Uma crise como aquela que estamos a viver (e ainda a procissão vai no adro), pelo seu ineditismo e imprevisibilidade, é um problema complicado, desde logo porque não nos permite usar a experiência para a combater.

O Governo, ao que tudo indica, vai aumentar a despesa pública para assegurar rendimento disponível aos mais carenciados e, aqui já sem aplauso, para carregar no peso do Estado – o nosso salvador, de acordo com alguns gurus. Na passada terça-feira, no pouco tempo que me permiti passar os olhos pelo telejornal, a contratação de funcionários públicos já ia em dez mil, e isto só em auxiliares de saúde e educação. Às tantas, parece que a crise é um óptimo pretexto para continuarmos, enlevados, no encantador caminho que nos levará a ser uma mistura de México e Argentina, com a Venezuela à espreita.

Mas divago. O que interessa é dar nota do que o Governo, caso se preocupasse mais com a criação de riqueza, e ao invés de aguardar placidamente por bazucadas milagrosas, poderia/deveria fazer no OE 2021 para apoiar as empresas. Pois, não sei.

Uma solução seria o “helicopter money” para estimular o consumo e, assim, auxiliar as PME. Duvido da bondade de uma medida tão cega, além de que – não há dinheiro.

Outra solução, seria baixar os impostos às pessoas e às empresas. Mais dinheiro disponível para consumir e investir parece uma óptima ideia. Mas – não há dinheiro.

Benefícios fiscais ao investimento? Parece uma boa ideia, mas para que tal fosse eficaz seria necessário capital para investir e expectativas positivas. Não havendo nem uma coisa nem outra, medidas desta natureza vão apenas beneficiar aquelas empresas cujos projectos de investimento já estavam lançados, ou que iriam investir de qualquer maneira – logo, o objectivo de estímulo à economia parece não se alcançar. Um tiro ao lado, portanto, que fará o Estado gastar dinheiro com quem dele não precisa.

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IVAuchers? Sou céptico. Não vejo em que medida um reembolso parcial de IVA para gastar em lazer vai incrementar o consumo, pela reduzida dimensão do valor e por não estimular novo consumo. No fundo, vamos dar dinheiro a quem já o gasta e continuaria a gastar, ora porque podem, ora porque não possuem alternativa. Mais valia que imitassem o que se fez no Reino Unido, pois um verdadeiro voucher a todas as famílias já provocaria novo consumo. Mais um tiro ao lado.

Já uma medida que seria eficaz e resultaria em dinheiro bem gasto seria um vigoroso regime de incentivo à criação de emprego (quiçá, mesmo, mediante determinadas condições, à sua manutenção), que incluísse o inevitável benefício fiscal em IRC e, sobretudo, uma dispensa de contribuições para a segurança social por parte das empresas, dispensa que se prolongasse por um período razoável e para lá do termo da pandemia. Na verdade, os encargos com a segurança social são a causa primeira da aversão que as empresas têm a criar emprego, pelo que, em meu entender, deveria ser por aqui que se poderia/deveria fazer qualquer coisa. E mais emprego significa, a prazo não muito curto, menos despesa com apoios e mais receita fiscal.

Mas sejamos realistas: não há dinheiro para nada e estamos todos “pendurados” a aguardar que o dinheiro da UE nos venha salvar – o que bem demonstra a fragilidade do discurso oficial do fim da austeridade e dos amanhãs que cantam. Assim sendo, a única coisa que se pode almejar é a suspensão de obrigações, à espera que as coisas voltem ao normal.

Uma boa medida neste sentido, embora seja mero detalhe, é a suspensão do agravamento da tributação autónoma em caso de prejuízos. Outras suspensões poderiam ser ensaiadas, como sendo (e a título meramente exemplificativo) a suspensão dos prazos para reinvestimento das mais-valias em IRC, a suspensão do prazo para a isenção de IMT na alienação de imóveis adquiridos para revenda, etc. E no que respeita à cobrança e ao regime das contra-ordenações conexas, dever-se-ia estabelecer um regime de flexibilidade temporária, pois o risco de mora no cumprimento é elevadíssimo.

Numa palavra: o tempo é de expectativa, por isso suspenda-se tudo o que se possa suspender.

Para terminar, regresso à questão, para referir que o que os nossos clientes querem e precisam nesta crise é o mesmo que sempre quiseram e precisaram: um regime fiscal mais simples e mais amigo das empresas e do investimento. Não sendo altura de ensaiar reformas fiscais, talvez seja tempo de quem nos pastoreia perceber, de uma vez por todas, que um regime fiscal complexo, carregado de impostos, contribuições, derramas, taxas e taxinhas, benefícios fiscais avulsos e desestruturados, obrigações acessórias delirantes, coimas por tudo e por nada, não serve a criação de riqueza. Logo, não serve. Ponto.

Continuamos, assim, à espera da bazuca, mas não a da UE. Já chega desta vergonha de sermos os pedintes do fundo da tabela. Do que precisamos é de uma bazuca fiscal.

À cautela, vou esperar sentado.