As recentes declarações do Vice-Chanceler e ministro da Economia alemão, Sigmar Gabriel, sinalizando que “fracassaram” as negociações do tratado de livre comercio entre a Europa e os EUA (TTIP), e sublinhando que um “bom negócio” para a saída do Reino Unido poderia afundar a União Europeia, merecem uma ponderação geopolítica, à luz das movimentações tectónicas desencadeadas pelo Brexit.

É sintomático que o anúncio do fracasso das negociações tenha sido efetuado por Berlim. Mostra que os alemães querem assumir o protagonismo europeu, especialmente nas negociações com os EUA, com quem desejam ter um estatuto similar. Isto, evidentemente, para além de também mostrar inequivocamente que não desejam o TTIP. Compreenderam que o relacionamento com os EUA irá ser chave para a futura geometria de uma Europa sem o Reino Unido.

Para Londres, as declarações abrem caminho para a criação de uma relação mais aprofundada com os EUA. É previsível que os ingleses agarrem a tocha do livre comercio e comecem a tentar formar um bloco alternativo transatlântico, procurando aliciar países da antiga EFTA com o atrativo da relação preferencial com os EUA. A primeira-ministra britânica Teresa May avisou já os altos funcionários públicos que o Brexit é para levar a sério, e busca um modelo para a futura relação com a UE. Pode ser que Sigmar Gabriel a tenha ajudado.

A França viu a política de grandes saltos para a frente no processo de integração europeia, com o objetivo de tentar controlar a Alemanha, chegar a um impasse. O resultado foi o contrário do esperado, especialmente no respeitante à criação da Área do Euro, pensada inicialmente para contrabalançar a unificação alemã. A evolução da economia, o terrorismo ou uma crise de imigração poderão obrigar a uma mudança de rumo. Eventualmente, um Sarkozy musculado poderia sentir-se com forças para disputar a liderança alemã da UE, mas apenas no plano da política externa.

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A nossa vizinha Espanha continua deliciada com o Brexit, que a coloca em quarto lugar no ranking do PIB da UE, logo após a Itália. Mas o quarto lugar não dá direito ao pódio, e Roma aproveita o impasse na formação do governo espanhol para sublinhar o seu lugar ao sol. A cimeira de Ventotene com a Alemanha e a França teve como objetivo explícito “mostrar a unidade dos três maiores países europeus”, e implícito o de sublinhar quem faz parte desse grupo. A Madrid, falta-lhe estabilidade politica e regional, para além de profundidade estratégica. E os espanhóis sabem que uma divisão europeia entre potencias continentais e marítimas tem potencialidade para incrementar a divisão peninsular, área em que nunca deixaram de estar interessados.

A Portugal interessa “esperar para ver”, cultivando os laços com ambos os lados. A nossa dívida financeira para com a Europa do Euro, entre outros aspetos, define um rumo. Mas o aparecimento de um bloco atlantista vai ao encontro da nossa posição geoestratégica e das constantes e linhas de força da história diplomática portuguesa. E pode trazer potencialidades comerciais atrativas, nomeadamente no domínio energético. Fala-se, entre outras, das potencialidades de armazenamento subterrâneo de gás de “fracking” norte-americano, que poderia servir de alternativa ao fornecimento europeu de gás russo.

Ainda é muito cedo para se saber qual será a geometria europeia pós-Brexit. Mas seria uma imprudência grosseira não estar aberto a todas as possibilidades.