quando se admitem erros, quando se pede desculpa, quando saímos de nós próprios para analisar situações de uma forma holística em oposição a considerá-las arrogantemente fechadas.

Adoptando estas três simples medidas, trabalhando e servindo quem nos rodeia com qualidade, com espírito de serviço e com honestidade, comunicando aberta e justamente e não deixando que cresçam em nós sentimentos de falsa confiança que acabarão por nos afastar e isolar dos restantes, assim estaremos mais próximos da virtude da humildade. Diminuindo-nos quando só pensamos em crescer, esse é o principal antídoto contra a soberba. E caso nos esqueçamos de que temos de voltar ao chão, à terra, pensemos na própria palavra humildade: palavra com origem no latim, denominada por humus e que significa terra. Voltemos à terra, sempre que da terra queiramos sair.

Para terminar, e por saber que muitas vezes se confunde a mensagem com quem a transmite, não posso deixar de garantir que muito me falta em relação a esta virtude, que cometo diversos dos erros enunciados, mas que faço um esforço profundo para encontrar e praticar a verdadeira humildade.