Há um problema dos humoristas com os coaches. Recentemente, a humorista Joana Marques encheu o pavilhão Altice Arena com um espetáculo grande com o nome “(Des) Confia”. Esta performance mimetiza e parodia o formato de Cristina Ferreira e outros gurus do coaching como Tony Robbins. Não vi, mas parece que o espetáculo tem enchido. O formato que a humorista tem na Rádio Renascença, “Extremamente Desagradável” e no qual exerce o seu sarcasmo perante estes profissionais, é dos programas mais ouvidos da rádio e internet. Contudo, se há muito vigarista do coaching por aí, há o perigo de colocar tudo no mesmo saco e deitar fora a água do bebé com o bebé. Joana Marques critica desde o coaching ao mindfulness.

Mas isto não é uma tendência de agora. Frequentemente vemos humoristas fazer rábulas sobre o coach Gustavo Santos ou a coach do jogador Éder, Susana Torres. O colunista Henrique Raposo juntou-se recentemente com vários artigos em que compara a ida ao coaching com a ida às bruxas e até pede que se acabe com eles.

A coach Susana Torres, segundo o seu coachee Éder, passou de bestial mentora para besta enganadora. Eu também não sou especial fã de nenhum dos coaches mencionados. Excetuando Tony Robbins a quem dou algum crédito. Não me atraem, a começar no estilo. Seja Cristina Ferreira ou Susana Torres (vejam um documentário sobre a Susana Torres, é assustador). Também não suporto mais ouvir que alguém tirou um curso de “PNL” (programação neurolinguística). Nada contra o curso, mas muitas vezes é o único curso que estas pessoas tiraram e de repente acham-se uns iluminados e falta contexto. Também atualmente toda a gente é “terapeuta”. “Terapeuta holística”, “leitora de chacras”, etc. etc. Eu sei disso – ouçam o podcast da Joana marques, o qual trata da sátira a figuras públicas que de repente são gurus da psicologia a tarólogas com muita vigarice a cada frase que proferem.

Este gozo por parte dos humoristas com os coaches, tem sido generalizado. É o RAP (Ricardo Araújo Pereira), a Joana Marques, o Diogo Faro, uma série deles. Gosto muito do RAP e da Joana Marques. Sou assíduo espectador de ambos e dou-lhes o crédito pela inteligência do humor. Contudo, há o problema de a Joana Marques, na mesma rábula, gozar com coaches e mindfulness, parecendo desconhecer que, não só há bons profissionais de coaching, como o mindfulness é uma disciplina séria e baseada em ciência comprovada. Não podemos gozar e ser demagógicos. Aconselho a talk que fiz com o meu ex-professor de gestão João Carvalho das Neves, um reputado Professor, Gestor e facilitador de mindfulness. Mas claro, o humor (mainstream) faz-se com associações simples, de outro caso não tem graça. Não era isso que eles criticam nos partidos como o Chega, terem sucesso com o seu simplismo? Pois, os extremos tocam-se, não é? Se não destrinçarmos as coisas, não estamos a fazer bem o nosso trabalho. E estamos a enganar tanto como os outros e a denegrir muita gente.

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Na mais recente entrevista de RAP a Daniel Oliveira no programa “Alta Definição”, na SIC, RAP disse que tinha o desejo de entrar numa palestra motivacional de um coach depois deste dizer à plateia, “Se eu consigo, vocês também conseguem”. Depois, gostava de dizer à audiência: “O que este senhor está a dizer é mentira. Se ele conseguiu não quer dizer que vocês consigam. Ele teve condições especiais que o permitiu chegar onde chegou. Circunstâncias, etc. que nem todos têm”.

Não há problema nenhum em fazer piadas. Eu sou fã, como já disse. Inclusive já fui chacota de Joana Marques, e de Diogo Faro, o que apenas me honra. Mas pergunto-me, porquê tanta atenção ao tema por parte dos mesmos? Porque escolhem sempre coaches, porque estão sempre a falar neles? Especial cruzada ética? Material humorístico? Concordo que haverá coaches vigaristas, como em muitas profissões, mas serão todos? Não haverá jornalistas e humoristas também burlões? Como gestores e professores. Também sou mais fã da psicologia do que do coaching. Sou ávido leitor e até marido de uma psicóloga. Mas sei que o coaching bebe da psicologia e tem muitas coisas positivas. Todos os dias nas minhas aulas incentivo os meus alunos a sonhar. E depois trabalhar por isso. Sei que não chega, é verdade, mas o cinismo de não acreditar também cria muito ressentido e infeliz. Fazer alguma coisa é melhor que nada.

Lembro-me que quando tinha uma empresa, participei num grupo de empresários que se encontrava todas as semanas às 6h da manhã, para trocar experiências e contactos. Gostei muito da experiência pois consegui conhecer muitos pequenos empresários com as suas histórias e desafios. Advogados, canalizadores, eletricistas, vendedores de brindes, brokers, analistas de negócio, gestores de ativos, empresários de restauração, etc. Muitos repetiam frases de autores motivacionais como Jim Rohn, Tony Robbins, coaches e gurus, como Napoleon Hill e o livro “Pense e fique rico” ou o grande livro (que aconselho) “Como fazer amigos e influenciar pessoas”, de Dale Carnegie, o “pai” dos livros de autoajuda. Quando li, fiquei fã.

Vim de letras e provavelmente se me ficasse por aqui, nunca conheceria o mundo real dos pequenos empresários, diariamente a acordar às 6h da manhã para pôr comida na mesa, a precisar de encorajamento diário, motivação, esperança, pagar salários ao final do mês, pagar impostos, vender mais um serviço de assistência ou um computador. Felizmente escolhi as empresas e tirei depois dois MBA, o que enriqueceu a minha visão sobre o mundo e hoje posso passar essa experiência nas aulas de gestão que dou no ensino superior. E, já agora, eu que já li Dostoievski, Joyce e Eça de Queirós, aconselho vivamente Dale Carnegie. É um autor de autoajuda, incrível e útil. A sua história é uma história inspiradora de superação e de ajuda aos outros. Não percebo a comum conotação de “autoajuda”, como negativo. Não é necessariamente. Dale Carnegie basicamente percebeu os desafios que a pessoa comum tem e, usando um método que lembra o método científico, entrevistou personalidades com uma carreira relevante, usou a sua capacidade de comunicação e verteu grande conhecimento no livro mencionado, com uma simplicidade estonteante (também aconselho o livro sobre preocupações). Não só foi um grande pedagogo, que tirou nervosismo e ansiedade a muita gente, como ajudou muitas pessoas a resolver os seus problemas. As grandes verdades não têm de ser complicadas, mas ser simples é o mais complicado.

Outro exemplo da utilidade do coaching: na vida empresarial. É uma ferramenta crucial de gestão de recursos humanos. E não estou a falar de executivos (também possível), mas de funcionários normais. Vejam a diferença entre mandar e deixar a pessoa sozinha a fazer ou mandar, mas acompanhar. Ouvir, orientar. Não fazer pela pessoa, mas facilitar. Dar as ferramentas para que a pessoa alcance os seus objetivos. Motivar. Isso é coaching.

Eu percebo que o humor também tem um efeito terapêutico, mas o cinismo tenho mais dúvidas. De qualquer forma, a piada muito “betinha” é uma seca e não tem graça. Eu sei. Não estou a dizer que são maus, mais uma vez, mas toda a luz produz uma sombra, que também tem de ser falada. Estes livros, se calhar, são para pessoas que não nasceram tão resolvidas como estes humoristas. Não haja dúvida que ter capacidade de comunicação é caminho andado para o sucesso e essa é característica que estes humoristas têm. E, ganhando a vida com as prestações públicas legítimas que fazem ao seu público, têm muita matéria para tal, mas com certeza que são tão ridículos na vida privada como qualquer ser que pisa este planeta. Já o humorista Diogo Faro dizia “Somos todos idiotas” (até ser gozado também pela humorista Joana Marques).

O humor tornou-se quase sagrado e não podemos questionar alguém que o faça apenas porque arranca risos. Porque o humor na verdade não compromete. Nem tenta resolver os mais intricados problemas, em que se falha também.

Este tipo de sarcasmo é muito português e não por isso menos engraçado. O gozo com a ambição, o desdém com o se levar a sério. Mais uma vez, os recreios da escola são um bom laboratório e analogia social. O que ficava bem no grupo era rir com o mais engraçado, muitas vezes líder do grupo. O que nós chamamos hoje “bullying” era uma coisa normal no nosso tempo de escola (tenho 42 anos). E não digo que não fizesse parte e não nos fizesse crescer. Penso que houve exageros, como hoje há no outro oposto. Faz parte.

Aquele cinismo muito português – de velho do Restelo (será que era um humorista?) –  impediu-nos como povo de fazer tantas coisas. De não se poder levar muito a sério e ambicionar mudar, de outra forma somos apelidados disto tudo. Não se pode ambicionar mais, acreditar que se pode sair de uma situação pior. O português para estes, chama-os de “convencidos” e “arrogantes”. Sobretudo, os mais “bem-nascidos” (e os que se acham). Riem-se e desdenham os esforços do “self-made”. Na verdade, esta atitude é outro tipo de snobismo e conformismo “tuga”. Há extremos que se tocam. A teoria de RAP será de que a coisa do mérito é toda muito estúpida? Para ele, está implícito que não acredita no sucesso como resultado de esforço e mérito. Há as forças do poder e estamos é condenados à luta de classes? Se for assim, é puro neo-marxismo e, na verdade, snob, pois não é só fatalista como condena os desgraçados ao conformismo da sua condição e o máximo que lhes dá é uma piada para que se riam. “Pão e circo”. É o melhor que este neo-marxismo não declarado trata os “vulneráveis”, é a condescendência de uma piada. Curiosamente, esse mesmo RAP e Joana Marques estão a lucrar e muito com o sistema capitalista, com as suas rúbricas (vendem um formato de sucesso). É uma espécie de China. Uma economia de mercado com capa de ideias socialistas. Tem a teoria marxista toda, mas ganha dinheiro para catano. Sabem-na toda. Para o RAP, tem de se crescer em bons colégios e ter amigos, para se singrar? É isso? No fundo, tudo o que muitas vezes critica nas suas rábulas.

O sucesso é só fruto do mérito? Com certeza que não. Em primeiro lugar, cada um define o seu sucesso. Em segundo, há uma multiplicidade de fatores que decidem o sucesso, entre eles a sorte, com certeza, mas não só. Quem está em ciência, como eu, chama-lhe um fenómeno multifatorial. Se há coaches simplistas a dizer que basta “confiar” e “fazer” para ter sucesso, há humoristas que parecem dizer que o sucesso é resultado apenas de um fator, a sorte. O mérito não será o único fator que explica o sucesso, mas ajuda (e muito) acreditar e trabalhar para isso. Milhares de milhões de pessoas que criaram todos os serviços, inventaram coisas que existem neste mundo, dão de comer aos seus filhos todos os dias, comprovam-no. E muitos não eram “bem-nascidos”.

RAP diz que com o seu humor, “anima a malta”. Sem dúvida. Eu também já fui animado pelos seus sketches, nem que seja por momentos. Agora, ele que me perdoe, uma piada sobre o António Costa não me salva a vida, passo apenas um bom momento cómico. Como bem dizia RAP, “não é por ter piada que tenho influência como humorista. Veja-se as eleições americanas. O programa de Jon Stewart era dos mais vistos e quem ganhou foi o Donald Trump (…)”.

O princípio de que a vida não é determinista e podemos fazer algo por ela, desde que com vontade, foco, método e apoiados, é um grande princípio, gerador de esperança, ação e pode ajudar muita gente. Que haja quem se aproveite desta máxima, isso há em todas as profissões, até os humoristas. Aproveitarem-se da arte nobre do humor, para botar para baixo, ambicionar pouco e desencorajar quem por vezes só tem uma palavra de encorajamento na vida. Sei que não o fazem de propósito e por favor não parem, pois entretêm-nos a todos. E não estou a ser irónico.

Não me interpretem mal, o humor tem um papel essencial de apontar que “o Rei vai nu” ou que “há elefantes na sala”. Ok, muito bem, mas não sejam simplistas, senão são como os populistas.