Escrevi várias versões deste artigo, até que optei pela parcimónia. Na esperança de que aquilo que é verdadeiramente relevante não passe despercebido. Limito-me, por isso, a listar um conjunto de factos.
Facto número 1. Durante a campanha pela liderança do partido conservador Britânico, uma das candidatas, Penny Mordaunt, fez questão de esclarecer o eleitorado que “uma mulher como ela” (sic) não tem um pénis.
Facto número 2. Penny Mordaunt só foi eliminada como candidata a primeira-ministra do Reino Unido na última ronda de votação dos deputados conservadores.
Facto número 3. A vasta maioria dos deputados conservadores britânicos parece não considerar estranho que os genitais de uma candidata a primeira-ministra sejam um tema político.
Facto número 4. No dia 20 de Julho, após a eliminação de Penny Mordaunt da corrida a primeira-ministra, os deputados conservadores que a apoiaram aventaram a hipótese de o resultado estar associado a uma campanha “venenosa” (sic) contra Penny Mordaunt. Isto é: Penny Mordaunt não perdeu pelo facto de o seu alegado pénis não ser relevante; Penny Mordaunt perdeu porque os outros são venenosos.
Facto número 5. Vários candidatos e candidatas à liderança do partido conservador Britânico, que tentaram centrar a discussão em assuntos não inclusivos como, por exemplo, a inflação, foram eliminados antes de Penny Mordaunt.
Facto número 6. A discussão em torno do pénis de Penny Mordaunt passou despercebida à vasta maioria do comentário político português: os comentadores políticos portugueses, entre eles alguns economistas de alegado renome, como o Professor Aguiar-Conraria, centraram a sua atenção no facto de a construção do género ser um problema que antecede o próprio nascimento do petiz, na gravidade de familiares e amigos manifestarem curiosidade em torno do “sexo” atribuído sem consentimento do petiz e, não menos importante, no drama em torno das tranças de uma actriz que é, dizem-me, famosa.
Facto número 7. As ciências sociais tentaram, com sucesso, diga-se, reconstruir a realidade de acordo com o princípio de que a realidade pode ser aquilo que é descrito por um indivíduo. A realidade passou assim, como que por magia, a ser aquilo que é descrito por um indivíduo. Tal descrição decorre, naturalmente, da forma como o indivíduo atribui sentido ao que experimenta no mundo. Por exemplo, perante a realidade factual de alguém estar morto, um indivíduo pode atribuir significados diversos a essa realidade: um indivíduo pode afirmar que a morte ocorreu devido a cancro; que o cancro é fruto de uma vida a fumar; que filhos de fumadores tendem a fumar; etc.
Facto número 8. Os factos permanecem autónomos em relação à forma como atribuímos sentido aos mesmos. Colocado de forma simples: independentemente de como atribuímos sentido à morte de um indivíduo, este permanecerá morto.
Factos número 9. Os factos têm uma brutalidade à qual dificilmente escapamos. Os factos voltarão, mais cedo ou mais tarde, para nos assombrar. E a interpretação que fazemos de um facto é incapaz de alterar o facto em si.
Facto número 10. Por isso mesmo, a inflação é independente do pénis de Penny Mordaunt, das tranças de uma actriz, ou mesmo da opinião que um economista possa ter em relação à construção de género que ocorre antes do parto. A inflação é um facto carregado de brutalidade; a nossa interpretação dos genitais de Penny Mordaunt não contradiz a brutalidade do preço do litro de gasolina; a alegada apropriação cultural de uma determinada actriz, muito menos; e a opinião de um economista em relação a temas de género não parece ter influenciado o BCE, o qual está prestes a tornar o crédito um pouco mais ‘caro’…
A brutalidade dos factos é amiúde incompatível com a interpretação que fazemos dos mesmos. Infelizmente para muitos, o mundo que imaginaram insiste em não ocorrer… “Let that sink in”…
Os pontos de vistas expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não reflectem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.