Por esta altura, mesmo os leitores mais distraídos do Observador já sabem que há problemas em vários hospitais do Serviço Nacional de Saúde. Há problemas no Hospital de Setúbal, no Algarve e em Leiria, uma lista que poderia prolongar-se. Há igualmente problemas nos Hospitais de Braga e de Vila Franca de Xira que recentemente deixaram de ser Parcerias Público Privadas.
Naturalmente a situação nos hospitais reflete, em parte, a pandemia e as suas exigências. No entanto os picos da pandemia já passaram, mostrando que as crises e as dificuldades expostas se devem sobretudo a problemas estruturais.
Os problemas têm sido ventilados publicamente sobretudo por organizações profissionais, sindicatos e ordens. A preponderância destas organizações reflete um descontentamento dos profissionais de saúde com o funcionamento do SNS. Na origem do descontentamento estão várias razões, desde a degradação das instalações e equipamentos até às questões remuneratórias, à sobrecarga de trabalho e ao facto de estarem por preencher muitas vagas de médicos e enfermeiros.
Infelizmente a preponderância das organizações profissionais induz uma desvalorização de outros problemas, incluindo o défice de prestação de cuidados à população. O impacto do Covid 19 veio aumentar este défice, que já vinha de trás. As listas de espera e as dificuldades de acesso em geral tornaram-se exasperantes. Soma-se o défice acumulado no seguimento de doentes nos últimos 20 meses, que têm contribuído para os excessos de mortalidade não covid e para o aparecimento de doentes em fase muito mais avançada do que seria de esperar num bom sistema de saúde.
Outro enviesamento da discussão pública é que tem sido dominante a ideia de a solução dos problemas do SNS consistir em gastar mais dinheiro, pagando melhor aos profissionais de saúde e fazendo muitas contratações adicionais. Sendo provável que haja uma genuína necessidade de mais recursos, creio que uma grande parte dos problemas não vem da falta de dinheiro, mas das muitas ineficiências que caracterizam o SNS.
Desde há dezenas de anos que o Ministério das Finanças subfinancia o SNS, ou seja, os Orçamentos atribuem-lhe menos fundos do que os alegadamente necessários para o seu normal funcionamento. O Ministério das Finanças pensa que se não houver fundos o SNS gasta menos e até pode gastar melhor. Na prática este é um exemplo de pensamento mágico, já que o SNS gasta a mais na mesma, criando défices acumulados que mais tarde ou mais cedo têm de ser regularizados. Porque é que o Ministério das Finanças persiste em tal comportamento? Porque está convencido de que se der mais dinheiro inicialmente, a única coisa que vai acontecer é o SNS gastar ainda mais e continuar a acumular défices. Há cerca de 20 anos, o então ministro Correia de Campos tentou ter um orçamento inicial sem subfinanciamento, alegando que tal até permitiria uma melhor responsabilização da gestão do SNS. A história mostra que as Finanças não mudaram de opinião: o SNS continua a gastar muito e mal.
A questão central, mais importante que a falta de dinheiro, é então a de saber como melhorar a eficiência do sistema de saúde. Acontece que a experiência das PPP pode dar muitas pistas. No passado vários estudos feitos por entidades oficiais e não oficiais demonstraram que os Hospitais PPP não só eram melhores que os hospitais do SNS na qualidade da prestação de cuidados como custavam menos ao Estado.
Estamos agora perante a realidade de hospitais deixarem de ser PPP, dois hospitais até agora, quem sabe se mais no futuro. Esta é uma oportunidade para aprender e gerar evidência que fundamente melhores políticas de saúde. Ao contrário do que se fez no caso da reversão do Hospital da Amadora em 2009, onde o processo do fim da concessão privada e da transição para o Estado nunca foi estudado, os processos de reversão dos hospitais de Braga e Vila Franca (e eventualmente outros) deveriam ser estudados em detalhe, por exemplo pelas entidades oficiais que fizeram os estudos das PPP. Eventualmente tais estudos poderiam justificar um retomar das PPP, mas o objetivo central seria identificar e quantificar que ganhos de eficiência é possível obter na gestão dos hospitais mesmo no contexto do SNS. Bem precisos são os ganhos de eficiência que tais estudos facilitariam!
Professor Associado da Católica Lisbon School of Business & Economics