1O equilíbrio de poderes do novo governo é altamente periclitante. Há vários factores que dificultarão a vida ao governo. Nunca na história democrática Portuguesa tivemos uma diferença tão curta, em número de votos e mandatos, entre o primeiro e o segundo classificados. A pequenina margem pela qual a AD conseguiu ganhar as eleições tem, naturalmente, consequências políticas. O capital político de Luís Montenegro e o seu estado de graça serão bem mais curtos do que, por exemplo, Passos Coelho em 2011 ou José Sócrates em 2005. Por ironia da história, nesta matéria, Montenegro está bem mais perto de António Costa em 2015, o qual, depois de fazer um acordo com os parceiros de esquerda, tinha de convencer os cépticos, inclusive dentro do seu próprio partido, que a solução política funcionava de forma articulada e clara.

Montenegro precisa de começar a ter vitórias políticas claras e inequívocas de imediato. Esta necessidade decorre de dois pontos fundamentais. Em primeiro lugar, durante a campanha eleitoral, o futuro Primeiro-Ministro fez um conjunto de promessas eleitorais muito concretas sobre o que faria nos primeiros 60 dias no cargo. Em segundo lugar, estas vitórias decorrem do ponto anterior. Para sacudir a pressão da vitória curta e, ao mesmo tempo, começar a preparar o partido e o governo para umas eleições antecipadas que, cedo ou tarde, chegarão.

2Como obter vitórias políticas neste contexto? Os compromissos eleitorais de Montenegro durante a campanha foram, em algumas matérias, de tal maneira claros que se podem tornar difíceis de gerir. Se os compromissos tivessem sido mais difusos, a situação seria mais fácil de gerir. Dada a configuração parlamentar, Montenegro terá muitas dificuldades em cumprir algumas das suas promessas. A clareza do líder do PSD tornar-se-á a arma da oposição. Rapidamente, as oposições à sua esquerda e direita mostrarão que Montenegro não está a cumprir as promessas. Obviamente que isto é um Catch-22. Montenegro não pode cumprir as promessas porque a oposição não colabora e oposição não colabora, precisamente, para impedir o chefe de governo de as cumprir.

3Depois das eleições, começou a correr na comunicação social a ideia, presumo que lançada e discutida dentro das elites do PSD, de que o governo poderia, de alguma maneira, contornar as dificuldades parlamentares mudando, em alguma medida, o centro de poder da Assembleia da República para o Conselho de Ministros. A prazo, isto seria a morte política do governo por um motivo político e outro jurídico. Sob o ponto de vista político, isto causaria a total alienação dos parceiros da oposição. Fazendo uma utilização intensiva dos poderes do governo, presumivelmente para distribuir benefícios, esperando com isso colher em exclusivo o crédito, o governo mataria qualquer boa vontade por parte da oposição quando fosse necessário o assentimento parlamentar. Sob o ponto de vista jurídico, a legislatura transformar-se-ia numa verdadeira batalha jurídica, na qual o Tribunal Constitucional seria continuadamente chamado a fiscalizar a constitucionalidade orgânica dos actos do governo. A Constituição delimita quais os poderes exclusivos do parlamento, do executivo e ainda alguns mistos. Num cenário em que o governo fizesse uma utilização excessiva dos seus poderes, contornado o parlamento, obviamente que o Tribunal Constitucional tornar-se-ia, utilizando o título de um artigo de António Araújo e Pedro Magalhães, a arma dos fracos. Para atingir o governo, a oposição litigaria constantemente sobre a competência orgânica das medidas do governo. Imaginem um cenário em que o governo toma uma medida popular e, mais tarde, o Tribunal Constitucional decide que tal medida necessitaria da aprovação na Assembleia da República. A derrota política de Montenegro seria imensa. Se o PSD está a pensar ir por este caminho, é melhor pensar duas vezes. Tem todos os ingredientes para o desastre.

4Existe ainda outro problema que Montenegro enfrentará nas negociações com Socialistas e Chega. Como em todas as negociações desta natureza existe uma parte substantiva, relacionada com as preferências dos actores, e outra parte estratégica. Isto faz parte de todas as negociações. No entanto, nesta legislatura a componente estratégica será levada a níveis nunca vistos. Em primeiro lugar, em cada momento de negociação os partidos terão de considerar a possibilidade de eleições antecipadas. Em segundo lugar – e mais importante – cada partido da oposição pensará não apenas na sua relação com o governo mas na sua relação com a restante oposição. Para simplificar um modelo de negociação com múltiplos actores, quando Ventura negociar com PSD pensará não apenas na relação com o PSD mas também na relação com o PS e como este pode tirar proveito de determinada posição do Chega. O mesmo é verdade para o PS. Quando Pedro Nuno Santos negociar com o PSD terá em consideração (1) a matéria substantiva; (2) a relação com o PSD; (3) a relação do PS com o Chega; (4) a relação do PSD com o Chega. Esta última será especialmente importante. Quando Chega e PS estiverem a negociar com o governo estarão, acima de tudo, preocupados em conseguir colar o dito ao seu adversário. Ventura quererá colar o governo ao PS para, assim, alimentar a narrativa populista do nós contra eles e de que o PSD, no fundo, é igual ao PSD. Pedro Nuno Santos fará o mesmo. Ao negociar com o governo, tentará seguir a estratégia de Costa, a qual postula que PSD, IL e Chega, no fundo, são todos iguais, com pequenas nuances.

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