Nos últimos dias, vimos Cristiano Ronaldo assinar um contrato de duas temporadas com o Al-Nassr, aos 37 anos, com um salário estimado de 500 milhões de euros. Simultaneamente, não num Reino mas numa República (das bananas), soubemos que em Fevereiro, uma senhora apresentou demissão do seu cargo na TAP, recebendo após a sua demissão, uma indemnização de 500 mil euros – sim, a senhora demitiu-se, não foi demitida. Quatro meses depois, a mesma senhora foi nomeada Presidente da NAV (outra empresa pública no ramo de navegação aérea). Ronaldo e Alexandra, protagonistas de dois negócios brilhantes e que ficarão na História.

Um dia depois, no dia de Natal, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa veio a público esclarecer que foi a TAP que iniciou o processo e que a indemnização, em teoria, seria três vezes superior à que foi oferecida e que “a lei permite isto”. Não nos esqueçamos que esta empresa recebeu 1200 milhões do Estado em 2020, 360 em 2021 e 980 em 2022, um total de 254 euros por português. Vá lá que se distribuíram cheques.

Dois dias depois do episódio, o ministro Fernando Medina, que até então desconhecia o caso, solicita à Engenheira Alexandra Reis que se demita, pedido aceite pela Engenheira. Fernando Medina indica que tomou a decisão de solicitar a demissão da senhora em questão, “no sentido de preservar a autoridade política do Ministério das Finanças num momento particularmente sensível na vida de milhões de portugueses”. Surreal.

Por fim, para que o embaraço decorra como todos têm decorrido, alguma cabeça tem de rolar. E rolou: a de Pedro Nuno Santos (e a de Hugo Santos Mendes). Se há uns tempos fora avisado no decorrer das questões aeroportuárias, desta vez não havia hipótese. Fica a pergunta se a demissão foi semelhante à de Alexandra Reis no ministério de Fernando Medina, ou seja, se foi solicitada por António Costa, que tal como Fernando Medina, desconhecia o caso. António Costa acaba por ser o protagonista deste belo conto Natalício que já dura há anos mas cujos episódios se têm intensificado. Vejamos.

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Na entrevista concedida à Visão, António Costa, contando um conto paradoxal e caricatural, relata as grandes reformas estruturais realizadas na saúde e na educação, duas áreas à beira do colapso. Relata como praticamente todas as métricas financeiras se encontram alcançadas e até além do esperado, desprezando e normalizando um país cuja metade da população vive no limiar da pobreza. Relata as prestações extraordinárias concedidas aos portugueses como vitórias excepcionais, ocultando que o Governo cobrou mais do dobro da receita fiscal prevista – à receita fiscal correspondem os valores nos cofres do Estado que são provenientes do pagamento obrigatório de impostos pela população. Habituem-se.

Para compreender a realidade sobre este tema, é preciso recuar uns anos. Ao longo dos seus mandatos, António Costa destruiu o centro-direita, apropriando-se da única mensagem mediática dessa ala política: as contas certas. Esta estratégia, quando bem implementada, pode conduzir um país a melhores resultados financeiros, o que pode conduzir a melhores níveis de vida, mais emprego, mais dinheiro para as famílias, menos pobreza. Quando implementada de uma forma comunicacional, ou seja, para ficar bem na fotografia, acaba por ser apenas um jogo elaborado de engenharia financeira. Um exemplo seria: vamos aumentar o orçamento do estado para a saúde, mas vamos criar uma cativação. Ou seja, vamos reter uma parte dos montantes orçamentados da despesa, deixando esse montante de estar disponível para os serviços de saúde para os quais estavam inicialmente orçamentados. Continuam no orçamento mas estão cativados. É um exemplo bem real, já que de facto, aconteceu. Esta é a estratégia para anular o centro-direita. Apropriar-se da mais mediática mensagem política desta ala, maquilhando-a e transformando-a, recorrendo a elaborados métodos financeiros. Quem perde? O povo que perde do lado fiscal (é taxado na mesma para que os serviços melhorem) e do lado dos serviços (continua a ver serviços em colapso por falta de investimento).

Para anular a esquerda, António Costa recorre a outros métodos bastante eficazes: comunicação claramente de esquerda, passando uma mensagem de que as suas políticas beneficiam esse quadrante e a demonização da direita, criando e contribuindo para uma crescente preocupação com o bicho-papão direita. Criando a percepção, de um lado, que as suas políticas beneficiam o povo e, por outro, enfatizando discursos contra a direita na Assembleia da República e colocando-se como o estanque que a impedirá de crescer, António Costa anula a esquerda, alimentando a direita e afundando o centro-direita.

A estratégia resultou e António Costa viu primeiro em Janeiro de 2022, aquilo que muitos portugueses levaram meses para compreender. Viu o centro-direita diminuir a sua expressão por dispersão de votos entre os vários intervenientes à direita mas também viu esta mesma ala centro-direitista perder votos para o PS, uma vez que parte da mesma não se revê em partidos da direita como o Chega. Viu a esquerda preocupada com causas sociais, assumindo essas mesmas causas (ambiente, temas sociais, etc.) como suas, equiparando o discurso ao de partidos como o PAN, BE ou Livre, esvaziando-os. Enquanto isso, conseguiu criar uma mobilização anti-direitista que acabaria por lhe dar o voto, já que o próprio se identifica como aquele que impedirá o Chega de crescer (já cresceu duas vezes na Assembleia desde 2015). Beneficiando de todas estas jogadas iniciadas na queda do Governo (na altura com maioria relativa), António Costa venceu com maioria absoluta, deixando de depender da esquerda como nos anos anteriores. A partir deste momento, muito mudou e muito ainda há-de mudar.

António Costa passou os anteriores mandatos com uma postura reivindicativa e defensiva relativamente às restantes forças partidárias, acusando-as de serem aquilo que impedia o país de ter estabilidade e culpando os outros partidos por diversos acontecimentos. Acima de tudo, António Costa sempre atribuiu a falta de estabilidade aos constantes ataques e mudanças de posição dos partidos que apoiavam o governo ou dos partidos da oposição.

Com a maioria absoluta, António Costa mudou totalmente a sua forma de atuar. A partir de Janeiro de 2022, as culpas começaram a recair sobre a guerra, sobre os défices excessivos e ainda sobre a pandemia. Com a maioria absoluta, recomeçaram as demissões – já existentes nos governos anteriores – mas a uma escala e rapidez bastante superior. Em nove meses de Governo, ocorreram onze demissões (e uma substituição) entre ministros e secretários de Estado. Vamos analisar uma a uma.

A primeira foi a de Sara Abrantes Guerreiro, um mês depois da tomada de posse do Governo, em Maio. Sara Guerreiro era Secretária de Estado da Igualdade e das Migrações. Saiu após a polémica com os refugiados ucranianos em Setúbal. Saiu por motivos de saúde. Quando questionado sobre se a sua saída teria algo a ver com a polémica em Setúbal, Marcelo Rebelo de Sousa (sim, Marcelo Rebelo de Sousa) veio a público insistir que de facto saiu por motivos de saúde e que “as pessoas não deixam de ser seres humanos por serem membros do Governo”.

Cerca de quatro meses depois, também Marta Temido (ministra da Saúde), António Lacerda Sales e Fátima Fonseca (secretários de Estado) apresentaram demissão. Marta Temido saiu admitindo que, “como sempre disse, a primeira responsável pelas coisas que correm bem e mal no Ministério da Saúde era a ministra, e a ministra entendeu que estava criado um ambiente que exigia que houvesse uma responsabilidade pessoal. Entendi que devia ser minha”.

Em Novembro foi a vez de Miguel Alves, secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, suspeito de favorecimentos a empresas de Manuela Couto, mulher do ex-autarca socialista Joaquim Couto, entre de 2015 e 2016, durante o exercício do mandato de Miguel Alves como Presidente da Câmara Municipal de Caminha. Um tema muito debatido na altura e que conduziu à sua demissão.

Dezanove dias depois, saíram o Ministro da Economia João Neves e a secretária de Estado do Turismo, Comércio e Serviços, Rita Marques. Saíram por “divergências de fundo” e uma ruptura com António Costa Silva desde a polémica sobre a descida do IRC. António Costa e Silva defendeu a redução transversal do imposto sobre as empresas, contrariando o que defenderam publicamente os seus secretários de Estado.

Já em 2023, foi a vez de Carla Alves. Após longas 24h no seu cargo, Carla Alves declarou não dispor de condições políticas e pessoais para iniciar funções no cargo. Isto, após António Costa passar a tarde a garantir que a secretária de Estado teria condições políticas e éticas para continuar. Segundo o CM, Carla Alves tem várias contas arrestadas, desde março de 2022, na sequência de uma investigação que visa o marido Américo Pereira, ex-presidente da Câmara de Vinhais.

Por fim, entramos no top-3 e já abordados acima: Alexandra Reis, Hugo Santos Mendes e Pedro Nuno Santos. Se as razões das suas saídas já foram escrutinadas, é preciso analisar as substituições, particularmente no caso de Pedro Nuno Santos.

Depois de um tão relevante ministro, António Costa teria de colocar no Ministério das Infraestruturas alguém capaz e com provas dadas. E assim foi: chamou alguém com um currículo invejável e de elevada qualidade técnica, João Galamba. Ora vejamos: João Galamba foi secretário de estado da Energia, é visado pela Justiça numa investigação sobre o megaprojeto de hidrogénio verde em Sines, envolveu-se em várias polémicas como o famoso tweet em que apelidou de “estrume” um programa da RTP que tinha emitido uma reportagem sobre a exploração de lítio ou a famosa concessão de uma exploração de lítio em Montalegre a uma empresa criada apenas três dias antes da assinatura do contrato e sem estudo de impacto ambiental. E por fim, não podíamos deixar esquecer que João Galamba tem outra importante diferenciação no currículo: avisou José Sócrates da Operação Marquês pela qual o segundo acabou detido e em prisão preventiva (tudo com o selo de verdade do Polígrafo). Onze demissões e uma substituição em nove meses. Com maioria absoluta. Por consequência de efeitos internos ao Partido Socialista. Sem interferência de efeitos externos. Tudo, por responsabilidade do Governo. Tudo, incluindo a entrada de João Galamba. No fim de tudo isto, soubemos esta semana que o PS chumbou a ida de Alexandra Reis ao Parlamento para dar explicações sobre a indemnização paga pela TAP.

Que futuro tem este país, controlado por políticos como estes? Infelizmente, nenhum.