Na minha última crónica falei sobre o boom do coaching e as reações dos humoristas. Gostava de desenvolver mais esta reflexão, agora que faz um ano que o Papa Francisco esteve em Portugal na JMJ e, por acaso, até esteve recentemente com uma série de humoristas. Gostava de ligar este tema com os jovens pois, se falamos em sonhos e futuro, é com eles. Porque será que o coaching tem tanto sucesso e atrai tantas pessoas? Não faltam atualmente muitos coaches que vendem o sonho da felicidade ao alcance da força de vontade de quem o quiser agarrar. Também há promessas fáceis de as próprias pessoas se tornarem elas próprias coaches e com isso ganharem dinheiro. A “liderança” está na moda. E isto tornou-se também um negócio. Mas também pode ser uma oportunidade de focar a nossa atenção no apoio aos jovens.

O coaching é uma ferramenta de aconselhamento na qual um coach é um facilitador do cumprimento dos objetivos do coachee. Serve para o alcance de qualquer tipo de objetivo ou sonho. Também há o coaching de carreiras, mas vou deixar esse de lado agora.

As coisas não eram assim noutros tempos. O trabalhar era para pagar contas, e já era bom. Hoje, os miúdos não se ficam por salários e ambicionam outras coisas, como escolher o trabalho que gostam e conciliar a vida profissional com a pessoal. Não conheço muitos pais que rejeitem os sonhos das crianças em favor da escolha de áreas de estudo que supostamente oferecem mais possibilidades de emprego. Hoje o que se ouve mais dos pais é “ele será o que quiser ser”. O expoente máximo desta “magnanimidade” é certos pais até admitirem que os filhos podem escolher o género que bem lhes parecer mais com o que sentem, tendo ou não idade e maturidade para tal. Se noutros tempos falhou a motivação e sonhava-se pouco, hoje encontrámos o propósito, mas ficámos tão cegos com ele que tirámos os pés do chão. No entanto, sou um otimista e por isso não acho estejamos pior nos dias de hoje, mesmo com estes excessos que são levados a um paroxismo que, penso, ninguém imaginava atingíssemos há 10 anos.

O Papa proferiu uma frase quando esteve em Portugal na JMJ, no discurso na Universidade Católica, que ficou lapidar: “Não sejamos administradores de medos, mas empreendedores de sonhos”. A cultura vigente diz aos jovens que podem alcançar o que quiserem nas suas vidas, desde que façam por isso. Sonhar e fazer por isso, a seguir. Esta mentalidade vem do coaching e da psicologia positiva, coisas que não existiam no meu tempo. Não critico de forma primária o coaching. Há vigaristas, é certo, mas há-os em todas as profissões. Com falta de referências morais, também há os que acenam com fortuna e fama a qualquer custo, com os meios mais duvidosos. Estes sonhos também são por vezes o ser rico e famoso e mais nada. As redes sociais ajudam depois à festa no sentido de tornarem cultura este tipo de mentalidade. O ímpeto de ser melhor pode ser alcançar melhores condições financeiras, e nada há de mal nisso, antes pelo contrário. Mas a vida é mais do que isso. Falo na ambição de alcançar o que quisermos, seja para nós ou para os outros, e para isso há ferramentas. Falo também da vontade de sermos mais felizes, melhores profissionais, colegas, melhores desportistas, melhores alunos, melhores namorados ou maridos. O coaching é uma ferramenta útil pois atingir objetivos não é porque apenas se quer. Com as devidas diferenças, a lógica do coaching também está num psicólogo, num treinador, num pai, mãe, num professor, padre ou outro aconselhador espiritual.

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Acho positivo este ímpeto de fazer mais, pois a herança do antigo regime é uma educação do “trabalha e não sonhes muito”, “aguenta-te que um dia tens contas para pagar”, o qual ultrapassou os idos de 70 e manteve-se como cultura. O que interessava era securizar um emprego para a vida, de preferência no Estado. Já não é mau, pois havia quem fosse instruído a não trabalhar ou a roubar, ou nem instruído a nada. Mas era pouco, mesmo assim. Era pouco, pois é um programa de nivelar por baixo que a ciência já comprovou que não funciona.

Steve Jobs dizia que precisamos muito de gostar do que fazemos, pois os riscos, obstáculos e probabilidade de fracasso são tantos que é fácil desistir. Se a pessoa gosta, mais fácil é continuar. Faz sentido. Este escolher o que se gosta era um delírio, hoje já ninguém pensa o contrário. Trabalhar era para pagar contas, e fazer o que se gostava era para sortudos e pouco acessível. Apenas se se fosse o Einstein ou o Mozart, e, esses, há poucos, diziam. No meu tempo e dos meus pais, alguns que, ou tinham posses, ou sorte ou pertenciam a um certo estrato social, é que tiravam licenciatura e tinham a vida feita. Mas eram uma minoria. Depois, a licenciatura deixou de diferenciar, já no meu tempo.

Hoje temos a geração “mais bem preparada de sempre” em termos de qualificações. Nunca houve tantos licenciados nesta faixa etária. E então não há nenhum jovem que não tenha preferências no que quer vir a fazer e até valoriza muitas outras coisas para além do salário, como o tempo que tem para si e para outras atividades. Mas as coisas não são mais fáceis hoje. E será que o elevador social agora funciona? Para outro debate…

Nunca houve tanto empreendedorismo, ou nem que seja a sua promoção. Num país dominado pelo poder e omnipotência do Estado. Talvez seja por isto que esta geração incha tanto o peito. “A geração mais bem preparada de sempre”, dizem-lhes. E em parte, são. Vejo muitos alunos meus muito bem preparados, vejo alunos do secundário com uma preparação muito superior à minha época. Por outro lado, alguns de nós alcançaram o seu desejo profissional mais tarde e depois de muitas contracurvas. Talvez o que falta a esta geração é um pouco de paciência e humildade. Pois muitos vão-se frustrar com este peito inchado. Devem acreditar no sonho, sem dúvida, pois comanda a vida, mas depois devem ouvir os mais velhos e contar com mentores para chegar ao seu objetivo. Eles padecem de vaidade – sonho – a mais? E nós padecíamos de mediocridade – medo – a mais? Devem perceber que sonhar, sim, é o que comanda a vida, mas esperar um caminho não linear, em contracurvas.

Eu sei, mas os nossos pais tiveram a vida fácil? Fala-se muito das dificuldades desta geração, mas, repito, os pais da geração de 1940, 1950, uma pequena minoria tirou licenciatura. Não nos esqueçamos da “casa portuguesa” (um fado conhecido) do antigo regime. O que interessava era a vida sã e “burra” do campo (no mau sentido; sem pensar muito). Não nos esqueçamos que eram outros tempos, muito mais difíceis. É verdade que não havia tanta concorrência profissional e quem “tinha olho era Rei”, mas não eram muitos. Não nos esqueçamos da taxa de analfabetismo português na década de 1970, a década em que os pais dos millenials (nascidos entre 1981 e 1999, aproximadamente) já tinham entrado no mercado de trabalho. Os pais da geração Z, com certeza contaram com mais estabilidade, um crescimento económico maior (quando entravam no mercado de trabalho já aderíramos à UE), outro tempo de desenvolvimento, mas, claro, ao entrar no novo milénio de 2000 começámos a era de estagnação económica portuguesa da qual mal saímos.

Não estou a dizer que os jovens têm vida fácil. Preços da habitação proibitivos, salários baixos, custo de vida alto, e muitas vezes situações familiares com pouco apoio e encorajamento. E também tenho de perceber – é um desafio para mim – que não posso avaliá-los com base nos meus pressupostos. E não têm a minha idade. O dramaturgo brasileiro Nélson Rodrigues dá um conselho interessante aos jovens: “Envelheçam depressa”! Não é fácil ser jovem. Muito se exalta as virtudes da juventude, mas não se fala das angústias que, se envelhecermos bem, muitas resolvemos, outras estamos a caminho, noutras coisas pioramos. É injusto e desanimador para eles se os compararmos connosco. Vejo isso como nunca, agora que fui pai tardio de duas filhas gémeas. Elas precisam de tudo, absolutamente tudo de nós. Se choram, esperneiam, não adormecem, é porque são bebés, não há volta a dar. Se estamos cá é porque tivemos o amor de alguém. E amor significa mais que justiça. É este mistério que soluciona a vida e não a matemática do destino.

A pergunta que faço é se esta geração está disposta a errar antes de acertar? Pois esse é o caminho e é o principal problema. No início é tudo sonhos, depois vêm os problemas e podemos chegar ao ponto de desistir. Muitos falham, a maioria. Há uma estatística para a percentagem de negócios começados e falhados, e é grande a dos que falham. E não é por isso que muitos não continuam a tentar. Tudo o que olhamos à volta é resultado de alguém que sonhou a primeira vez, trabalhou para isso, teve ajuda e sorte.

Curiosamente, por vezes, afirmo isto nas aulas e alguns alunos dizem-me que não, empreendedorismo não é com eles. Pergunto-me, por isso, pela sua capacidade de arriscar, mesmo sendo muito (supostamente) autoconfiantes. Tudo bem, mas acreditam num futuro em que vão fazer o que gostam e “liderar”; usam muito este verbo: “liderar”. É bom terem estas aspirações altas, com certeza que já convalescemos um pouco da mediocridade salazarista do “só alguns têm direito”, “fica quietinho, não te mexas muito, que nós tratamos de tudo”, mas por vezes as redes sociais vendem uma ideia errada de “liderança”. Muitos provavelmente querem “mandar”, o que é outra coisa. Quando começarem a liderar e a perceber que têm é de resolver problemas e servir quem está abaixo, aí podem ter desilusões. Ou banhos de realidade. E podem gostar, ou não.

Depois, também há outra ideia de liderança oposta e enviesada, é aquela em que o líder é “igual a todos”. Uma coisa é a igualdade em dignidade, essa é certa, mas se não tiver certos direitos, não consegue exercer a liderança. Por isso, há extremos no conceito de liderança. A liderança aprende-se é com a experiência, por mais que se diga e estude “perfis” e “tratos de personalidade” mais relacionados com a liderança na literatura académica. Além disso, atualmente – também no exagero do coaching e desenvolvimento pessoal – vende-se a ideia errada de que devemos ser todos líderes. Não poderia existir conceção mais falsa. Em primeiro lugar, o líder não é melhor do que os outros; em segundo, o conceito de líder assim o preconiza, mostra o caminho aos outros, a maioria. E é mais uma responsabilidade do que um trono. É mais um serviço do que um posto.

Por outro lado, provavelmente fala-se mais de empreendedorismo pois, mesmo com uma economia estagnada há muitos anos e a viver num país pouco desenvolvido, estes miúdos podem arriscar porque têm uma almofada de estabilidade dada pelo trabalho dos seus pais. Só arrisca quem tem a noção de que, se cair, pode ser amparado e pode não ser temerário. Já, eu, no meu tempo pude “mudar de curso”, um luxo provavelmente vedado aos meus pais (ou não tão frequente). Atualmente é prática comum. Até mudar de emprego e muitas outras coisas, até de género.

O desafio do líder/ educador é, então, esta empatia difícil de procurar não tanto julgar o comportamento, mas compreendê-lo à luz das condições e idade destes jovens. Pelo meio, há programas letivos a cumprir/regras que não se podem infringir. Há que encontrar um equilíbrio entre a empatia e a exigência. Esse é o desafio. Mas não podemos prescindir da exigência, se não, não estamos a amar o seu futuro. Os jovens, se são ambiciosos e assertivos, têm também de ter a humildade de aprender, se não vão se desiludir muito. O Papa Francisco dá o mote, depois estes jovens têm de ter guias para o caminho.