“Carlos Jorge Ramalho dos Santos Ferreira (Lisboa, 23 de Fevereiro de 1949) é um gestor português. Licenciou-se em Direito, pela Universidade de Lisboa”1.
Temos aqui uma contradição que vou tentar esclarecer com os seguintes exemplos: um médico é uma pessoa licenciada em Medicina, um arquiteto é uma pessoa licenciada em Arquitetura, um engenheiro é uma pessoa licenciada em Engenharia, um farmacêutico é uma pessoa licenciada em Ciências Farmacêuticas, um advogado, um procurador do Ministério Público, um juiz são pessoas licenciadas em Direito, um enfermeiro é uma pessoa licenciada em Enfermagem, um sociólogo é uma pessoa licenciada em Sociologia, um economista é uma pessoa licenciada em Economia, etc, etc. Assim sendo, porque é que um “gestor” pode ser uma pessoa licenciada em qualquer ciência, ou mesmo não ter qualquer licenciatura?
Quando fui Professor Universitário no ISCSP, da Universidade de Lisboa, na UC de Introdução à Gestão, costumava apresentar este caso aos meus alunos, ilustrando com as dezenas de casos, em anúncios de emprego em que se apelidava “gestor” alguém que não era licenciado em gestão: gestor de vendas, de projetos, de manutenção, de contratos, de condomínios, de stocks, de investigação, etc. Terminava, dizendo aos meus alunos, que só faltava chamar “gestor” ao responsável da última morada, o coveiro.
A Gestão (business management em inglês) é uma ciência relativamente recente que conheceu o seu primeiro documento seminal em 1911, quando “Frederick Winslow Taylor (Filadélfia, 20 de março de 1856 – Filadélfia, 21 de março de 1915), um engenheiro mecânico estadunidense”2 publicou o seu livro Principles of Scientific Management, na sequência da sua experiência de trabalho como consultor técnico, em fábricas de diferentes indústrias.
Após Taylor, surgiram diversas publicações na área da gestão, de autores como Harrington Emerson, com Principles of Efficiency (1912), Henry Fayol, com Teoria Geral da Administração (1916), Elton Mayo e o Efeito de Hawtorne, Max Weber e a Teoria da Burocracia, Herbert Simon e James March, com a Teoria da Decisão, Kurt Lewin com a Dinâmica de Grupos, Douglas Mcgregor com a Teoria da Liderança, etc.
Hoje em dia a Gestão é uma ciência consolidada com escolas especializadas em todo o Mundo. Em Portugal e em Lisboa, por exemplo, com a Católica Lisbon School of Business and Economics, a Nova School of Business and Economics, o ISEG Lisbon School of Economics & Management, a IESE Business School. De notar que, com exceção do IESE, todas as outras escolas referem as disciplinas de Economia e Gestão, por outras palavras, a Macroeconomia e a Microeconomia, ou Gestão de empresas e organizações.
Se a profissão de Economista é definida como aquela em que a pessoa tem uma licenciatura em Economia, ao contrário, a profissão de Gestor ainda não é definida como a pessoa que tem uma licenciatura em Gestão.
Com sérias consequências negativas, dado que a gestão boa ou má pode influenciar decisivamente os resultados e o sucesso ou insucesso de quaisquer empresas ou organizações não empresariais. E em jogo estão empregos e a vida de muitas pessoas e suas famílias que dependem dos resultados das empresas e organizações.
Uma história pessoal pode contribuir para clarificar esta situação. Sou licenciado em “Administração e Gestão de Empresas” pela Universidade Católica Portuguesa, em 1981. Em 1994 concluí um MBA com especialização em Marketing, na mesma escola, da qual fui docente convidado entre 1995 e 2007. Em 2002, decidi fazer na Católica uma pós-graduação chamada “Gestão de Unidades de Saúde”. Um colega meu, o Luís Saias (infelizmente, já falecido), também docente na Faculdade, soube que eu estava a fazer o curso e perguntou-me porque o estava a fazer, pois eu era especialista em Gestão? Respondi-lhe que me interessava conhecer médicos interessados em Gestão, pois tencionava, como Consultor de Gestão, aprofundar a minha presença na área da Saúde. O Curso demorou cerca de 6 meses, com um total aproximado de 150 horas letivas, sem avaliação, mas com direito a diploma de frequência.
Foi muito interessante perceber que os meus colegas de curso, médicos, afirmavam generalizadamente, no fim do curso, que afinal percebiam muito pouco de gestão, que ao contrário do que pensavam, e do que muita gente ainda hoje pensa, é muito mais do que bom senso ou experiência prática.
O facto de haver pessoas que ainda não compreendem que um “gestor” deve ser um licenciado em gestão, leva a que existam situações de incompetência, no sentido do que João Lobo Antunes, um reputado neurocirurgião, afirmava: “competência depende de dois fatores: ter preparação científica numa determinada área de conhecimento e ser capaz de aplicar esses conhecimentos, com resultados, na prática”. Porque sabemos que um licenciado em medicina, não é necessariamente um bom médico, valendo o mesmo para engenheiros, economistas, etc.
Da minha experiência como consultor de gestão, retirei a conclusão de que existem duas áreas que são especialmente exigentes em gestão: os municípios e os hospitais, dada a sua dimensão (especialmente no caso dos hospitais públicos) e a enorme complexidade de serviços e de técnicas de gestão utilizadas.
Contudo, continuam a ser nomeadas para a presidência de grandes hospitais e centros hospitalares públicos pessoas que, na definição de competência de João Lobo Antunes e na minha, de gestor, são “gestores” incompetentes. É o caso recente do IPO Lisboa , com uma administradora hospitalar3 licenciada em Direito, do Centro Hospitalar de Barreiro-Montijo, com a Presidente licenciada em Enfermagem e em Direito e do Centro Hospitalar de Setúbal, com Presidente, administrador hospitalar, licenciado em Direito.
Por aqui também se poderá inferir porque temos tantos problemas não resolvidos no SNS com dificuldades de acesso a hospitais públicos, em diferentes especialidades.
1 https://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Santos_Ferreira
2 https://pt.wikipedia.org/wiki/Frederick_Taylor
3 Ver meu artigo https://observador.pt/opiniao/os-administradores-hospitalares-sao-gestores/