Vivemos tempos estranhos, carregados de incertezas e imprevisibilidades que acarretam novos desafios na forma como lidamos com as adversidades criadas pela situação de pandemia Covid-19. Afeta-nos a todos e coloca-nos perante novas exigências que desafiam a nossa saúde psicológica e o nosso bem-estar geral.

Quem leva o vírus para casa é obrigado a superar a doença e a angústia de se sentir responsável por ter infetado entes queridos. Quando o desfecho é trágico, o sofrimento pode intensificar-se imensamente. Ver familiares morrer ou internados nos cuidados intensivos… ter filhos e pessoas próximas da família internadas, com reações adversas ao vírus, sem poderem ter visitas no hospital ou a “falta da despedida”, pode levar a sentimentos de culpa de difícil gestão emocional.

Como lidar com a culpa? Essencialmente quando se torna exagerada e permanece, acabando por afetar drasticamente o bem-estar geral, existe uma maior tendência para quem sofre de perturbações de ansiedade ou já passou por um episódio depressivo, sentir uma maior culpabilidade. Mas existem algumas estratégias que podem ajudar a ultrapassar a dor de ter contagiado alguém com Covid-19.

É natural que sinta culpa por ter prejudicado alguém. Pedir desculpa e falar pode ser importante para começar a pacificar-se com esse sentimento de culpa e constatar que a outra pessoa não o culpa pelo contágio. Durante uma crise é normal que se possa sentir triste, ansioso, confuso, assustado ou zangado.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

É importante lembrar-se que o contágio não foi intencional. Uma coisa é contagiar alguém sabendo que se está positivo, outra, é infetar alguém sem saber que se está infetado. Não são dois aspetos comparáveis. Quando as pessoas não sabem que estão infetadas, não há intencionalidade… lembre-se que agiu em conformidade com a informação de que dispunha naquele momento! É preciso trabalhar essa distinção entre “o eu que transmite a doença” e o “vírus que é o causador dos danos” e que é facilmente transmitido. Lembre-se que a culpa do contágio não é de ninguém e que quando se está infetado, o contágio a outros elementos da família é frequente, mesmo mantendo todos os cuidados preventivos.

É fundamental combater sentimentos de isolamento e solidão, verbalizando o que estiver a sentir com alguém de confiança/próximo de si. Essa partilha pode contribuir para travar pensamentos culpabilizantes recorrentes e trazer novas perspetivas. Isolamento social não é sinónimo de isolamento emocional. Deve continuar a manter contacto com os amigos e familiares porque isso ajuda a reduzir a sua culpa, a ansiedade, a solidão ou o aborrecimento. As novas tecnologias existem e facilitam em muito esta tarefa.

Passar pela experiência negativa de ter contagiado alguém pode ser uma oportunidade para alterar o seu comportamento, tal como aumentar os cuidados preventivos, ou ajudar outras pessoas que estão a viver situações semelhantes. A realização de atividades reparadoras e positivas para si pode ajudar a dar um novo significado ao que está a viver.

Numa situação de crise deve recorrer às suas habituais estratégias de gestão de stress. Não é altura para aprender ou aplicar novas estratégias. A vida deve continuar… procurar atividades que aumentem o seu bem-estar; manter as rotinas; praticar exercício físico; adotar um estilo de alimentação saudável e equilibrado. Evitar o consumo de álcool e medicamentos com a falsa crença de que vão ajudar a lidar melhor com a situação. Manter-se ocupado com atividades e tarefas que garantam prazer e tranquilidade, como ler, ver filmes e séries e todas as atividades prazerosas, que habitualmente não encontra tempo para pôr em prática.

Sente-se diferente? Não consegue explicar por que motivo passou a dormir mal? O seu apetite alterou-se? Sente uma tristeza que não percebe de onde vem? Irrita-se com mais facilidade? Sente que não consegue relacionar-se com as pessoas como antes? Esteja atento a estes e a outros sinais no seu dia-a-dia, que podem significar dificuldade em lidar com a culpa ou com outros sentimentos negativos.

É também fundamental falar, procurar ajuda e não sofrer sozinho! Tentar ignorar o que se está a sentir não é solução. Se não forem enfrentados sintomas como estes, podem conduzir a quadros de ansiedade, depressão ou mesmo de stress pós-traumático. É fundamental agir antes de estas perturbações se instalarem. Também o consumo de álcool, drogas ou medicamentos pode ser agravado neste contexto.

Procure ajuda psicológica se se identifica com alguma da sintomatologia descrita, mesmo em tempos de pandemia. Não deve adiar o pedido de ajuda, sob risco de prejudicar a sua saúde mental.