A imagem que a Matilde nos foi deixando ao longo dos anos é a da sua independência, com actos muito provocadores – disruptivos, dir-se-ia hoje – e nunca deu cavaco a quem lhe apontasse como uma pessoa desequilibrada. Sim, os tempos eram mesmo outros e mulher que saísse dos cânones vigentes na aldeia era de imediato posta de parte. A Matilde com o seu humor desempoeirado, com um pensamento muito assertivo conseguiu, apesar de tudo, vingar numa sociedade em que sobressair pela diferença era quase um acto criminoso e com direito a punição. Passou por muitas as humilhações mas, dizia ela, os que agiam pensando causar-lhe um mal, só a tornavam mais forte e decidida. Todas as mulheres da sua família concluíram estudos superiores – inovação ousada na época – mas ela deixou-se estar pelo antigo 5.º ano. Deixar a aldeia aterrorizava-a e, admite ela, a sua cobardia deixou-lhe mazelas na alma, aumentando a sua dose de suspiros de arrependimentos e de culpas.
Casou-se, um casamento que ainda dura, tem uma filha que enquanto não a viu formar-se não descansou.
Nunca fui do círculo de Matilde e o mais que lhe disse foram uns circunstanciais bons dias ou boa tarde, de modo que me espantei quando há dias me bordou no seu estilo altaneiro, extravagante e desempoeirado: tu que escreves para os jornais tens que contar isto. Sem reagir ela continuou. Disse-me que se inscreveu na Universidade Sénior e que estava a gostar muito até à semana passada. O que se passou na semana passada?, quis saber. Disse ela então que tinha um moncoso dum professor – palavras dela – um chato a leccionar, ao contrário das restantes aulas que, quando acabavam todos perguntavam admirados, já acabou?, com este professor, os alunos dispersavam, adormeciam, viam mensagens no telemóvel. Um chato dum moncoso! Há dias ouvi-o na cafetaria a contar a uma colega dele que a minha turma era pouco interessante e desprovida de interesse pois nós andávamos ali só por andar; que se falasse mais de dez minutos seguidos dispersávamos. Foi aí que a Matilde, com os nervos todos na ponta das mãos lhe desferiu um murro no nariz partindo-lhe a cana. Nós não somos os culpados!, afiançou-me a Matilde. Ia a dizer-lhe que aquilo não se devia fazer, mas estava muito perto dela. O melhor é escrever.