A semana passada, António Costa apresentou a composição do novo elenco ministerial que pastorar-nos-á ao longo dos próximos quase cinco anos. A apresentação do novo governo coincidiu com uma notícia importante a qual, à excepção honrosa de José Manuel Fernandes no Observador, a maior parte da comunicação social Portuguesa não deu a devida atenção. Há motivos para esta aparente desatenção, que é mais do que uma coincidência, mas isso fica para outro dia.
Na última sexta-feira, o Eurostat disponibilizou os dados mais recentes – referentes ao ano de 2021 – do PIB per capita dos países Europeus em Paridade Poder de Compra. As notícias são as esperadas, e deveriam merecer uma reflexão aprofundada por parte da elite Portuguesa: Portugal foi ultrapassado pela Polónia e pela Hungria. Assumindo que os anos anteriores funcionam como bons predictores do porvir, com Portugal a cair e outros a ganharem terreno, no próximo ano seremos ultrapassados pela Roménia e pela Letónia. Já no próximo ano, seremos, então, o 4º país mais pobre da União Europeia e o mais pobre – a larga distância – da Europa Ocidental.
Penso que devemos tentar perceber o novo governo à luz destes dados. Sejamos claros: o novo governo é muito fraco e não há a mínima vontade de fazer quaisquer reformas que possam inverter a decadência relativa do país. A frase mais lapidar sobre a composição de governo foi dita por Fernando Alexandre: poderia servir para a Câmara de Lisboa. Para o governo da República, acrescento eu, é curto.
Senão vejamos. Na pasta das Finanças, ao longo dos últimos anos, tivemos dois ministros com altíssima preparação técnica (os Cambridge Boys) que tiveram a astúcia de, numa conjuntura difícil, na qual PCP e BE faziam pedidos continuados de mais e maiores rendas para as suas clientelas, manterem o país na senda das regras europeias. Neste novo governo, António Costa substitui Leão por Medina, utilizando, assim, a pasta das finanças como mecanismo para ressuscitar um cadáver político. Uma espécie de ‘Novas Oportunidades’ da política. Na Economia, a escolha de António Costa Silva é inenarrável. Deixando cair Pedro Siza Vieira, elogiado da esquerda à direita pela sua acção durante a pandemia nas ajudas à economia real, e que havia dado sinais de querer continuar, Costa Silva chega à pasta da Economia como especialista em Energia e, naturalmente, com a capacidade, quiçá única na Europa, de ter escrito um PRR sozinho para todo um país. Noutros países foram compostas equipas multidisciplinares para a feitura dos respectivos PRR. Em Portugal, a tarefa foi entregue a um homem só. O irónico de tudo isto é que Costa Silva não tutelará as áreas das quais é especialista. A Energia ficará sob a tutela do Ambiente, enquanto o PRR será tutelado por Mariana Vieira da Silva. Fica a pergunta: sem Energia e sem PRR, as suas duas especialidades, que qualidades tem Costa Silva que o recomendem para a Economia? Um mistério da fé.
Na Educação, António Costa escolheu a mudança na continuidade. João Costa, até agora Secretário de Estado de Tiago Brandão Rodrigues, sobe a ministro. Considerando o absoluto falhanço das políticas educativos dos últimos anos de Brandão Rodrigues, nas quais João Costa esteve envolvido enquanto número dois, não há quaisquer motivos para pensar que a mudança está a chegar. Depois de dois anos dramáticos de pandemia, nas quais Portugal se tornou, na prática, um estado falhado na área de educação, não temos quaisquer notícias sobre a existência de um plano de recuperação de aprendizagens. Num país fortemente desigual, e com défices importantes de educação, os custos destes últimos anos demorarão anos a corrigir. Com mais do mesmo, será difícil mudar a rota.
Para grande alegria dos Portugueses, especialmente dos grupos privados de Saúde que continuarão a aumentar os seus lucros (palavra maldita!), Marta Temido continuará na Saúde. Depois de um combate tão abnegado e bem-sucedido à pandemia, haveria razão para mudar em equipa que ganha? A resposta é absolutamente afirmativa, na medida em que os preconceitos ideológicos de Temido custaram, e continuarão a custar, imenso aos Portugueses que apenas dispõem do SNS. Os dados da OECD desmontam a ideia de que o combate à pandemia tenha sido bem feito: Portugal está bem acima da média em excesso de mortalidade desde Janeiro de 2020. Note-se que a ideia obsessiva que Temido tem sobre a organização da Saúde em Portugal, que o Estado, e apenas o Estado, deve providenciar cuidados de saúde, não é necessariamente má. Todavia, esbarra com a realidade, porquanto o Estado não tem dinheiro, nem recursos, nem capacidade instalada para providenciar esses cuidados. Temido prefere não utilizar capacidade instalada na sua totalidade, negando, assim, o acesso à saúde aos Portugueses que dele necessitam, do que reconhecer o Estado não tem meios para acudir a tudo.
Para último, deixo a Ciência, área que me é particularmente cara. Elvira Fortunato poderia ser uma excelente ministra da Ciência, deste ou de qualquer governo. Tem um currículo internacional excepcional e, de resto, ao longo dos últimos anos tem intervindo publicamente em defesa de um conjunto de reformas interessantes. No entanto, duvido que Fortunato seja uma boa ministra. Não por sua culpa. Tenho a certeza que envidará todos os esforços para ser bem-sucedida. Todavia, penso que rapidamente perceberá que recebeu um presente envenenado. Deparar-se-á com o maior problema de qualquer ministro da Ciência: a sua capacidade de ser bem-sucedida depende quase exclusivamente do peso político que o Primeiro-Ministro quer dar à ciência no modelo de desenvolvimento do país. José Mariano Gago foi um bom ministro da Ciência, mas foi-o, acima de tudo, porque tinha o respaldo de Guterres e, depois, Sócrates, que atribuíam importância à ciência no conselho de ministros. Independentemente das suas motivações, todos nos lembrámos como Sócrates falava recorrentemente de ciência e da sua importância para o futuro. Para além disso, Sócrates colocou dinheiro a sério na Ciência. Alguém se lembra de António Costa ter feito um discurso – um! – no qual tenha elencado com cabeça, tronco e membros uma ideia para a ciência ou a sua importância para o país? Voltando a Fernando Alexandre, governar a Câmara Municipal de Lisboa é uma coisa. Aí não é preciso preocupações com a Ciência. Arranja-se meia dúzia de idiotas úteis que assinam um manifesto cultural, recebendo em troca umas prebendas e sinecuras e passa-se por político culto e moderno. Governar um país é outra completamente diferente. Infelizmente, António Costa nunca passará de um presidente de câmara. Com votos em todo o país, mas um presidente de câmara.