Desde 2015 que, no âmbito do Acordo de Paris, a União Europeia se comprometeu a reduzir no seu território as emissões de gases com efeito de estufa. A redução deverá ser de pelo menos 40% até 2030, comparativamente aos níveis de 1990. Já em 2021, esta meta foi alterada, sendo desejável uma redução de pelo menos 55% até 2030, sendo que em 2050 a UE deveria atingir a neutralidade climática. Estas ambiciosas metas para a transição energética europeia não poderão ser alcançadas sem uma forte aposta também na transição para um mundo mais digital. A digitalização e a transição energética estão intrinsecamente ligadas.

Encontramo-nos numa altura em que a UE procura cortar a sua dependência energética da Rússia por esta última ter demonstrado comportamento autoritário, hostil e de desrespeito pela soberania alheia. Ora, se estes são os critérios para procurarmos reduzir (ou até mesmo eliminar) as importações (independentemente da matéria-prima em questão), se calhar está na altura da UE começar a diversificar as suas fontes de metais e metais de terra rara (MTR).

A UE é fortemente dependente da República Popular da China (RPC) no que à indústria dos metais e dos MTR diz respeito (e não só). E é neste ponto que voltamos ao parágrafo introdutório – estes metais e os MTR são matérias-primas essenciais para a produção de carros elétricos ou semicondutores. Estes últimos estão presentes em vários gadgets de comunicação, computação, turbinas eólicas, cartões, energia, entre outros.

A RPC é o país com as maiores reservas de MTR, com mais de 44 milhões de toneladas métricas. Logo de seguida surge o Vietname, que já só conta com metade do valor chinês. Com 1.5 milhões está a Gronelândia – território onde a RPC procurou marcar presença desde 2008 (já que os gronelandeses não tinham muito interesse em explorar/produzir os MTR). A exploração dos MTR na Gronelândia (não só por parte dos chineses) têm causado alguma discussão e encontrado resistência por parte de alguns membros do parlamento gronelandês. E aqui estamos a tratar de analisar a presença da RPC na ilha apenas como exploradora de matérias-primas e não como peão no jogo geopolítico do Círculo Polar Ártico – que ainda fará correr mais tinta.

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Atualmente a RPC domina (podendo dizer-se de forma hegemónica), sendo responsável pela produção de cerca de 85% dos MTR do mundo. Este quase-monopólio dos chineses tem vindo a criar alguma preocupação no Ocidente, precisamente porque é uma garantia de total controlo do mercado de um recurso natural que tem cada vez mais importância. E não só para a UE e as suas ambiciosas metas. Este quase-monopólio já foi inclusive um problema, nomeadamente quando em 2010 a RPC suspendeu temporariamente as exportações de MTR para o Japão em retaliação de uma detenção feita no muito conturbado Mar do Sul da China. O problema acabou por se resolver com relativa facilidade graças à intervenção da Organização Mundial do Comércio.

A já velha problemática entre a RPC e Taiwan, marcada por pequenos tumultos habituais, como é o caso das incursões chinesas em espaço aéreo taiwanês, esteve particularmente crítica com a visita de Nancy Pelosi à ilha. Chegou-se a temer, à luz do atual comportamento russo em espaço ucraniano, uma postura semelhante por parte da RPC. Ora, se este é um cenário possível, não deverá a UE começar a antecipar o problema? Como aliás, poderia ter sido feito no exemplo russo-ucraniano com a invasão da Crimeia em 2014.

De acordo com a UE são 103 as categorias de produtos (eletrónicos, químicos, médicos, entre outros) nos quais a UE é dependente das importações que chegam da RPC. A dependência da UE oscila entre os 75% e os 100% dependendo de que metal estamos a falar.

E, dentro da UE, como está a relação diplomática sino-portuguesa?

O nosso primeiro-ministro já referiu diversas vezes que a RPC é um ‘amigo especial’ que nos acudiu, pobrezinhos, no período da Troika. As injeções de capital chinês mantiveram Portugal à tona, cedendo em troca cargos em indústrias estratégicas portuguesas nos setores energético e bancário. No período pós-Troika, Portugal foi um dos países da Europa com maior receção de investimento chinês per capita. Aliás, quando a UE pediu que se controlassem os investimentos estrangeiros na Europa, e em especial os chineses, Portugal fincou a sua posição, exaltando a amizade com Pequim. Existem, para além da narrativa oficial do governo, claros sinais de amizade e compromisso com os chineses: Portugal foi o primeiro país da zona euro a adotar os chamados Panda bonds; existe um think-tank em Lisboa – The New Silk Road Friends Association – que coloca o porto de Sines como um dos primeiros na cooperação na Belt and Road Initiative (BRI).

É certo que Portugal depende mais de Espanha, Alemanha e da França, do que da RPC, mas a diferença aqui reside na natureza do modelo de governação de cada país. E é necessário ter em conta a situação do porto de Sines que, fruto mais uma vez da pandemia, deixou o assunto em banho-maria. No entanto, não esqueçamos o que se passa no resto do mundo com os investimentos chineses em nome da BRI. Temos o caso do Sri Lanka e do porto grego de Piraeus, entre outros casos.